Prazer, dor e política no sufocante Regra 34, de Julia Murat

Regra 34 já fez um excelente circuito em festivais de cinema por aí, ganhando prêmios, inclusive, o Leopardo de Ouro, prêmio máximo do Festival de Locarno, na Suíça. O título se refere a um termo dado na internet que referencia a existência da pornografia em todos os tópicos concebíveis, ou seja, sob este ponto de vista, no mundo online tudo pode ser pornográfico. A primeira cena já começa com a personagem protagonista Simone (Sol Miranda) se exibindo sexualmente em um chat online.

Aqui, facilmente o filme poderia cambalear para o clichê da jovem pobre, desesperada, muitas vezes viciada, que busca no sexo online sua fonte de renda. Mas este não é um filme clichê. Embora essa renda do universo online tenha sido parte da trajetória de nossa protagonista, ela hoje é uma jovem defensora pública, começando uma brilhante carreira, uma mulher negra empoderada e bem resolvida. Seu exibicionismo vem dos seus desejos, seus segredos, sua satisfação, sua vontade na busca do prazer.

Como promotora, ela defende com afinco e profissionalismo, mulheres que sofreram variados abusos. Na vida íntima, ela busca cada vez mais extremos do prazer, muitas vezes com dor. Na promotoria com seus colegas de profissão, debates sociais e políticos incendeiam o âmbito daquilo que eles propõem, ajudar mulheres violentadas, e em como o sistema muitas vezes é falho nisso, até mesmo culpando-as (note os diálogos onde claramente se subestima as mulheres que são acompanhantes por livre escolha). Nas salas online, ela e seus expectadores se libertam das amarras sexuais. O bom roteiro, aliado à direção ousada e segura de Julia Murat, conseguem equilibrar ambas discussões e traçar paralelos de como elas se equivalem, ou não se anulam.

Uma mulher livre sexualmente não é fraca, não é vítima, tampouco incompetente no seu trabalho e compromissos. Uma vítima de abusos é outra situação, vinda de um relacionamento tóxico, e nada tem a ver com aquilo que uma mulher bem resolvida decide na vida íntima. Por diversas vezes e através de diálogos não tão óbvios, entendemos aquilo que o filme quer discutir, abordando inclusive questões políticas enraizadas na sociedade.

Sol Miranda está espetacular na pele da protagonista, eletrizando a tela, e remetendo em alguns momentos de tensão genuína. Dor e prazer algumas vezes andam juntas e pode ser perigoso, e é interessante a criação de tensão que a direção cria, deixando-nos aflitos sobre o que pode acontecer com Simone. O restante do elenco atua bem, embora que de fato o destaque seja Miranda.

Direção de arte, fotografia, decupagem, tudo é simplista, mas funcional e palpável. Em dado momento sente-se que o roteiro do longa poderia ir um pouco mais a fundo nas consequências, já que alguns extremos são buscados. Mas como nesse tipo de filme que tenta ser um recorte da vida de alguém real e comum, existe simplesmente a continuação em aberto, da vida, de alguém, da situação toda.

Julia Murat tem-se revelado uma cineasta competente, que aborda tabus de forma crível, tal qual na vida tais tabus são, coisas normais. Entre discussões políticas, busca por prazer e dor como consequências (seja uma dor autoinfligida no masoquismo ou a dor causada por alguém, voluntariamente ou não), Regra 34 mostra que o sexo não está apenas em todo canto da internet, mas também do mundo físico, ele faz parte do ser humano, e quando consentido, faz parte da satisfação pessoal. Mas também é algo que causa discussão, que pode machucar, e que o masculino opressivo e a sociedade hipócrita não respeitam tal independência feminina.

Qual o limite do sentir? Qual o limite do exibir, mostrar e ver? Até onde o permitir é benéfico? Que portas devem ou não serem abertas? Aliás, até que ponto é possível julgar tudo isso, quando tange na particularidade de alguém livre?

Título Original: Regra 34

Direção: Julia Murat

Duração: 120 minutos

Elenco: Sol Miranda, Lucas Andrade, Lorena Comparato, Isabela Mariotto, Georgette Fadel, Márcio Vito, Rodrigo Bolzan, Dani Ornellas

Sinopse: Simone (Sol Miranda) é uma jovem defensora pública que defende mulheres em casos de abuso. No entanto, seus próprios interesses sexuais a levam a um mundo de violência e erotismo.  

Trailer:

Pretende assistir ao filme? Prestigie nosso cinema nacional!

Deixe uma resposta