Crítica: A Noite do Dia 12 (2023, de Dominik Moll)

Em um suspense envolvente e sensível, A Noite do Dia 12 (La Nuit du 12, no original) mostra que é possível fazer cinema sobre assuntos extremamente relevantes de forma profunda e bela, sem pedantismos e cenas de ação desnecessárias. Não surpreendentemente o longa, que fez sua estreia no Festival de Cannes, chegou a receber 10 indicações à maior honraria do cinema francês, o Prêmio César, sendo consagrado em 6 categorias, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção.

Considerado o primeiro filme policial francês a abordar diretamente questões feministas, como feminicídio, masculinidade tóxica, cultura do estupro e slut-shaming, A Noite do Dia 12 acompanha o detetive Yohan (Bastien Bouillon) em sua obsessão por um resposta sobre quem matou Clara Royer (Lula Cotton Frapier). Se, a princípio, o espectador é levado a acreditar estar diante de mais um thriller “whodunit“, o longa rapidamente subverte todas as expectativas ao focar, não no famoso “quem, como e por quê?”, mas sim como o que o crime e a forma com a qual o corpo policial lida com ele refletem a dicotomia de tratamento para homens e mulheres na sociedade.

Nanie (Pauline Serieys), melhor amiga de Clara, inclusive responde um desses questionamentos ao lutar para defender a imagem da vítima. Em uma das frases mais impactantes do filme, ela sintetiza perfeitamente o debate em pauta ao afirmar que Clara morreu “porque era uma garota. Só por isso. Era uma garota”.

Se as vítimas são mulheres, os algozes e juízes, por sua vez, são majoritariamente homens. “A maioria dos crimes são cometidos por homens e principalmente homens devem resolvê-los. Estranho não? (…) Um mundo de homens”. Esse retrato de misoginia é reforçado ao longo de toda a obra, permeando interrogatórios repletos de deboche, julgamento por parte dos policiais e suspeitos e a desumanização da figura feminina, culminando em a vítima ser revoltantemente culpabilizada por seu próprio assassinato. Culpabilização essa que não ocorre para homens, como o filme torna evidente ao mostrar um dos suspeitos, com histórico de violência doméstica, sair impune e recomeçar a vida — oportunidade que Clara nunca terá.

O filme, em uma decisão magistral, opta por tirar o caso do ponto central da narrativa e colocá-lo como pano de fundo de aspectos cotidianos daqueles que precisam aprender a lidar com ele da melhor forma possível. Seja amigos e familiares lidando com um luto irreparável ou o próprio detetive assombrado pela falta de respostas em um processo enfadonho de coletar depoimentos, redigir relatórios, lutar com uma impressora que parece não querer funcionar e falta de financiamento para a continuidade de sua investigação. Se distanciando dos arquétipos de heróis e vilões, A Noite do Dia 12 apresenta personagens cruamente reais e que fogem da dicotomia bem x mal. Nada aqui é apresentado sob a ótica idealizada, gloriosa e irrealista hollywoodiana.

Novamente subvertendo expectativas e talvez frustrando os fãs árduos de mistérios com começo, meio e fim, o longa retoma um dado apresentado no início ao mostrar que na vida real muitos casos apenas não tem solução. Afinal, trazer respostas nunca foi a proposta da narrativa, mas sim questionamentos. Não é possível achar um culpado porque todos, à sua maneira, mataram Clara. Cabe ao espectador se questionar de que forma e quem são as diversas Claras mortas todos os dias.

Título Original: La Nuit du 12

Direção: Dominik Moll

Duração: 114 minutos

Elenco: Lula Cotton Frapier, Pauline Serieys, Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Anouk Grinberg, Pierre Lottin, Julien Frison, Mouna Soualem, Théo Cholbi, Thibaut Evrard, Jules Porier, Johann Dionnet e Charline Paul

Sinopse: Existe um ditado que diz que todo investigador tem um crime que o persegue por mais tempo, um caso que o machuca mais do que os outros, sem que ele necessariamente saiba o motivo disso. Para o detetive Yohan Vivès (Bastien Bouillon), o caso que mais afeta sua vida profissional e pessoal é o assassinato da jovem Clara Royer (Lula Cotton-Frapier).

Trailer:

Perfeito para quem ama cinema francês, quem quer conhecer e quem nunca pensou que poderia gostar! Deixe aqui embaixo o que achou do longa 😉

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