Entre Rosas (2020, de Pierre Pinaud)

Filme delicado, tocante, elegante e cheio de charme … como são as flores. Nesta sétima obra do diretor Francês Pierre Pinaud, temos contato com toda uma microcultura dentro da cultura francesa, ambientada de forma milimétricamente harmônica com um roteiro simples e tenaz, que ao longo da película dá um show de sensibilidade em todos os sentidos.

Foi a primeira vez que tive contato com o diretor, com o elenco e com a temática deste filme assim como com toda a equipe envolvida no projeto e por isso, expresso ter sido uma mui grata surpresa o deleite de ter assistido a essa obra, ainda mais por ela escapar ao inevitável clichê que por vezes envolvem as temáticas, as ambientações e as relações entre as personagens nos filmes franceses, tanto os mais clássicos pós-Trauffaut e Godard, tanto quanto os mais contemporâneos sendo um grande expoente o jovem diretor Xavier Dolan, além de obras conhecidas do público como as estreladas por Audrey Tatou, Louis Garrel, Leá Seydoux, Adèle Exarchopoulos, Omar Sy e o novo delírio adolescente Timothée Chalamet. Faço este breve comentário por ser eu uma apreciadora do cinema francês e de ter deixado de conferir algumas obras por receio de ver mais do mesmo ou mais uma trama passada em Paris; e quando li o título em francês de Entre Rosas me deixei dar o braço a torcer pelas lindas imagens junto a um quarteto de cordas magnifico que me fez esquecer de que via um filme, e ser assim entregue à experiência.

A trama gira em torno de Eve Vernet (Catherine Frot), uma botânica, floricultora e herdeira de uma propriedade de horticultura que, por perder seu prestígio e vitórias invictas nos concursos de novas variedades de rosas, se vê lutando para manter seu negócio, a propriedade e renome que herdara do pai, conseguir inovar em suas criações botânicas e aquecer sua comercialização e competir com um jovem, ambicioso e ganancioso empresário do mesmo ramo que compete arrasadoramente com Eve e os demais floricultores. Vera (Olivia Côte), amiga pessoal e colaboradora de longa data de Eve e seu falecido pai, contrata novos funcionários completamente inexperientes para aumentar a produção e ajudá-las nas vendas e divulgação das roseiras; e a partir daí, temos a interação entre Eve, Vera e os funcionários e conhecemos suas motivações, personalidades e superficialmente suas histórias.

Algo que me chamou a atenção nesse filme foi a forma como tudo se concentrou nas interações e no senso de comunidade que foi se construindo entre esses personagens, e como que com sutilezas das performances dos atores, podemos captar como e porquê aqueles personagens são o que são e precisam de Eve tanto quanto ela precisa deles. A propriedade Rose Vernet, herança de família da protagonista, é um personagem à parte, com uma imponência e tão bem filmada que nos dá vontade de tentar tocar as rosas através da tela. Não só a propriedade, mas tudo é muito bem filmado nesta obra, com os enquadramentos, fotografia, iluminação, tudo muito bem executado, deixando as imagens vivas e penetrantes.

A qualidade dos equipamentos de filmagem e edição são notórias, bem como o domínio da direção ao preferir técnicas de filmagem simples e planos abertos com enquadramentos padrão que com a qualidade com que foram executados, tornam todas as cenas agradáveis e como nada está gratuito nas cenas, todo o mise en scene é repleto de quadros, móveis, enfeites, fotografias, praças, prédios, os ambientes são muito bem filmados e exemplificam com objetividade o contexto de cada espaço, o que além de conduzir muito bem a narrativa e agradar o público pela consistência na filmagem, podemos ver bem os rostos e movimentos dos atores, a iluminação, a rua, seus figurinos, suas posturas, expressões faciais e movimentos labiais como se estivéssemos testemunhando os fatos. Assim, a filmagem nos inclui nas cenas como se estivéssemos em um dos cantos daqueles cômodos enquadrados e essa escolha do diretor e da equipe de fotografia valoriza os ambientes externos, e as imagens das roseiras, estufas, estradas, casas dos vilarejos e arranjos florais pela harmonia construída entre as composições e o espaço na tela que é preenchido inteiramente por essas imagens de altíssima qualidade.

Junto a qualidade da imagem, temos a de som e da trilha sonora, que em harmonia perfeita com o estilo simples e minimalista da filmagem e da edição nos deleita os ouvidos com música clássica, clássicos do cancioneiro francês, jazz, blues, música pop, até mesmo rap, mas tudo muito bem amarrado aos contextos em que são usadas. Vale destaque para as músicas originais da trilha, que são lindas e praticamente beijam-se apaixonadamente com as cenas de abertura, de encerramento e os créditos. As atuações são boas e na medida para que cada personagem se mostre e nos cative à sua maneira, e de forma fluida vamos criando e descontruindo nossas primeiras impressões de cada um deles bem como vamos detectando pequenos detalhes que justificam a motivação de algumas ações, e no fim simpatizamos com todos em algum nível.

Outro fator interessante é que neste filme não há um vilão ou antagonista, na verdade, a trama nos mostra um conflito de interesses entre dois empresários que tem visões muito diferentes e são de gerações separadas por um abismo tecnológico e de consumo imediato, e vamos percebendo como ambos tem razão à sua maneira, uma nuance subentendida do filme. Um outra, vem a ser as pinceladas de relações familiares e vínculos afetivos, presente na interação de Eve com Fred (Melan Omerta), que se descobre ao longo dessas interações – tendo eles os melhores diálogos e os mais sinceros. Ainda sobre os diálogos, ter assistido o filme no idioma original me permitiu reconhecer algumas expressões da língua com meu conhecimento básico e com auxílio das legendas em português, de modo que a linguagem é muito coloquial e acessível retomando que Eve está treinando funcionários sem experiência e ainda nesse sentido podemos nos conectar com a obra.

O estilo de filmagem, a trilha sonora, a fotografia, o ritmo, os diálogos, tudo é acessível nesse filme, abandonando o glamour e a superestilização e quebra de tabus que em outro momento começou a tornar o cinema francês repetitivo dentro das duas últimas décadas, de modo que voltar ao básico foi o grande acerto deste diretor.

Um bônus é a aula de biologia vegetal e de horticultura que vamos recebendo ao longo da película, como se fôssemos também os aprendizes, e como efeito colateral, terminamos o filme apreciando a arte e a paixão de produzir roseiras tradicionalmente como se soubéssemos qualquer coisa a respeito da atividade, pois o filme quase nos permite sentir a terra, as sementes, os aromas, a maciez das pétalas, as gotas geladas da chuvas e as mãos afundando na terra por ser tamanha a genuinidade da imagens e das interpretações. Compramos a história como se fosse uma roseira de variação inédita, e na trama não há romance, nos apaixonamos mesmo é pela floricultura tradicional e a beleza de metros de corredores repletos de rosas das mais variadas.

Um filme equilibrado, muito bem executado, profundo sem ser pedante e com nenhuma pretensão de o ser, tão leve e divertido que nos eleva durante os deliciosos minutos de contemplação os quais nos permite.

Título Original: Le Fine Fleur

Direção: Pierre Pinaud

Duração: 94 minutos

Elenco: Catherine Frot, Melan Omerta, Marie Petiot, Olivia Côte, Fatsah Boyahmed, Vicent Dedienne

Sinopse: Eve costumava ser uma das plantadoras de rosas mais famosas do mundo, mas agora sua empresa está quase falida. Sua secretária tenta ajudar com um plano bizarro para salvar a empresa.

Trailer:

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