Crítica: EO (2023, de Jerzy Skolimowski)

Dos cinco diretores indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Jerzy Skolimowski (84 anos) é o mais velho, com uma margem de mais de 30 anos para o segundo colocado (Edward Berger, de 53). Seu novo trabalho, EO, realmente é um filme “old-school”, feito com carinho e uma impressionante vitalidade por um veterano extremamente talentoso, que não atingiu o status de lenda do cinema por acaso.

Para comprovar o talento de Skolimowski, basta assistir ao sensacional Ato Final (Deep End, de 1970), protagonizado por Jane Asher e John Moulder-Brown, que trata da relação entre um adolescente que consegue um emprego em uma casa de banhos e uma das atendentes do local. Nem de perto é um dos filmes mais famosos dos anos 70, mas deixa um impacto duradouro em quem o assiste.

Seu novo trabalho certamente é inspirado em A Grande Testemunha (Au Hasard, Balthazar, de 1966), de Robert Bresson, que segue o burrinho Balthazar em suas desventuras por aí. EO, no entanto, segue um caminho mais doce do que o filme de Bresson — que, apesar de excelente, é constantemente desagradável, por submeter o protagonista a inúmeros abusos físicos.

Não que o longa não tenha cenas extremamente desconfortáveis, mas Skolimowski as filma de forma que esse sentimento é minimizado. Em um momento em que o burro é espancado por um bando de trogloditas, o diretor faz com que a cena termine rápido, e nos poupa de ver o estado real em que o animal ficou após a surra.

Outra diferença com o filme de Bresson é que, aqui, o personagem aparece mais como um agente da aleatoriedade do mundo do que como uma testemunha das maldades dele. Essa qualidade aleatória do que acontece no filme é uma de suas principais qualidades, e gera cenas ótimas, como a que envolve um jogo de futebol, ou o final do filme. Ao mesmo tempo, gera alguns de seus defeitos — principalmente a cena com a sempre ótima Isabelle Hupert no terceiro ato, que parece totalmente deslocada do resto do longa.

O diretor imprime sequências altamente estilizadas — principalmente as duas, perto do meio do filme, em que EO foge de uma fazenda e se depara com os perigos do mundo selvagem. Na primeira, o diretor faz um trabalho excelente ao mostrar os animais acostumados à vida na floresta como ameaçadoras para o protagonista, antes de revelar a ameaça real, além de imprimir uma tensão imensa, que culmina em um dos plano-detalhes mais tocantes do ano.

Já a segunda, se filmada por um diretor jovem e figurasse em um filme da A24, levaria muitos cinéfilos à loucura, e o cineasta em questão seria considerado uma das “maiores promessas da nova geração”. Trata-se, em sua maior parte, de filmagens de drones, que filmam a imensidão da floresta de maneira linda e a banham em vermelho, para simbolizar o perigo que aquele ambiente simboliza ao burrinho. A sequência é encerrada com dois dos planos mais bonitos do cinema em 2022.

O filme pode ser considerado politicamente incorreto pela maneira com a qual trata alguns temas — como, por exemplo, a hipocrisia de alguns ativistas pelos direitos dos animais, que querem os libertar do circo, mas não tem a mínima preocupação para onde eles vão depois disso —, mas articula seu discurso com uma propriedade digna de um cineasta experiente e com total domínio da linguagem cinematográfica.

EO traz Skolimowski realizando uma junção admirável da linguagem do cinema dos anos 60 e 70, com planos mais longos e uma montagem paciente, e de elementos cada vez mais comuns no cinema “arthouse” moderno, como a utilização de cores fortíssimas que auxiliam na criação de um universo particular para o filme, e que tem muito a dizer sobre o interior dos personagens — e que esse personagem seja o burrinho mais adorável do mundo é apenas mais um motivo para aplaudirmos o cineasta.

Título Original: IO

Direção: Jerzy Skolimowski

Duração: 86 minutos

Elenco: Sandra Drzymalska, Lorenzo Zurzolo, Isabelle Huppert, Tomasz Organek, Lolita Chammah, Agata Sasinowska, Anna Rokita

Sinopse: EO, um burro inocente, encontra pessoas boas e más em sua vida, enquanto passa de dono a dono.

Trailer:

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