The House (2022, de Emma De Swaef) Nova animação da Netflix é assustadoramente reflexiva.

A Netflix começa o ano lançando uma antologia de animação em stop motion muito interessante e imaginativa, lembrando bastante o estilo das animações muito elogiadas e aclamadas do diretor Wes Anderson, e dá pra notar todo carinho e esforço que os autores e animadores tiveram em cada um dos três segmentos dessa antologia. Mesmo sendo visualmente deslumbrante, a obra pode ser bem divisiva na plataforma, já que se trata de uma obra que é carregada de subtextos e reflexões, e que não perde muito tempo se explicando para o espectador se situar, isso pode deixar muita gente perdida nos segmentos mais bizarros e surrealistas da obra.

A primeira parte, também é a mais misteriosa e macabra, dirigida pela dupla Emma de Swael e Marc Roels, os personagens aqui possuem aparência de pequenas bonecas de panos, com rosto arredondado e feições pequenas e centralizadas. Na trama, nós seguimos o patriarca de uma família, que se sente humilhado e esnobado por ter uma vida humilde e simples, ele então sai para uma caminhada soturna na floresta e encontra uma figura misteriosa e sombria, que dá uma oportunidade de viverem em uma casa enorme e aproveitar de todo o luxo da mesma. Mas como é de praxe nesses tipos de acordo, as intenções do homem misterioso não são boas e a família logo se vê em uma situação horrível, e as duas filhas do homem, que ainda transparecem certa inocência e não ligam para todo aquele luxo, vão ter que correr e lutar por sua sobrevivência. Esse primeiro curta dá um tom muito importante para o resto da obra. Até que ponto os bens materiais devem ser colocados acima de nossas vidas e relacionamentos. Existe uma cena nesse primeiro curta, em que o patriarca está queimando todos seus móveis antigos, se livrando de qualquer aspecto emocional de sua vida passada e suas origens, tudo que importa agora é apenas sua ilusão de riqueza e grandeza, e ele paga caro por isso.

Já na segunda metade, a mais bizarra e criativa, dirigida pelo excelente Niki Lindroth von Bahr, a trama muda totalmente seu estilo e agora estamos em um cenário com criaturas antropomorfizadas, nosso personagem principal é um rato (interpretado pelo músico britânico Javis Cocker) que quer desesperadamente vender a sua casa, mesmo ela possuindo um problema grave de infestação de pragas que ele prefere esconder do que resolver, talvez fazendo um paralelo com sua vida amorosa, que também é muito mal resolvida. A trama tem sua virada após uma tentativa desastrosa de tentar vender a casa ter falhado e ele conhecer um casal de ratos com formas e aparência bizarras, que dizem estar muito interessados na casa e parecem não querer mais sair de lá. Não é difícil de perceber — logo após um número musical bem extravagante — que todos os parasitas da casa são retratados como besouro e larvas, e que a forma desproporcional das pragas é bem parecida com a do casal de ratos. Esse talvez seja o curta mais engraçado e ao mesmo tempo trágico da animação, numa última desilusão amorosa, o desapego pela vida do nosso pobre protagonista é tão grande que ele sofre uma transformação kafkiana.

Por fim, no último segmento, temos uma mensagem de esperança e desprendimento, dirigido por Paloma Baeza, esse não difere tanto do estilo do último curta, a diferença aqui é que os personagens são gatos, e o mundo aparenta ter sofrido de uma grande enchente que inundou quase tudo, mesmo assim nossa protagonista Rosa (Susan Wokoma) parece estar mais preocupada em conseguir renda para cuidar de sua casa e pensão, do que o fato de que todos parecem estar condenados naquele lugar. Nesse vemos a mensagem sobre dar valor aos nossos laços afetivos e relacionamentos na prática, com Rosa descobrindo com a ajuda de alguns gurus espirituais, que o mais importante no fim, não é a casa, e sim com quem compartilhamos nossas vidas dentro dela.

Quantos os aspectos mais técnicos, tenho que elogiar toda a parte gráfica e visual da obra, que é sublime, dá pra notar pequenos detalhes, principalmente nas cenas mais caóticas da trama, o ritmo das histórias também são muito bons, os roteiristas tentaram deixar a história enxuta, e as vezes os segmentos acabam antes que você perceba. A trilha sonora é bem agradável e combina muito bem com o longa, mas nada que seja excepcional. E por fim as interpretações estão muito coerentes com toda minuciosidade dos gestos da animação.

No entanto, talvez seja difícil se conectar com essas histórias que dizem tanto sobre nossas relações e o bem material que costuma ser o mais valioso para nós, a nossa casa. Alguns nem deve pensar muito nisso ou são desapegados com o mesmo, mas não dá pra negar que a figura da “casa”, está intrinsecamente ligada com a nossa própria existência.

Título Original: The House

Direção: Emma De Swaef, Marc James Roels, Niki Lindroth von Bahr e Paloma Baeza

Duração: 97 minutos

Elenco: Mia Goth, Claudie Blakley, Matthew Goode, Mark Heap, Miranda Richardson, Stephanie Cole, Jarvis Cocker, Dizzee Rascal, Will Sharpe, Paul Kaye, Susan Wokoma, Helena Bonham Carter

Sinopse: Nesta comédia de animação de humor ácido, uma família humilde, um arquiteto ansioso e uma senhoria cansada ficam presos à mesma casa misteriosa em épocas diferentes.

Trailer:

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