Crítica: O Assassino (2023, de David Fincher)

David Fincher é um dos melhores diretores a surgir nos últimos trinta anos. Para alguns, seu catálogo invejável – que inclui filmes como Seven (1995), Clube da Luta (1999), Zodíaco (2007), A Rede Social (2010) e Garota Exemplar (2014) – já credencia sua presença em listas dos maiores cineastas de todos os tempos.

Mesmo que seus maiores sucessos em premiações tenham sido dramas, como O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) e Mank (2020), basta conversar com qualquer fã do cineasta para descobrir que sua maior vocação são os suspenses. Mais do que isso: seus melhores filmes são os que lidam com psicopatas – Seven, Zodíaco – ou sociopatas – A Rede Social, Garota Exemplar.

É exatamente nessa categoria que se encaixa seu novo trabalho, O Assassino (2023). Produzido pela Netflix, onde entrará em cartaz no dia 10 de novembro, o filme conta a história de um assassino de aluguel que falha em uma missão e, após uma retaliação sofrida por sua família, viaja o mundo buscando vingança.

Mesmo que visto em uma sala de cinema, O Assassino é, claramente, um filme feito para a Netflix. Como um dos idealizadores da estética vigente na maioria das produções da empresa, Fincher – mentor de algumas das séries mais aclamadas da produtora, como House Of Cards e Mindhunter – está plenamente confortável dentro desse visual, que também remete a alguns de seus filmes mais recentes, como Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011) e Garota Exemplar.

É compreensível que alguns considerem o filme como uma repetição de temas e da estética que Fincher já provou dominar, mas há um ponto fundamental que diferencia este thriller dos outros do cineasta: se Seven acompanhava a busca dos policiais pelo serial killer e Zodíaco a dos jornalistas, O Assassino é, acima de tudo, um estudo de personagem sobre seu protagonista, interpretado com inspiração por Michael Fassbender.

Já no primeiro dos seis capítulos nos quais o filme é dividido, somos apresentados ao assassino – que em nenhum momento é nomeado – e convidados a entender sua filosofia, seu método de trabalho, e como isso tudo ajuda nas missões para as quais é contratado.

O capítulo se passa dentro de um apartamento em Paris, onde o assassino espera, em meio a exercícios físicos e músicas do The Smiths, por uma oportunidade para eliminar seu alvo. Depois disso, o filme se desenvolve a partir de uma estrutura episódica que gera uma certa previsibilidade e lembra o filme Drive (2011), com cada capítulo contemplando um checkpoint na jornada de vingança do protagonista.

Mesmo que o longa seja excelente por completo, o auge é atingido logo em sua primeira parte. Com referências ao clássico Le Samourai (1967), que vão desde o figurino até a interpretação de Fassbender, Fincher filma com seu característico rigor formal, que casa com a forma meticulosa e disciplinada com a qual o assassino age ao esperar por seu alvo.

A harmonia entre forma e conteúdo, aliás, é uma das maiores qualidades do longa: enquanto a fotografia ilustra a escuridão interna do protagonista, a montagem é tão detalhista quanto seu método nos assassinatos. Mesmo que o público crie expectativa por um clímax explosivo – muito comum em filmes do gênero –, ele nunca chega, pois tudo o que o protagonista faz é realizado de maneira altamente pragmática, sem nenhum tipo de catarse.

Mesmo assim, em alguns momentos o diretor contradiz, por meio das imagens, o que o protagonista narra, e a percepção que ele tem de si mesmo. Em uma cena em que diz ao público que está tranquilo e mantendo a calma, a câmera mostra que seu coração está cruzando os cem batimentos por minuto. Essa dinâmica se repete algumas vezes ao longo do filme, gerando uma dialética interessantíssima entre o que se ouve e o que se vê em tela.

Isso desencadeia a discussão mais interessante do longa, que leva o público a uma instigante reflexão: será que o protagonista quer ser o que não é, ou não quer ser o que é? Seu discurso é muito diferente do que suas ações e reações sugerem. Mesmo assim, como ele comprova, viver com medo pode ser uma punição ainda maior que a morte. O fato do diretor não responder essa questão faz com que ela permaneça na mente do espectador dias após assistir ao filme.

A reflexão é reforçada pelo simples, mas efetivo roteiro, e pela performance excepcional de Michael Fassbender, em seu primeiro papel no cinema em quatro anos. Mesmo sem muitas expressões faciais, o ator constrói um personagem frio, que se imagina mais frio do que de fato é. Sua interpretação é fundamental para passar essa ideia, especialmente por suas emocionais reações a alguns pontos da trama.

O elenco de apoio conta com nomes como Arliss Howard, Charles Parnell, Kerry O’ Malley, Gabriel Polanco e a brasileira Sophie Charlotte. Todos são competentes, mas a única coadjuvante que rouba a cena é Tilda Swinton, que tem apenas uma cena no filme, mas convence completamente como a única pessoa que faz frente ao protagonista ao longo da história. Mesmo que o roteiro force a barra em alguns de seus diálogos, com metáforas que não funcionam, a atriz oferece uma performance memorável.

O filme também tem a carga social mais forte dos filmes de Fincher desde Clube da Luta, especialmente em relação aos bilionários e às grandes corporações. Em alguns momentos, apontando o dedo para marcas específicas, Fincher explicita como o E-commerce facilita o trabalho de criminosos por meio da venda de produtos que apenas pessoas mal-intencionadas buscam – além, é claro, de como os bilionários ativamente financiam assassinatos a ponto de nem saber mais porque estão sendo procurados, e de como, mesmo que sejam os principais responsáveis por tragédias pessoais e universais, eles acabam sendo os que menos sofrem as consequências de seus atos.

Mesmo que O Assassino não esteja no nível dos melhores filmes de Fincher, é mais um excelente thriller assinado pelo diretor – que, guardadíssimas as devidas proporções, vem se tornando uma espécie de Alfred Hitchcock dos dias atuais, que pode até errar quando dirige filmes de outros gêneros, mas nunca em seus suspenses.

Título Original: The Killer

Direção: David Fincher

Duração: 117 minutos

Elenco: Michael Fassbender, Tilda Swinton, Sophie Charlotte, Arliss Howard, Charles Parnell, Kerry O’ Malley, Gabriel Polanco, Emiliano Pernia, Sala Baker

Sinopse: Após falhar em uma missão para a qual foi contratado, um assassino de aluguel parte em uma caçada internacional para se vingar da retaliação que sofreu de seus empregadores.

Trailer:

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