Crítica: A Baleia (2022, de Darren Aronofsky)

O realizador Darren Aronofsky é um dos melhores cineastas de nossa época. Com sete longas lançados ao longo de vinte anos, ele se colocou como um dos grandes diretores do mainstream no século XXI.

Aronofsky sempre ousou em seus filmes, e até no mais engessado deles (Noé) conseguiu imprimir sua marca autoral e trazer discussões pouco usuais na indústria. E é essa vontade do diretor de trazer sempre uma discussão diferente para seus filmes que fez com que ele se encantasse pela história de A Baleia, que tem como protagonista um homem com obesidade mórbida, algo pouco retratado nos filmes de drama.

É realmente necessário falar deste ponto específico antes de tecer a crítica sobre o filme em si. Pois, é difícil tentar compreender porque ele escolheu um personagem com as limitações de um homem obeso pra contar a história que ele tinha interesse. Claro que todo criador tem o direito de deixar sua criatividade fluir e fazer especulações de vidas que não são a dele, falar de realidade que estão distantes da sua própria e imaginar possibilidades através do olhar de um personagem, seja ele qual for. Darren não é um homem obeso, assim como ele também não é uma bailarina (Cisne Negro), um lutador de WWE (O Lutador) ou a mãe natureza (mãe!). Então ele já se provou na questão de abordar de maneira respeitosa e empática questão particulares que não permeiam a sua realidade. Mas, infelizmente, não é o que acontece aqui.

O homem ser gordo e ter limitações de locomoção é incorporado na narrativa e também na maneira da história ser contada, de fato. A escolha por um aspect ratio 4:3 e a figura enorme de Brendan Fraser enquadrado em primeiro plano, com a sua voz grave e imponente, além de uma chuva constante do lado de fora, trás uma sensação claustrofóbica que faz bem ao conjunto geral da obra, mas ao terminar a sessão não tem como deixar de pensar que o filme é, sim, deveras gordofóbico.

A escolha por esse tipo de personagem como protagonista, e algumas cenas grotescas escolhidas para impactar o público, cria situações que flertam com a estupidez vista em filmes de Eddie Murphy como O Professor Aloprado ou Norbit, e, por mais que o diretor use o tipo físico de seu protagonista à favor da história contada, este não é o ponto principal da fita. O argumento principal discutido em A Baleia é a relação de um homem com depressão com sua filha. E é inevitável pensar que deve existir pelo menos uma meia dúzia de formas de retratar essa história de uma maneira menos jocosa do que a apresentada aqui, e que Darren Aronofsky já provou o seu talento em outras situações pra mostrar que ele não precisava ser tão apelativo.

É claro que o roteiro é adaptado de uma peça, mas a escolha por filmar essa história acaba caindo na conta do nome principal pela produção do filme. Eu não sei se no teatro a história é exatamente igual, e, como será comentado mais pra frente, eu suspeito que a adaptação para a tela de cinema tenha sido quase literal, e dez anos depois do lançamento no teatro, é fato que essa história envelheceu mal.

Bom, depois desse disclaimer necessário, vamos à crítica do filme em si.

A Baleia, conta a história de Charlie (Brendan Fraser – indicado ao Óscar), um professor universitário que após a perda de seu companheiro criou uma compulsão alimentar que o fez chegar à condição de obesidade mórbida. Sua pouca relação com o mundo exterior vem através de sua amiga e enfermeira Liz (Hong Chau – também indicada ao Óscar). Após um ataque no coração, Charlie decide entrar em contato com sua filha Ellie (Sadie Sink) que ele não vê desde que ela tinha oito anos quando abandonou sua esposa, interpretada por Samantha Morton, para viver com um de seus alunos. Essa nova situação na vida de Charlie, também traz para a sua convivência o jovem religioso Thomas (Ty Simpkins) e o filme gira em torno da relação dessas cinco pessoas no período de uma semana dentro da casa, outrora solitária, do protagonista.

E, tendo o filme todo pautado dentro dessa dinâmica entre os personagens, é fácil notar que o roteiro (que foi esnobado de forma justa no Óscar 2023) comete inúmeros deslizes de verossimilhança, com diálogos expositivos entre os personagens, que tentam contextualizar a história de maneira muito explícita e desnecessária. É fácil notar que é um primeiro roteiro escrito por alguém. No caso, o dramaturgo Samuel D. Hunter. Ele é premiado dentro do teatro e o responsável por escrever a peça e o livro que deram origem ao filme, mas sua inexperiência para transportar o roteiro para o cinema ficou claro aqui em sua primeira tentativa cinematográfica. Todos os personagens, sem exceção, verbalizam mais do que precisam em algum momento pra deixar claro todas as relações e todos os sentimentos postos na trama ou para o filme andar sem segundas ou terceiras percepções. Em especial o jovem missionário Thomas, que além de falas bem improváveis em diálogos normais, suas atitudes corporais em cena e sua movimentação dentro do espaço fazem pouco ou nenhum sentido. Claramente um personagem que serve muito à peça no sentido de fazer a história acontecer, mas num filme poderia ser resolvido com a fotografia. Isso se daria com planos que fazem a câmera espiar um quarto “proibido” dentro da casa, ou até mesmo com a montagem deixando rodar o filme uns segundos a mais no rosto de um personagem que já faz com que algumas atitudes tomem outros contornos.

Na verdade, a cinematografia de Matthew Libaque (diretor de fotografia muito experiente) traz essas minúcias ao filme, e de maneira satisfatória. Porém, com os diálogos e movimentações de personagens tão pouco orgânicos, torna essa mistura redundante. Se as conversas já são expositivas em si, a boa cinematografia acaba atrapalhando também no sentido de deixar as pistas dos filmes ainda mais evidentes. Certamente a relação direção de fotografia/roteiro não é um dos pontos altos da obra.

Porém, apesar desses erros aos moldes de Medida Provisória, é fácil notar o porquê de Darren Aronofsky ser, sem exagero, um dos maiores cineastas da indústria hollywoodiana atual. Mesmo com esses deslizes no roteiro, o diretor consegue trazer uma emoção às cenas e uma empatia por todos os personagens que beiram a perfeição.

Infelizmente para quem tem que analisar esse filme também através de seus aspectos técnicos ele se perde em vários momentos com os problemas retratados até aqui neste texto. Pois, se eu pudesse me deixar levar apenas pelos apogeus artísticos da obra, teceria inúmeros elogios a belas sequências do filme. Apoiado também pelas excelentes atuações do enxuto elenco é muito fácil se pegar emocionado em algumas cenas durante a projeção. A empatia que os personagens plantam, independente de erros técnicos aqui e acolá, é algo sublime e a última vez que eu tinha experienciado algo parecido no cinema tinha sido justamente em mãe!, exatamente do mesmo diretor. Felizmente este ano a academia lembrou das atuações dos filmes de Aronofsky.

O fato é que mesmo com seu roteiro troncho e uma cinematografia que não parece combinar com a história que está sendo contada, a direção, sobretudo a direção de atores, consegue se sobressair e coloca em cheque a célebre frase de Akira Kurosawa:

“Com um bom roteiro, um bom diretor pode produzir uma obra-prima; com o mesmo roteiro, um diretor medíocre pode fazer um filme passável. Mas com um roteiro ruim, mesmo um bom diretor não tem possibilidade de fazer um bom filme.

É claro que ao fim da sessão ficamos com um sabor agridoce da experiência, tanto por essas deficiências técnicas mas, principalmente, pela questão gordofóbica pontuada no início do texto. Mas é particularmente impossível dizer que A Baleia não é um filme bom.

Título Original: The Whale

Direção: Darren Aronofsky

Duração: 117 minutos

Elenco: Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Sink, Ty Simpkins, Samantha Morton, Satya Sridharan e Jacey SInk

Sinopse: Um recluso professor de literatura que sofre de obesidade mórbida tenta se reconectar com a sua filha adolescente.

Trailer:

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