Crítica: Predestinado – Arigó e o Espírito de Dr. Fritz (2022, de Gustavo Férnandez)

As cirurgias espirituais ainda não são legalmente aceitas no Brasil, no entanto a lei prioriza a liberdade religiosa. Eis que chega aos cinemas brasileiros Predestinado – Arigó e o Espírito de Dr. Fritz, mais um longa-metragem com a vertente espiritualista na veia. Arigó, um homem que não era necessariamente espírita (isto é, não se motivou por preceitos da doutrina codificada por Allan Kardec na França de 1857), portanto, simplesmente espiritualista. Não que isso importe na prática, pois seu legado é bastante respeitado por quem se identifica com histórias reais de pessoas que curam “magicamente” as outras, sem nenhum artifício da medicina conhecida pelos seres humanos.

Vivendo sua vida comum, Arigó é retirado da zona de conforto e começa a ouvir uma voz imponente o convocando para uma missão de ajuda ao próximo. Ele simplesmente não consegue se segurar. Em dado momento a chave vira e ele deixa de ser o homem humilde que fala frágil e sustenta um olhar denso e objetivo de quem é influenciado por um espírito. Em 20 anos Arigó salvou cerca de duas milhões de pessoas sem cobrar nenhum centavo. A história é real, conforme mostrado no final do filme (a parte mais interessante de toda a obra), mostra a veracidade das cenas retratadas, com conteúdo visceral de tumores sendo removidos com a mão, dedos sendo penetrados em cortes expostos. E isso não é spoiler. Esse não é o tipo de filme que se espera descobrir mais do que o que já se sabe; apenas se emocionar com a maneira rasa com a qual a história é explorada já é suficiente para quem deseja apenas provar um ponto para si mesmo.

Como produto audiovisual, podemos analisar de duas maneiras: como fatídico e histórico e como ficção científica. No início temos uma sequência de terror psicológico bastante sinistra e com boas interpretações. Ambienta de um jeito incrível tal qual um teaser digno de aplausos. No entanto, após a apresentação do mundo comum do personagem e a incapacidade de resistir ao chamado, o roteiro se perde num drama desgastante. Não encaixa. É claro que o terror psicológico e drama caminham juntos, mas a pegada novelesca já esperada de um filme que dialoga com o público que espera a beleza de uma história do guerreiro sofrido (digna, vale frisar), simplesmente soa contraditório. Ainda mais se tratando de um conteúdo visceral, expondo as feridas dos pacientes em cirurgias feito um gore bem realista (redundâncias à parte) que talvez faça o público revirar os olhos em alguns momentos.

A progressão da “loucura” da personagem obsidiada levanta muito rápido, mas tão logo cai, mesclando o drama poético com uma ousada maneira visceral de retratar as cirurgias. E de fato, Arigó tem uma história muito bonita.

Se não fosse uma história real anunciada em jornais brasileiros e internacionais, o tom do filme descredibilizaria a fé do próprio público alvo do filme e deixaria de tocar o mesmo público que tenta alcançar ao mesclar um terror belamente dirigido com um drama novelesco.

Os estudos espíritas possuem como princípio a tríplice “filosofia”, “ciência” e “religião”. Filosofia como aquilo que se questiona, ciência como aquilo que se atesta ceticamente, e religião como aquilo que se tem fé diante do que fora atestado. Mas esse filme, assim como outros explorados pelo cinema brasileiro, não tratam as questões espiritualistas como naturais ao exagerá-las em caricaturas de personagens, não respeitando a tonalidade dramática proposta ao permear a ambiência de suspense. Exemplo: o vilão precisa ser mau, fazer cara de mau e respirar como alguém mau. Entendo a construção de personagem, mas as interpretações das confabulações da maldade são um pouco corriqueiras. Embora haja uma tendência natural de retratar vivências antigas com uma postura e norma culta, as pessoas quando planejam maldades falam naturalmente, e isso seria mais assustador já que o filme promove um terror psicológico no teaser.

Exceto pelo microfone boom vazado na cena da prisão de Arigó, o filme todo é lindo de assistir. Figurinos, fotografia, maravilhosos. O design de som peca ao tentar ambientar sons altos que reforçam ainda mais as caricaturas novelescas.

O arco da personagem interpretada por Juliana Paes (Amor sem Medida) é muito pouco explorado, sua mudança ocorre de um tempo esquecida durante a primeira parte do segundo ato, embora ela tenha um conflito super interessante: o dilema de ter uma religião.

A resolução do clímax é tratada de maneira inocente. Demonstra o poder da espiritualidade sobre a vida física, no “destino” de cada um. A cena do encontro com Chico Xavier é sensível e linda. Mas de resto, os arcos das subtramas se desenvolvem em saltos na tentativa de resumir todo o extenso.

Por fim, é uma obra necessária e que querendo ou não cumpre sua missão de levar uma história real de caridade ao próximo sem que haja recompensas financeiras. Um ensinamento e tanto. Mérito dos envolvidos, na realidade e na posição de produção da obra, embora aqui criticada, sendo bastante necessária e bonita.

Título Original: Predestinado – Arigó e o Espírito do Dr. Fritz

Direção: Gustavo Férnandez

Duração: 108 minutos

Elenco: Danton Mello, Juliana Paes, Aleandre Borges, Marcos Caruso, Antonio Saboia

Sinopse: Através do espírito do Dr. Fritz, médico alemão falecido durante a Primeira Guerra Mundial, José Arigó se tornou uma esperança de cura para milhões de pessoas ao redor  do mundo. Ele foi alvo de críticas por parte dos mais céticos, mas com o apoio de sua esposa, conseguiu salvar inúmeras vidas por intermédio da cirurgia espiritual.

TRAILER:

Gostou da crítica? Deixe um comentário sobre suas ideias!

Deixe uma resposta