O novo trabalho do diretor responsável pelo reboot de Hellraiser nos traz uma premissa das mais interessantes, o medo através do luto. É sempre instigante como o cinema de terror é capaz de nos trazer reflexões criativas como essa, sou um grande fã do medo clássico, monstros, demônios, assassinos sobrenaturais etc, mas é divertidíssimo ver obras que abordam o medo através da subjetividade das condições humanas, tal qual o racismo em Corra! ou as DST’s em Corrente do Mal, aqui o tema da vez é luto e depressão.
Logo na abertura da trama vemos Beth, interpretada por Rebecca Hall, chegando do velório do seu esposo que acaba de cometer suicídio usando uma arma que ela nem sequer sabia que ele possuía. Começa aí o solo de Hall, durante boa parte da trama Beth é a única personagem em cena, em uma alusão clara ao isolamento, mas também ao distanciamento autoimposto, cujos motivos vão desde vergonha por não ter sido capaz de enxergar os sinais, até raiva pela partida do amado.
Em suas interações com outros personagens ela exibe um frequente comportamento passivo agressivo, um misto de pouca paciência com angústia e uma vontade de gritar, tudo embalado em uma cobertura de autocontrole. Aqui se nota um receio de ser interpretada de maneira errada, a personagem tem depressão, como ela mesma conta em dado momento, se desesperar, algo que seria completamente normal na situação em que ela se encontra, poderia ligar sinais de alerta nas pessoas próximas, impedindo-a de prosseguir na sua busca por respostas.
Beth afirma não conhecer os motivos do suicídio do marido, e seu comportamento dá a entender que se culpa por isso, teria ele dado indícios do que estava por vir e ela ignorou? Ela própria, uma vítima da depressão, teria negligenciado o esposo? Ou seu comportamento pró ativo frente a tragedia seria uma forma de combater a doença sempre à espreita, e achar um significado e uma explicação para tudo aquilo? No decorrer da obra é cada vez mais difícil para ela esconder em público sua raiva do que aconteceu, já em particular, sozinha na casa título, ela chora e se culpa por se sentir assim.
Em sua jornada de cura e revelações Beth vai descobrindo partes desconhecidas da vida do marido, mulheres, impulsos, pesquisas sombrias, projetos secretos, em um espiral que só aumenta sua angústia e desolação e nesse percurso já se passou metade do filme em um ritmo que faz com que a obra de terror que você assiste, se torne um terror de assistir de fato.
Os efeitos sonoros garantem os sustos, mas em determinado momento começam a passar da conta. O filme passa boa parte do tempo revelando as possíveis motivações do suicídio, para no fim não se aprofundar verdadeiramente em nenhuma, a meu ver a razão está no fato de que não importa o motivo pois não se trata das razões para o suicídio e sim de como Beth lida com tudo aquilo.
Não há como negar que tratasse de uma das personagens mais bem construídas do gênero, e somente um talento como Rebecca para conseguir sustentá-la por quase duas horas, ainda mais num roteiro que possui momentos involuntários de “terrir”, a conclusão é de que nada está lá, que tudo aquilo é uma válvula de escape que a personagem usa para ignorar os motivos que levaram à aquela fatalidade, no fundo faz com que pareça que Beth havia percebido os hábitos do esposo muito mais cedo do que a trama dá a entender e sua culpa em grande parte vem disso, por não ter agido.
Ao levantar tantos mistérios como justificativa para essa fuga da realidade da personagem principal, o roteiro se torna cansativo e o expectador se vê contando os minutos para a projeção acabar, há de se reconhecer o esforço da produção em trazer sempre uma camada nova de mistério a trama, são artifícios criativos, mas difíceis de serem executados sem se tornarem maçantes e infelizmente, roteiristas e diretor não conseguiram evitar o pior aqui.
O resultado final é um filme com premissa interessantíssima, que abre inúmeras portas e possibilidades de desfecho pelo caminho, mas que infelizmente não entra em nenhuma. A bela canção tema do filme, que possui também todo um significado, e o pequeno e talvez involuntário easter egg do próximo trabalho do diretor atenuam um pouco o gosto de desperdício de oportunidade que o filme deixa. No apagar das luzes a sensação é de que muito poderia ter sido entregue se decisões mais simples fossem tomadas aqui ou ali, mas decidiu-se por abraçar o abstrato além da conta e a conclusão é subjetividade demais pro meu gosto.
Título Original: The Night House
Direção: David Bruckner
Duração: 108 minutos
Elenco: Rebecca Hall, Sarah Goldberg, Evan Jonigkeit, Stacy Martin, Vondie Curtis-Hall.
Sinopse: Em A Casa Sombria, lutando por conta da morte inesperada de seu marido, Beth (Rebecca Hall) vive sozinha em sua casa à beira do lago. Ela tenta o melhor que pode para se manter bem, mas possui dificuldades por conta de seus sonhos. Visões perturbadoras de uma presença na casa a chamam, acenando com um fascínio fantasmagórico. Indo contra o conselho de seus amigos, ela começa a vasculhar os pertences do falecido, ansiando por respostas. O que ela descobre são segredos terríveis e um mistério que está determinada a resolver.
Trailer:
E você, já viu o terror psicológico com Rebecca Hall? Nos conte o que achou?