A Equipe Comenta: Sorte Cega (Przypadek, 1987, de Krzystof Kieslowski)

O filme escolhido para o nosso A Equipe Comenta é Przypadek (Sorte Cega, em português) de 1987, dirigido pelo polonês Krzystof Kieslowski, conhecido pela trilogia das cores (A Liberdade é Azul de 1993, A Igualdade é Branca e A Fraternidade é Vermelha, ambos de 1994)

Cinco pessoas assistiram ao filme, e depois de uma conversa entre nós surgiu essa matéria que traz a nossa percepção sobre a obra.

Sorte Cega conta a história de Witek, um estudante de medicina que decide tirar um período sabático após a morte de seu pai. Ele está atrasado para pegar o trem que o levará até a cidade em que acontece o velório de seu pai e a narrativa se desenrola a partir de três desenvolvimentos distintos para essa situação. E se o protagonista perde o trem? E se ele consegue pegar? São os questionamentos que levam a esse desdobramento que mostra que um detalhe pode ser importante para mudar toda a nossa vida.

Matheus (Touro Indomável, A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça e Deus e o Diabo na Terra do Sol):

Gostei muito da proposta do filme. A premissa me lembra de Corra, Lola, Corra, é legal ver que o protagonista é punido por não ter tomado partido, numa afirmação de que o radicalismo era necessário à ele e não daria pra ficar em cima do muro, sendo essa a pior opção. Questões como os enquadramentos fechados e a montagem não convencional me prenderam bastante.”

Leonardo Costa (Cinema Paradiso, todos os Star Wars e Suspiria, o original):

Conhecia o diretor da Trilogia das Cores, há tempos queria ver mais coisas dele, ainda vou ver a série dele, Dekalog.

Sobre o filme, é muito interessante a similaridade com Mr. Nobody. sobre escolhas e consequências, especialmente na política, não há como ser neutro, ser neutro político seria inclusive como não viver/existir, e de qualquer forma não tomar partidos ainda teriam consequências políticas mesmo fugindo disso.

É um filme meio anticomunismo? Talvez. Na verdade esse próprio filme passou por censura no seu lançamento e acho normal optar por esse caminho crítico ao comunismo na Polônia e suas consequência, o diretor assim como o personagem toma um lado. Mas ele não “desce a lenha” (critica) em tudo, ele está mais preocupado em mostrar as consequências de ser isento e fugir da responsabilidade social/política.

A obra mostra também como é difícil ser bem-sucedido em todas as áreas: emprego, política e relacionamento amoroso, na verdade é impossível estatisticamente falando, certamente alguma coisa dessas vai desandar. Acaba sendo um pouco pessimista em trazer tragédias em todos os caminhos/escolhas, mas esses altos e baixos são fatos na nossa vida, mais cedo ou mais tarde.

As atuações são soberbas e a direção é operante, especialmente nas cenas da estação de trem e do aeroporto. As cenas de amor são muito naturais e impecáveis também.

Cinema polonês é meio nu e cru e gosto bastante.”

Natália (A Ilha do Medo, O Exorcista e No Portal da Eternidade):

Particularmente tive que ler sobre a política da época pra poder absorver melhor a ideia do filme e depois que entendi achei bem interessante a forma que o protagonista é levado às três opções que ele tinha naquele momento. Acredito que nas três ele poderia ter sido feliz, mas a forma que ele termina quando não escolhe um lado, e sim deixa se levar por outra pessoa, me deixou impactada, me fazendo pensar no que pode acontecer quando não tomamos partido de algo.

A fotografia me levou para uma época bem conturbada, parece que todo mundo no filme estava pisando em ovos. Mas de um modo geral gostei bastante do filme.”

Helen (Trilogia Before, Um Sonho de Liberdade e Interestelar):

Achei o filme bem interessante. Essa premissa de que o destino pode ser definido pela escolha ou pela sorte levanta uma reflexão muito bacana, ainda mais porque o diretor decide mostrar as três perspectivas diferentes em cada linha do tempo diferente e todas as vertentes são assuntos do meu interesse, então o filme me ganhou nesse sentido. Enquanto eu estava assistindo não fiquei pensando em tudo isso, fui me entregando ao que o filme me mostrava sem muito questionamento (até porque o filme foge do que eu estou acostumada a ver e eu fiquei com medo de viajar demais e perder coisas importantes).

Depois que o filme acabou eu tive aquela sensação de “meu Deus! preciso digerir isso” aí fui lembrando dos acontecimentos e achando mais uma vez muito legal os questionamentos complexos que o personagem se enfiou, tanto na vertente politica, quanto na romântica e também na filosófica.

Por mais niilista que a história tenha soado pra mim, por conta do final, achei que todas as decisões do personagem foram coerentes com quem ele era. Nada me soou falso do tipo “nossa, não imaginaria esse personagem tomando essa decisão”. E eu achei muito foda conseguir transmitir essa coerência mostrando perspectivas tão diferentes por vez.

Agora, falando sobre a parte técnica, gostei muito da fotografia. Adorei uma jogada que teve mais no início, de parecer que o personagem principal é a gente, por conta de quem estava contracenando com ele ao olhar diretamente pra câmera.

O filme é meio lento e confuso às vezes, pra mim obviamente, mas é só por que estou mais acostumada com aquela pegada mais americanizada.

Foi um desafio muito bom. Me fez sair da zona de conforto.

Rodrigo (Laranja Mecânica, Coherence e mãe!)

Minha experiência de reassistir o filme foi bastante dicotômica.

A primeira vez que eu vi eu era adolescente e também tinha um olhar mais americanizado do cinema e só tinha assistido o Azul do diretor (que está dentro da Trilogia das Cores) que, certamente é a obra mais comercial dele. Aí eu assisti esse e fiquei pensando: “é um Mr. Nobody para chatos”. Tive que voltar algumas partes pra entender, principalmente na primeira história. Que eu acho que, independente da linguagem que a gente esteja acostumado ou não, tem um jeito meio confuso de se apresentar. Porque até pegar a premissa do filme já é te apresentado um monte de coisas e estilo de câmera enquanto você tá buscando entender do que se trata. Eu que não costumo ler sinopse então, da primeira vez fiquei quebrando a cabeça. E acho que é uma falha do filme, no fim das contas. Ele procura ser diferente, e claro que não há problemas nisso, mas ser fora da casinha não precisa ser sinônimo de mal contado.

Depois da primeira vez que assisti, foi maturando e ficando cada vez melhor pra mim, tanto que esse foi o motivo de começarmos o projeto do Cineclube por ele, pra reassistir e apresentar aos meus colegas pra tentar elucidar o que acho dele. Porém continuei no meio do caminho.

O filme é anticomunista pra porra, e me frustrou ver como o Kiewloski tem um olhar extremamente eurocentrado. Aí a Trilogia das Cores começa a soar meio adolescente pra mim nessa perspectiva, desses três filmes dedicados a exaltar a vida francesa.

A história que ele se dedica mais é na de criticar o comunismo de maneira panfletária, e me dá a impressão que ele tinha um limite de tempo dado pelos produtores pra fazer o filme. Sabe, como se tivessem chegado pra ele e falado que o filme precisaria ter 120 minutos e aí eu sinto que ele preferiu tanto a primeira versão da história, que a segunda ficou ‘ok’ e a terceira ficou muito limitada e apressada.

Mas, independente disso, eu sei qual é a visão do diretor e retrata a visão de grande parte dos poloneses sobre a União Soviética, e não posso o condenar por isso. Ele poderia ter uma visão diferente? Talvez.

Por fim, pra mim o realizador é o que melhor escolhe o tempo de cada plano da história do cinema. Sem exagero. Ele sabe os segundos certinhos pra cada cena, os segundos de cada sequência e de cada movimentação de câmera. Tudo o que ele faz é realmente impressionante.

Trailer:

E aí, leitor, gostou desse formato de post? Qual filme você gostaria de ver no nosso próximo A Equipe Comenta? Deixa aí nos comentários.

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