Crítica: Babilônia (2022, de Damien Chazelle)

Quando um cineasta jovem vence o Oscar, sua carreira tende a ir em um dos dois caminhos: ou destoar completamente do que vinha fazendo até então – como foi o caso de Woody Allen, com Interiores –, ou encarar o prêmio como um respaldo, e se aprofundar ainda mais no estilo de cinema que gosta de fazer – como aconteceu recentemente com Bardo, de Alejandro G. Iñarritu.

Damien Chazelle, o vencedor mais jovem da história do Oscar de Melhor Direção, conseguiu seguir ambos os caminhos. Após o sucesso de La La Land, o diretor realizou o drama O Primeiro Homem, diferente de tudo que havia feito até então. Após relativo sucesso – incomparável ao de seu antecessor e ao de Whiplash, de 2014 –, o diretor resolveu expandir a homenagem aos musicais que fez em La La Land, e fez, em Babilônia, uma grande homenagem ao cinema como um todo, e especialmente ao cinema hollywoodiano clássico.

Não que o filme seja “bonitinho”, pelo contrário; pense em uma mistura de O Lobo de Wall Street com Crepúsculo dos Deuses, e você terá uma ideia do que esperar de Babilônia. O filme já inicia em uma festa regada a sexo, drogas, animais e mortes. Após essa longa sequência, o cineasta convida o público para uma jornada pelo submundo da indústria cinematográfica dos anos 1920, seguindo os atores Nellie LaRoy (Margot Robbie) e Jack Conrad (Brad Pitt) e o assistente de Jack, Manny (Diego Calva), durante o período de transição entre o cinema mudo e o cinema falado.

Em seu quinto longa-metragem, Chazelle atinge seu trabalho mais extravagante e cheio de si. Ao mesmo tempo em que se afasta da forma pseudoclássica que imprimiu em seu musical vencedor do Oscar, o diretor se aproxima do filme em termos de conteúdo. O contrário acontece em relação a Whiplash: mesmo com um conteúdo que não poderia ser mais distante do drama de 2014, a forma frenética de seu novo trabalho remete mais a ele do que a La La Land.

É óbvio que não se trata de uma repetição visual do filme de 2014, mas o diretor volta a imprimir um ritmo mais rápido que esteve ausente em seus últimos trabalhos. Recheado de planos-sequência e uma montagem rápida – que, ao mesmo tempo, sabe os momentos de segurar a onda –, o diretor realiza aquele que talvez seja seu filme visualmente mais interessante.

Não que os planos longos de La La Land não tenham seu charme – têm, e é enorme –, mas Babilônia traz um Chazelle muito mais ousado, interessado em explorar novos caminhos no que diz respeito à sua forma. Seja nos em seus felliniesques tracking-shots, seus plano-sequências que poderiam ter sido filmados por Steven Spielberg ou na junção desses com uma edição frenética que parece inspirada em filmes de Scorsese ou Paul Thomas Anderson, o cineasta demonstra influências novas em sua ainda curta filmografia. Além disso, também usa um tom muito mais bem-humorado do que de costume, o que gera momentos genuinamente hilários.

Suas duas maiores paixões parecem ser os únicos pontos que se mantém intactos: o cinema clássico e o Jazz. Assim como em seus trabalhos anteriores, a câmera de Chazelle tem um cuidado especial com os instrumentos musicais; constantemente um travelling se resolverá em um trompete, ou sua câmera procurará algum modo de destacá-lo. Essa obsessão do diretor com música, que se repete ao longo de sua filmografia, é alvo de um comentário metalinguístico, quando Jack declara que “todas as artes almejam a música”.

Por sua longuíssima duração, de quase 3h10, é de se esperar que o filme tenha sequências longuíssimas, e é exatamente isso que acontece, e é nelas que reside a principal força do filme. A primeira hora é, basicamente, dividida em duas sequências: uma festa e um dia no set de filmagens. Ambas são de uma escala impressionante, envolvendo centenas de extras, contam com momentos de ouro e evocam a megalomania das superproduções épicas dos anos dourados de Hollywood. A estrutura remete ao novo clássico Era Uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino, que também gira em volta de dois dias na vida dos personagens.

Após isso, o filme adota uma narrativa um pouco mais tradicional, com cenas mais curtas, que servem para mover a história pra frente. Nesses momentos, o filme deixa a peteca cair um pouco, mas acaba nos recompensando com outras sequências maravilhosas, como a hilária que retrata uma gravação que exige mais takes do que todos esperavam, uma que envolve uma cobra, ou a (bizarríssima) protagonizada por Tobey Maguire.

No entanto, Chazelle parece um pouco deslumbrado com o orçamento de 80 milhões de dólares que teve, e a forma histérica com a qual o filme foi gravado reflete isso. O diretor também parece preocupado em fazer mais coisas do que está, de fato, interessado, então adiciona algumas cenas que tem um valor histórico, mas não fazem a mínima diferença no filme (como a que envolve um blackface). Mesmo assim, o diretor entrega um trabalho cheio de paixão e visualmente riquíssimo.

Margot Robbie entrega uma performance brilhante, que não entendo como foi esnobada na temporada de premiações. A atriz interpreta Nellie como uma atriz ambiciosa e muito carismática, que já se comportava como uma estrela antes mesmo de ser. Em momentos mais delicados, a atriz consegue passar a vulnerabilidade de sua personagem, ao mesmo tempo em que tira muitas risadas do público em momentos mais cômicos. Além disso, algumas cenas exigem uma técnica incrivelmente exacerbada, em que a atriz tem que atuar uma atuação de sua personagem, e Robbie consegue fazer isso com maestria.

O estreante em Hollywood, Diego Calva, está bem durante o filme inteiro, mas acaba tendo menos destaque do que seus companheiros de cena. No entanto, os últimos minutos de filme o reservam uma chance para brilhar, e o ator a agarra com toda a força, encarnando não apenas seu personagem, mas também Chazelle e, honestamente, qualquer apaixonado por cinema que já se emocionou em uma sala escura e relembrou o quanto a arte é importante para si.

Já Brad Pitt, com seu bigode que remete a Clark Gable, está absolutamente competente em todos os momentos, e é outro que consegue tirar várias risadas do público. No entanto, o maior problema do filme reside em seu personagem. Um dos vários atores que não conseguiu repetir o sucesso no cinema falado que teve nos filmes mudos, o personagem entra em uma espiral de decadência que resulta em boas cenas, mas resulta em um desfecho que não foi “merecido”, pois seu desenvolvimento de personagem é falho, e seu estado mental nunca é sombrio o suficiente para que compremos o que acontece em tela.

Em termos técnicos, o filme é um absoluto deleite. O design de produção te transporta para a época de maneira fantástica, assim como a fotografia, rodada em película, que tem uma textura muito parecida com os filmes dos anos 40 e 50. A montagem imprime uma energia caótica e faz com que um filme de mais de 3h passe voando, e a trilha sonora de Justin Hurwitz – colaborador frequente de Chazelle – é ótima, apesar de remeter muito ao trabalho do compositor em La La Land, o que me faz crer que Hurwitz será um daqueles compositores que estão sempre se autoplagiando, como o saudoso James Horner.

Os últimos dez minutos são extremamente polêmicos e divisivos. De primeira, eu não gostei muito, mas, pensando melhor, acho uma ótima ideia, realizada com uma competência menor do que merecia. Mesmo assim, é uma bela homenagem às pessoas que fizeram o cinema ser o que é, que ajudaram no desenvolvimento da sétima arte, aos cinéfilos e ao cinema de modo geral.

Babilônia é um filme que não pertence à sua época. Sua extravagância e sua forma remetem a um tipo de cinema que não é mais feito – o que é um elogio –, e o filme ostenta isso com um orgulho muito bem-vindo. Por vezes, parece um tanto desconjuntado, e carece de uma sutileza maior, mas é divertidíssimo, e nos apresenta um novo Damien Chazelle, mais solto, que continua a evolução de sua carreira com enorme competência. Se tiver a oportunidade, não deixe de ver o filme nas telonas, pois é uma das experiências cinematográficas mais valiosas do ano.

Título Original: Babylon

Direção: Damien Chazelle

Duração: 189 minutos

Elenco: Margot Robbie, Brad Pitt, Diego Calva, Flea, Jean Smart, Jovan Adepo, Jimmy Ortega, Lukas Hass, Li Jun Li

Sinopse: Trabalhadores de Hollywood da era do cinema mudo tentam achar seu lugar na indústria com a introdução do som nos filmes.

Trailer:

E você, já assistiu ao filme? Acha que ele merecia mais reconhecimento na temporada de premiações? Deixe seus comentários e obrigado por ter lido!

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