Cinco filmes subestimados de diretores consagrados

Nos tempos atuais, torna-se cada vez mais fácil conhecer profundamente a carreira de, praticamente, qualquer cineasta. O acesso ao trabalho da maioria dos diretores está a um clique de distância. No entanto, é comum que as pessoas fiquem presas aos maiores clássicos, aos dois ou três filmes mais famosos de cada um. Por isso, quase sempre há aquela pérola desconhecida que passa batida pela maioria do público na época de seu lançamento, mas está pronta para ser redescoberta. Aqui estão alguns desses filmes:

Imagens (1972, de Robert Altman)

Um dos nomes mais importantes da Nova Hollywood, Robert Altman é conhecido por ser um dos cineastas mais versáteis de todos os tempos. Só nos anos 70, o diretor realizou a comédia Mash, o faroeste Onde os Homens São Homens, o noir O Último Adeus e o drama Três Mulheres.

A maioria dos cinéfilos já ouviu falar de Nashville, clássico dos anos 70, ou talvez de O Jogador, responsável por fazer Altman voltar aos holofotes nos anos 90, mas a carreira do cineasta reserva muito mais surpresas do que se pode imaginar.

O filme escolhido para representá-lo nessa lista é o terror psicológico Imagens, de 1972, protagonizado por Susannah York. O filme conta a história de uma mulher que sofre de esquizofrenia e não consegue mais ter certeza se as pessoas ao seu redor são reais.

É fácil encontrar similaridades do filme com a trilogia do apartamento, de Roman Polanski – composta pelos filmes Repulsa ao Sexo, de 1965, O Bebê de Rosemary, de 1968, e O Inquilino, de 1976, posterior ao filme de Altman. Também há movimentos de câmera claramente inspiradíssimos por Alfred Hitchcock, e o próprio Altman não tem problemas em confessar que Persona, de Ingmar Bergman, foi a principal referência que teve ao realizar Imagens.

É um daqueles trabalhos que recompensa quem está disposto a prestar plena atenção no que está acontecendo em tela – e até quem vai pesquisar sobre o filme após assisti-lo (não deixe de pesquisar o nome dos atores e compará-los com o dos personagens). Conta com uma direção de arte brilhante, que constrói uma atmosfera inigualável em todos os cenários, uma fotografia memorável e uma performance fantástica de Susannah York. Não apenas é um filme subestimado de Altman, mas é, com certeza, um dos melhores de sua carreira.

Glória Feita de Sangue (1957, de Stanley Kubrick)

Quando se fala em Stanley Kubrick, não faltam títulos consagrados como alguns dos grandes filmes de todos os tempos: 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Iluminado, Laranja Mecânica, Barry Lyndon, entre tantos outros. No entanto, os primeiros trabalhos do diretor também são extremamente influentes, e foram ressignificados na história como indícios de que Kubrick se tornaria o gênio que conhecemos.

Da fase inicial de sua carreira, pré-Spartacus (1960), todos os filmes são muito interessantes: Medo e Desejo e A Morte Passou Por Perto demonstram um enorme talento para um cineasta iniciante, e O Grande Golpe frequentemente é citado como um dos grandes filmes dos anos 50, tendo influenciado cineastas como Quentin Tarantino, Paul Thomas Anderson e Martin Scorsese.

Mas foi em 1957 que o cineasta finalmente atingiu totalmente o potencial que seus filmes anteriores mostravam. Glória Feita de Sangue não é tão falado quanto os maiores clássicos do diretor, que foram revolucionários e continuam influenciando cinéfilos e cineastas ao redor do mundo, mas é tão especial quanto qualquer outra obra de Kubrick.

No filme, Kirk Douglas interpreta o Coronel Dax, que é designado a defender três soldados que, após uma missão suicida planejada por um general durante a Segunda Guerra Mundial, são culpados por este pelo fracasso da empreitada. 

A obra é conhecida por ser um dos filmes de guerra mais anti-guerra de todos os tempos, muito pela forma com que retrata o quão descartáveis são os soldados aos olhos dos poderosos – subtexto que é retratado também de forma imagética, por meio de ângulos de câmera e da direção de arte.

Trata-se do primeiro filme incontestável de Stanley Kubrick, que seria a obra-prima de quase todos os diretores da história do cinema. Na brilhante carreira de Kubrick, no entanto, frequentemente é esquecido ou citado como um trabalho menor em sua filmografia – o que é até compreensível, mas não deixa de ser uma tremenda injustiça.

A História Real (1999, de David Lynch)

Conhecido por filmes estranhos e perturbadores, como Eraserhead, Veludo Azul e Cidade dos Sonhos, o cineasta David Lynch lançou, em 1999, seu filme mais “normal” – a começar pelo título. 

A História Real acompanha Alvin, um idoso que não vê seu irmão há muitos anos, por causa de uma briga. Ao descobrir que o desafeto está doente, resolve visitá-lo para buscar uma reconciliação. No entanto, ele não tem carteira de habilitação, então parte para uma jornada em que cruzará o país dirigindo um cortador de grama. Seguindo a estrutura de um clássico road movie, o filme tem cenas memoráveis que surgem das pessoas que Alvin encontra durante a viagem.

É compreensível que os fãs de Lynch tenham se decepcionado ao ver um filme que não traz figuras bizarras, cenas tensas e perturbadoras ou um enredo surreal. Mesmo assim, aqueles que se frustraram de primeira deveriam dar uma outra chance ao longa, pois trata-se de um dos filmes mais bonitos e singelos das últimas décadas – e um dos melhores do cineasta.

Mesmo longe de suas maiores marcas, é possível encontrar paralelos de A História Real com outros filmes de Lynch. A imensa sensibilidade do diretor, por exemplo, já havia sido vista em O Homem Elefante, de 1980 – único filme dirigido por Lynch que é minimamente comparável ao de 1999.

O filme é estrelado por um brilhante Richard Farnsworth, que foi indicado ao Oscar de Melhor Ator em 2000, e morreu pouco após o lançamento do filme, aos 80 anos. Além disso, conta com participações marcantes de Sissy Spacek (Carrie, a Estranha, Terra de Ninguém) e Harry Dean Stanton (Paris, Texas, Lucky).

Apesar de bem recebido pela crítica na época de seu lançamento, o filme raramente é citado entre os melhores filmes de Lynch, o que é uma grande injustiça – e olha que estamos falando de uma das melhores filmografias da história do cinema americano.

Crooklyn (1994, de Spike Lee)

Após uma sequência de sucessos, como Faça a Coisa Certa (1989), Febre da Selva (1991) e Malcolm X (1992), a carreira de Spike Lee passou por um período um pouco mais obscuro. Mesmo sem ter sido reconhecido pelo Oscar – cujos votantes são majoritariamente brancos, o que impacta diretamente na indicação de filmes tão representativos da cultura negra –, todos os seus filmes até então tiveram um forte impacto junto ao público.

A fase seguinte na carreira do cineasta é tão rica quanto, mas muito menos valorizada. Ela se inicia em Crooklyn, de 1994, que é aquele filme sobre o período de formação que quase todos os diretores fazem em algum momento da carreira – Fellini em Amarcord, Woody Allen em A Era do Rádio, Steven Spielberg em Os Fabelmans, entre muitos outros.

Spike Lee é um dos maiores autores do cinema americano – em dois segundos de filme, sabemos que se trata de um “Spike Lee Joint”. Em Crooklyn não é diferente. A linguagem característica do cineasta é clara desde a primeira cena – tanto em termos cinematográficos quanto linguísticos.

Talvez esse seja o filme mais pessoal do diretor. Nele, vemos o nascimento de sua paixão por música e pelo New York Knicks – time de basquete pelo qual Spike é fanático. Também vemos um respeito muito grande do cineasta por seus pais, que são tratados em tela com tanto carinho e afeto quanto suas irmãs, também parte fundamental do filme.

Aos olhos do público que acompanha apenas os filmes da temporada de premiações, Spike Lee não lançou nada de relevante entre Malcolm X (1992) e Infiltrado na Klan (2018). Os fãs do diretor sabem muito bem que isso não é verdade, pois, apesar de alguns equívocos, Spike Lee sempre se manteve extremamente autoral e sempre teve algo a dizer. Goste-se ou não de filmes como Crooklyn, Clockers, A Última Hora e Summer Of Sam, eles incontestavelmente provam um imenso talento e comprometimento com a arte que o cineasta nunca deixou de ostentar. 

Memórias (1980, de Woody Allen)

Cada cineasta toma um rumo diferente após vencer um Oscar. Uns veem o prêmio como uma “carta branca” para fazerem o que sempre estiveram afim; outros veem como uma oportunidade de se aprofundar cada vez mais em seus estilos. No caso de Woody Allen, o prêmio da Academia teve um peso enorme, que o fez deixar de lado suas comédias pastelão e se aprofundar em um estilo mais “sério” de cinema.

É verdade que esse processo já havia se iniciado em A Última Noite de Boris Grushenko e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa – que rendeu ao diretor o Oscar de Melhor Filme, Direção e Roteiro, além do prêmio de Melhor Atriz para Diane Keaton. Mas nenhum deles se aproximava da densidade dramática que o diretor impôs a Interiores, seu primeiro filme após o Oscar. Em sua autobiografia, o diretor revelou que…

O filme foi muito bem sucedido e voltou ao Oscar, mas não gerou o impacto cultural de seu antecessor. Em seguida, o diretor fez Manhattan, que retomava alguns dos elementos cômicos de seus filmes até Noivo Neurótico, mas manteve uma aura mais séria e poética, e foi o primeiro filme que Allen filmou em preto e branco. Também foi muito bem comercialmente e nas premiações, e até hoje é considerado como um dos melhores filmes de sua extensa carreira.

Se Interiores foi uma tentativa de emular o cinema de Ingmar Bergman, o filme que Woody Allen fez após Manhattan era uma tentativa clara de homenagear o mestre italiano Federico Fellini. Memórias retrata um cineasta que viaja para atender à uma mostra retrospectiva de seus filmes, e se pega em uma jornada existencial, em que reflete sobre sua vida, seus amores e sua obra.

É verdade que a pegada existencial é uma marca registrada do cineasta, que esteve presente até em muitas de suas comédias, mas, em Memórias, ela toma uma nova dimensão. O filme é todo baseado nela, e isso gera reflexões importantes e inesquecíveis sobre a vida em si, fama e arte, já que, assim como em todos os filmes de Allen, o protagonista é muito baseado na persona do diretor.


A recepção da obra foi mista, com muitos críticos e fãs dizendo que Allen havia realizado uma cópia barata de 8 ½, de Fellini. Também foi seu primeiro filme em cinco anos a não receber nenhuma indicação ao Oscar. Ao longo do tempo, alguns de seus fãs mais “hardcore” passaram a olhar o filme com um carinho maior, mas ele ainda não passa nem perto do reconhecimento que merece, pois deveria estar ao lado de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Manhattan e Hannah e Suas Irmãs como um dos maiores clássicos de Woody Allen.

Você se lembra de algum outro filme subestimado de um diretor consagrado? Deixe nos comentários e obrigado por ter lido!

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