As Grandes Parcerias do Cinema #2: Alfred Hitchcock e James Stewart

Demorou, mas aconteceu: mais de dois anos após a primeira publicação da série “As Grandes Parcerias do Cinema” – em que foi dissecada a filmografia em conjunto de Martin Scorsese e Robert De Niro –, chegou a vez de contar a história da curta, mas imensamente icônica colaboração entre o diretor Alfred Hitchcock e o ator James Stewart. 

Hitchcock começou sua carreira na Inglaterra, ainda nos anos 20, quando realizou alguns filmes mudos – mais notoriamente O Inquilino, de 1927. Migrou sem grandes dificuldades para o cinema falado, e continuou dirigindo filmes que atingiram sucesso comercial, como O Homem Que Sabia Demais (1932), Os 39 Degraus (1935) e A Dama Oculta (1938).

No início dos anos 40, foi fazer filmes nos Estados Unidos, a convite do produtor David O. Selznick, com quem acabou tendo notórias desavenças criativas e contratuais. Ao longo da década, dirigiu clássicos como Rebecca (1940), A Sombra de Uma Dúvida (1943), Quando Fala o Coração (1945) e Interlúdio (1946), mas foi a partir da parceria com James Stewart que o diretor passou a ter um status de lenda do cinema.

Stewart já era uma das maiores estrelas dos Estados Unidos, emergindo nos anos 30, especialmente no filme A Mulher Faz o Homem (1939), de Frank Capra. Venceu o Oscar de Melhor Ator em 1941, pelo filme Núpcias de Escândalo (1940), que o elevou a um dos nomes e rostos mais conhecidos da sétima arte. 

Após isso, se tornou uma espécie de herói nacional ao abandonar temporariamente a carreira de ator para lutar por seu país na Segunda Guerra Mundial. Tornou-se o primeiro ator a se alistar na Força Aérea Americana, entrando como soldado e saindo, após a guerra, com a condecoração de coronel.

Seu primeiro filme após o retorno foi A Felicidade Não Se Compra (1946), que se tornou o filme natalino definitivo, e permanece um dos maiores clássicos da história do cinema. Sua parceria com Hitchcock iniciou-se logo no quinto filme que fez após voltar da guerra, lançado em 1948.

Festim Diabólico (1948)

O primeiro filme da parceria entre Stewart e Hitchcock foi, também, o mais inusitado em que a dupla colaborou. Festim Diabólico foi um dos primeiros longas feitos para parecer um plano-sequência, e é lembrado até hoje como uma referência para tantos diretores que vieram a emulá-lo.

Baseado em uma peça de Patrick Hamilton, o filme conta a história de dois amigos de faculdade – Phillip (Farley Granger) e Brandon (John Doll) – que buscam atingir o crime perfeito. Para isso, cometem um assassinato em sua casa, escondem o corpo em um armário no meio da sala e, poucos minutos após o crime, recebem vários amigos para uma festa – inclusive Janet (Joan Chandler), noiva de David (Dick Hogan), o assassinado.

Phillip tem muito medo de ser descoberto, enquanto Brandon é extremamente arrogante, e confia que ninguém conseguiria desvendar o crime. Por isso, convida para a festa a única pessoa que julga capaz de descobrir o que foi feito: seu professor da universidade, Rupert Cadell (James Stewart).

Quando as pessoas começam a notar a falta de David, inicia-se um jogo de gato e rato, em que Rupert desconfia que algo aconteceu, e Brandon tenta despistá-lo.

O filme é conhecido por conter uma tensão erótica quase palpável entre alguns personagens masculinos. No plano original de Hitchcock isso seria mostrado de forma explícita, mas, no contexto da produção cinematográfica dos anos 40, o estúdio impediu que a ideia original fosse executada.

Ao longo do tempo, se tornou um dos filmes mais bem-avaliados do diretor, não apenas por sua forma, mas pela forma como ela ilustra o conteúdo – quando assistir ao filme, não deixe de reparar nos momentos em que acontecem os pouquíssimos cortes do filme, e como eles conversam com o que está acontecendo na trama.

Se o primeiro filme da parceria entre Stewart e Hitchcock não é o mais falado dentre aqueles em que a dupla colaborou, isso se deve apenas ao fato de que eles vieram a realizar alguns dos filmes mais icônicos de todos os tempos, pois, se essa fosse a única colaboração entre os dois, a dupla já entraria para a história do cinema.

Janela Indiscreta (1954)

Apesar do sucesso de Festim Diabólico, a dupla demorou seis anos para voltar a colaborar. Mas, em compensação, o retorno foi com um dos thrillers mais icônicos da história da sétima arte. Janela Indiscreta não é apenas um dos maiores clássicos da carreira de Hitchcock, mas também um dos filmes mais influentes de sua época.

Obra mais importante quando se trata de voyeurismo no cinema, o longa é citado como referência por cineastas importantíssimos, como Brian De Palma, William Friedkin e Martin Scorsese.

A narrativa segue o fotógrafo L.B. Jeffries, que quebrou a perna enquanto fotografava em uma selva e, por isso, encontra-se preso em seu apartamento. O ócio leva-o a observar a vida de seus vizinhos com um binóculo, e sua observação o faz suspeitar de que um assassinato pode ter ocorrido no prédio da frente.

O filme traz James Stewart em uma de suas performances mais marcantes, e Grace Kelly na segunda de suas três parcerias com Hitchcock – diretor com quem mais colaborou em sua curta, mas altamente prolífica carreira. Além deles, também se destacam Thelma Ritter, Wendell Corey e Raymond Burr.

De certa forma, Janela Indiscreta pode ser visto como um filme que também fala sobre cinema – afinal de contas, o voyeurismo é um dos aspectos mais definidores da cinefilia. O que são cinéfilos, se não pessoas que observam uma janela através de uma câmera e buscam descobrir segredos sobre histórias que não os envolvem?

O Homem Que Sabia Demais (1956)

Alfred Hitchcock é um diretor tão único na história do cinema que foi um dos primeiros cineastas a dirigir um remake de seu próprio filme. O Homem Que Sabia Demais original foi lançado em 1934, e amplamente aclamado por crítica e público – Hitchcock, por sua vez, não ficou muito satisfeito com o resultado final do filme.

O livro Hitchcock/Truffaut: Entrevistas, escrito pelo cineasta François Truffaut, revela que Hitchcock considerava seu trabalho no filme de 1934 como amador, e que tinha vontade de refazer o filme desde que chegou aos Estados Unidos. No entanto, o filme de 1956 só foi realizado por causa de uma obrigação contratual que Hitchcock tinha com a Paramount e desejava finalizar rapidamente.

A trama, claro, é repetida do filme anterior, porém adaptada: um casal que está de férias em Marrocos com seu filho pequeno acidentalmente se envolve em um assassinato. Quando a criança é sequestrada para garantir o silêncio do casal, os pais decidem tomar para si a missão de salvar o filho.

Dessa vez, a dupla Hitchcock e Stewart se junta também a nomes Doris Day, Nova Pilbeam e Peter Lorre – este último, repetindo seu papel no filme de 1934.

Trata-se do filme menos celebrado que resultou da parceria entre a dupla, mas, ainda assim, tem todas as valências de um bom filme de Hitchcock: a trama surpreendente, o suspense elevado a enésima potência pela maneira com a qual o diretor trabalha a misé-en-scene, e o carisma em seus protagonistas.

Um Corpo Que Cai (1958)

Em 1958, chegou a hora da dupla lançar seu grande magnum opus. Um Corpo Que Cai, ou Vertigo, último filme da parceria entre Hitchcock e Stewart, é amplamente aclamado por críticos, cineastas e cinéfilos do mundo inteiro, sendo considerado por muitos como um dos melhores, senão o melhor filme da história do cinema.

O filme trata do detetive aposentado John Scottie (Stewart), que sofre de acrofobia, e é contratado para seguir Madeleine (Kim Novak), esposa de seu amigo Gavin (Tom Helmore), pois ele está desconfiado da fidelidade da mulher. A partir disto, o detetive é levado a enfrentar seus maiores medos, e se vê um pouco mais envolvido com o caso do que deveria.

Em 1952, a revista britânica Sight & Sound começou a publicar, a cada dez anos, uma lista com os melhores filmes de todos os tempos, segundo críticos. Um Corpo Que Cai passou a aparecer na lista em 1972, quando atingiu o 12º lugar. Desde então, apenas subiu na lista: em 1982, ocupou o 9º lugar; em 1992, subiu para quarto lugar; em 2002, ficou em segundo; em 2012, finalmente atingiu o primeiro lugar, e, em 2022, voltou para segundo, sendo superado por Jeanne Dielman, dirigido por Chantal Akerman.

Em 1992, a revista também passou a publicar a lista de melhores filmes segundo os cineastas. Um Corpo Que Cai nunca liderou essa lista, mas esteve presente em todas elas: em 1992, ocupou o 8º lugar; em 2002, subiu para 6º; em 2012, ficou em 7º, e, em 2022, voltou para a 6ª posição. Está presente no top 10 de diretores como Ari Aster, John Carpenter, James Gray, Nicolas Winding Refn, Paul Schrader, Martin Scorsese, Tilda Swinton e Joachim Trier.

A influência do filme é tão forte que há muitos teóricos, críticos e cinéfilos que dizem que “todo cineasta tem seu Vertigo”. Isso pode ser comprovado na filmografia de cineastas icônicos, como Brian De Palma (Obsessão, de 1976, escrito por Paul Schrader), David Lynch (Cidade dos Sonhos) e Paul Verhoeven (Instinto Selvagem). Seu impacto continua se renovando: um dos melhores filmes de 2022, Decisão de Partir, de Park Chan-Wook, é mais um dos “filhos” de Vertigo.

Para encerrar uma das parcerias mais icônicas da história do cinema, nada melhor do que um dos filmes mais icônicos da história do cinema. É um filme para ser visto inúmeras vezes, pois, a cada revisita, uma nova descoberta está pronta para ser feita. Assim como todos os outros filmes que James Stewart e Alfred Hitchcock fizeram juntos, é ver pra crer.

Qual seu filme favorito que resultou da parceria entre Alfred Hitchcock e James Stewart? Há alguma outra parceria que você gostaria de ler sobre aqui no Minha Visão do Cinema? Deixe seus comentários e obrigado por ter lido!

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