Crítica: Perlimps (2022, de Alê Abreu)

No dia 25 de janeiro de 2016, a animação O Menino e o Mundo foi exibida na Cinemateca em São Paulo para cerca de 2 mil pessoas.

A animação, que já tinha mais de dois anos, ganhou os holofotes do público mainstream por conta da inesperada indicação ao prêmio do Oscar, o que tornou essa exibição a céu aberto um grande sucesso. Os ingressos esgotaram, o local superlotou e quando o filme começou a ser exibido, algumas pessoas ainda procuravam um lugar pra se espremer entre as cangas e toalhas dos sortudos que chegaram mais cedo.

Eu, infelizmente, era um desses que ainda procurava um lugar.

Foto tirada no dia da exibição e postada no Facebook

E onde eu quero chegar com essa introdução particularmente pessoal? É que no momento em que o filme de Alê Abreu surgiu no telão da cinemateca, eu não tive nenhuma necessidade de me sentar pra apreciar a obra. Tal qual o show da sua banda favorita, todo o possível cansaço de ficar ali, em pé, assistindo à obra, nem passou perto. E eu fiquei ali toda a duração do filme embasbacado, curtindo cada pedacinho daquela animação extremamente cuidadosa que o realizador conseguiu imprimir num longa-metragem. Os curtos 80 minutos de duração, pareceram 15 minutos, no máximo, de tão impressionado que eu fiquei com cada aspecto colocado ali.

Então, tão logo que surgiu a oportunidade de assistir o novo e aguardado filme do diretor, Perlimps, eu já estava em frente ao cinema com o meu ingresso.

E, minha nossa, já na introdução mágica dessa nova animação eu sabia que estava diante de mais um grande projeto do diretor brasileiro.

Com um voice over magnífico de Stênio García, a história da animação começa contextualizando o universo encantador em que ela se passa. Uma floresta mágica que está sendo ameaçada por gigantes, e um agente secreto da Tribo do Sol chamado Claé (Lorenzo Tarantelli), um filhote de lobo antropomorfizado, tem a missão de encontrar os Perlimps, guardiões mágicos que estão desaparecidos há muito tempo e são os únicos capazes de proteger a floresta da ameaça. No caminho dessa busca, Claé conhece Bruó (Giulia Benite), uma ursa com rabo de leão da Tribo da Lua, que acusa a Tribo do Sol de serem os invasores da floresta. Os dois acabam por construir uma parceria e vão juntos percorrendo as profundezas da floresta atrás dos seres mágicos.

Em relação ao longa anterior do diretor, é notável uma outra visão artística por parte de Alê Abreu, mas que é igualmente apurada quanto a qualidade artística. Se lá, a simplicidade dos traços compunham uma obra sutil e cativante, aqui vários recursos de desenho: tipos diferentes de traço e de pintura, diferentes tipos de movimentação de personagens e cenários, são utilizados para trazer uma experiência tão, ou mais onírica que no seu antecessor. Porém, algumas técnicas de animação, como a movimentação dos personagens no cenário não são tão bem resolvidas quanto no seu antecessor. No longa anterior, toda a narrativa era uma obra de arte, sem cair para as convenções do gênero, mirando em um público específico e aqui em Perlimps não é exatamente assim. O filme tem uma veia mais comercial e, portanto, nos respiros anti-lisérgicos da trama é possível notar algumas movimentações travadas e discrepantes com o que é apresentado em grande parte do longa, ressaltando o baixo orçamento que animações fora do circuito hollywoodiano costumam ter.

Aliás, essa veia comercial é o grande calcanhar de Aquiles da produção. O filme é, claramente, uma brincadeira de crianças, com falas infantis e que realmente evocam os nossos passatempos de quando tínhamos cerca de dez anos. Mas, a animação certamente não foi feita para apreciação do público infantil. Então, durante a exibição fica clara essa discrepância de art-film, onde temos imagens fantasiosas e representações de formas não muito claras e entendíveis que se misturam com uma história simples, até por vezes boba, mas que em nenhum momento me parece ter a força pra fazer as crianças se entreterem dentro de uma sala de cinema ou em frente da televisão.

Se em longas como Tá Chovendo Hambúrguer 2, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e no recente Gato de Botas 2: O Último Pedido, está claro que são obras que servem mais ao público jovem ou adulto, por explorarem momentos artísticos que por vezes subvertem a história, deixando o público infantil entediado, aqui em Perlimps essa sensação é exponenciada trazendo de um lado uma animação ainda mais ousada e artística e de outro uma trama ainda mais infantilizada e fácil de compreender. Além disso, essa total discrepância na correlação arte/entendimento, torna a montagem do filme um pouco atravancada. Se nas animações anteriormente citadas nós temos essa discrepância em relação ao público-alvo, pelo menos a liberdade artística faz com que os animadores não deixem o fluxo da narrativa se perder em quase nenhum momento, pois a liberdade de mistura de traços com outras técnicas de slow motion e planos mais ousados para animações convencionas faz com que, mesmo quando o roteiro não traga em si uma narrativa interessante, a animação seja tão interessante visualmente que faz o espectador mais velho ficar entretido com a tela, e a história anda sem grandes percalços. Já aqui, parece que existe uma freada brusca nos momentos em que a história tem que ser realmente desenvolvida, para ficar comercialmente entendida a todos os públicos, e os momentos mais artísticos. Nos 80 minutos de duração, parece que 30 deles são feito para um público e os outros 50 para outro de maneira muito explícita. Não há um momento em que a brincadeira de criança e a analogia que o roteiro quer contar com isso pareçam conversar organicamente.

Sem entrar em spoilers, mas só para exemplificar um pouco melhor: a narrativa a todo momento flerta com o algo a mais daquela brincadeira de criança. Um aspecto quase pós-apocalíptico permeia a aventura de Claé e Bruó, mas o roteiro a todo instante briga entre a sugestão e o explícito, tentando agradar todos os públicos sem muito sucesso.

Por fim, a impressão que fico de Perlimps é que é um filme tão apurado artisticamente como O Menino e o Mundo, mas a sua tentativa de fazer uma narrativa através da explicitação dos diálogos ao mesmo tempo que explica também nas sutilezas e nuances da animação, faz com que o longa, por vezes, tenha um ar de amadorismo que fica discrepante com a proposta. O que pode tirar o público que o assiste da imersão absoluta que as animações de Alê Abreu têm o poder de conquistar.

Apesar desses problemas, a história tem uma moral valiosa e uma porção de cenas e sequências mágicas que valem a pena ver no cinema.

Título Original: Perlimps

Direção: Alê Abreu

Duração: 80 minutos

Elenco: Lorenzo Tarantelli, Giulia Benite, Stênio Garcia, Rosa Rosah e Nill Marcondes

Sinopse: Claé e Bruô são agentes secretos de reinos inimigos, mas que precisam superar suas diferenças para encontrar os Perlimps e se infiltrarem no Mundo dos Gigantes para impedir uma guerra iminente.

Trailer:

E você, caro leitor, tem vontade de assistir a esse filme? Já chegou a assistir alguma obra do diretor brasileiro Alê Abreu? Deixe seus comentários aí embaixo

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