Análise: Them! A série onde o racismo assusta muito mais do que o sobrenatural

Não me admira que diversas pessoas tenham desistido de assistir a série até o fim, afinal ela é simplesmente brutal e dilacerante. Não vejo outra forma de descrevê-la. Causa um grande impacto e um tremendo mal estar em quem está assistindo, que precisa passar por todo o sofrimento junto aos personagens em questão. E o pior, sofrimento esse que é gratuito e por vezes, sem sentido, movido apenas pelo ódio.

Resumidamente, na trama a família se muda do interior após a trágica morte de seu filho, ainda carregando uma grande dor. Não sabemos ao certo o que aconteceu à ele ou à família; o pai, Henry (Bashy) consegue um bom emprego e se muda para um bairro de brancos. Assim pelo menos é o que os moradores daquela região acham que devem manter o bairro: branco. Não sendo o bastante em lidar dia após dia com o racismo dos seus vizinhos, coisas estranhas começam a acontecer dentro de casa.

A série trata basicamente sobre um ciclo infinito de ódio e sofrimento. Ponto. O que me fez refletir muito sobre como uma coisa leva à outra e como isso afeta diretamente todos aqueles que estão envolvidos. Os brancos do bairro que se acham melhores do que a família Emory pelo simples fato de serem brancos. É preciso dizer que a série é ambientada nos anos 50 na Carolina do Norte, onde as leis segregacionistas de Jim Crow eram vigentes.

O próprio nome da lei é uma zombaria e desrespeito sem tamanho, Jim Crow era uma personagem caricato e de mal gosto, criado pelo comediante branco Thomas Rice, onde ele próprio pintava o rosto, usando roupas sujas e em trapos e fazia apresentações racistas da cultura afro-americana. Acabou criando um estereótipo de que negros eram malandros, burros e preguiçosos.

Preciso focar todas as minhas forças na atuação da excelente Alison Pil, que para mim, fez uma personagem extremamente difícil de se entender e de assistir. Betty era, por assim dizer, o pilar da sociedade da qual estava envolvida, vivendo um casamento fracassado ao passo que sua imagem e reputação eram respeitados por todos. Sua vida era tão infeliz que tudo que ela tinha era o poder de manipular sua pequena comunidade e, tudo muda quando os Emory chegam.

É interessante notar como ela sempre estava à frente de todas as barbaridades que aconteciam com eles, e ainda se enfurecia quando Lucky (Deborah Ayorinde) respondia, seja física ou verbalmente às suas ameaças, como se ela fosse louca de fazer algo tão absurdo. Como uma mulher preta pode querer peitar uma comunidade de brancos?

Já que citei o fato de Lucky ser considerada “louca” por suas ações, vamos ao ponto onde sua própria filha, Ruby (Shahadi Wright Joseph) tinha medo de se tornar a mãe. A perda do filho em circunstâncias tão abomináveis, fez com que ela se desligasse da realidade por um certo tempo, o que é compreensível, Ruby nunca soube ao certo o que aconteceu com o irmão e a mãe, assim como nós, o que deixava uma brecha questionável sobre sua sanidade. Aos poucos percebemos que não tem nada de errado com ela, apenas um grande e profundo buraco deixado pelo luto, que é completamente justificado no episódio onde a direção nos mostra, com um grande e doloroso soco no estômago o que de fato aconteceu. Acredito que tenha sido uma das coisas mais difíceis de se assistir, anote aí: Episódio 5: Exigência. Achei que a série tinha chegado ao ápice do horror até ser mais uma vez fui surpreendida com o Episódio 9: Exigência 2.

Esse episódio foi muito importante em dois pontos ao meu ver: o primeiro é sobre como o racismo pode ser algo tão enraizado que é capaz de se perpetuar por gerações e segundo, explica a origem dos acontecimentos sobrenaturais na série. Perceba que até agora não citei nada sobre essa parte, pelo simples fato de que, quando equiparamos os fatos sobrenaturais, eles são água com açúcar comparado ao racismo.

No episódio 9 somos levados a um passado não tão remoto, onde um pastor (Christopher Heyerdahl) está em luto pela morte da esposa e do filho, sem entender como isso poderia ser os designo de Deus, tendo sua fé estremecida e tentando com todo o coração aceitar a perda. Até que um casal quebra a carroça perto de sua cidade e ele oferece ajuda. E sim, o casal era negro. Os dois únicos negros naquele local, diga-se de passagem. No começo eles são vistos com suspeita pelos moradores que, até então, o tratam com respeito. Com o passar do tempo e sem ter como sair dali, já que a mulher está prestes a ganhar um filho, o marido começa a ajudar com os afazeres na cidade e aos poucos, os moradores começam a mostrar quem realmente são. Com conversas, atitudes e até que finalmente chegam ao ápice do episódio, que mais uma vez revira o estômago de quem está assistindo.

O pastor que acaba cuidando de uma criança perdida, se vê cada vez mais envolto nas escrituras da bíblia, em busca de respostas, respostas estas que ele encontra e deturpa todo seu significado fazendo com que inocentes sofram por sua ira. A criança na verdade foi o estopim de tudo, sendo a mesma a representação do mal na série e fazendo com que toda a comunidade agisse em seu favor, sendo daí que todo o ódio e toda ira que ele tinha por Deus se voltasse e o fizesse agir assim por séculos. Ele deliberadamente escolhe agir dessa forma e séculos depois, no mesmo terreno onde ele matou o casal de negros e seu filho, uma família negra se muda…

Ambos os episódios com nomes iguais, o que me faz refletir que são também os dois episódios mais fortes de se ver, não pode ser uma coincidência. Ambos os episódios acabam com mortes de crianças, praticadas deliberadamente por brancos. Brancos que agem como se tivessem o direito sobre suas vidas e as vidas dos pais das crianças mortas. Que se colocam acima do bem e do mal, do certo e do errado, porque se acham no direito.

Exigência:

“Aquilo que se reclama como necessário à satisfação de necessidades ou aspirações.

A série é simplesmente avassaladora, em todos os sentidos. Ela veio com a pretensão de causar horror com crítica social, mas ao meu ver, ela falhou no sobrenatural, de fato, ele sobra no roteiro. Acaba tendo mais ênfase nos episódios finais, quando toda a família precisa desesperadamente superar seus traumas e medos para, só então, ficarem unidos novamente. Sim, a série é forte e não vejo isso como sendo algo ruim, muito pelo contrário. Ela se faz necessária em tempos de alienação como os que vivemos, onde fingimos não ver o que vemos. Onde somos levados a crer em algo que não existe. Existe e está entre nós há tempo demais, e a série vem com o intuito de mostrar isso, o quão enraizado na cultura ele é (o racismo), e o quanto somos resignados a tudo. Ela é um grande soco no estômago porque ela precisa ser, para que talvez assim, possamos entender, nem que seja um pouco, como é estar na pele dessas pessoas. Por fim, diria que vou ficar um bom tempo remoendo todos os acontecimentos e reflexões que a série me trouxe.

Título Original: Them!

Direção: Craig Macneill, Daniel Stamm, Larysa Kondracki, Nelson Cragg

Elenco: Alison Pill, Anika Noni Rose, Ashley Thomas, Deborah Ayorinde, John Patrick Jordan, Shahadi Wright Joseph, Christopher Heyerdahl, Derek Phillips, Jeremiah Birkett, Stacy Lafae

Episódios: 10

Duração: 45 a 50 minutos

Sinopse: Em 1952, Alfred e Lucky Emory se mudam com sua família da Carolina do Norte para um bairro predominantemente branco em Los Angeles, onde sua nova casa marca o ponto de partida de terrores sobrenaturais e da vida real que eles deverão enfrentar.

Trailer:

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