10 anos de Minha Visão do Cinema – Carta aberta do criador do site: a minha história é também a nossa história

Minha história

Nasci no final de 1991, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Em algum momento de 1996, quando tinha apenas quatro anos, meus pais me levaram ao cinema pela primeira vez. Lembro que era uma noite um pouco fria, tenho na memória meus pais bem arrumados, lembro de olhar curioso pela janela do ônibus, não saíamos muito na época, tampouco lembrava de coisas que antecedem à isso, era muito pequeno. Estava ansioso, pois minha mãe não parava de falar que eu estava prestes a ir ao cinema pela primeira vez. Eu já assistia a TV na época, mas não compreendia exatamente o que eram filmes ou a programação. Tenho vagas lembranças da entrada do cinema, dos cartazes dos filmes em exibição. Lembro do cheiro da pipoca, da temperatura mais quente do que na rua. Senti medo ao entrar numa sala escura, grande, inclinada, um pouco abafada, com muitas poltronas e uma imensa tela branca. Lembro-me do medo, do frio na barriga, da minha mãe perceber e dizer coisas positivas, que estava tudo bem. O filme era Independence Day, sim o próprio, com invasão alienígena e Will Smith. Nas primeiras aparições das gigantescas naves espaciais, parecia real, que estavam ali sobrevoando minha cabeça, meu medo aumentou no início. Não me recordo das palavras exatas, mas minha mãe me acalmava e dizia para eu ver e prestar atenção, que estava tudo bem e que … eu iria gostar.

Que eu iria gostar … Ela não imaginava que eu iria amar, meus olhos iriam brilhar e ao voltar para casa, olhando pela janela do táxi, viajava de volta ao filme. A partir dali comecei a olhar a TV entendendo o que era. Desde lá, comecei a assistir a muitos filmes e algumas séries. Desde lá, minha alma começou a ser alimentada pela sétima arte. Com meus brinquedos e bonecos, reproduzia filmes, fazia efeitos sonoros, tudo era um grande e épico longa. Lembro de ter tido a sorte de ter uma TV no meu quarto já naquela época e assistir muitas coisas nas tardes e nas noites, até mesmo filmes mais pesados e adultos. Lembro do meu segundo filme na tela grande, já sem medo e empolgado, foi Titanic, e foi lindo. Lembro dos aluguéis em VHS no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Os clássicos Star Wars, Tubarão, Indiana Jones, Aliens, O Exterminador do Futuro, Rocky, se misturavam com as animações Disney como O Rei Leão e filmes de terror como Pânico e A Hora do Pesadelo. Tudo que era POP entre os anos 70 e 90 eu via. Lembro dos lançamentos das novidades como Matrix, O Senhor dos Anéis, A Múmia, assim como meus primeiros contatos com filmes maduros como Beleza Americana, À Espera de um Milagre, Náufrago, O Silêncio dos Inocentes, por aí vai.

Sempre tive influência cultural, mesmo com uma família bem pobre. Minha mãe, genuína rebelde (no bom sentido) dos anos 80 (e numa dessas rebeldias em vim ao mundo), sempre amou música, livros, séries, cinema, sempre muito culta mesmo sem dinheiro, sempre me influenciou à isso. Apesar de visitá-lo pouco, sempre lembro do meu tio, irmão de minha mãe, lendo livros, histórias em quadrinhos e revistas. Lembro de entrar no quartinho onde ele guardava e ler algumas coisas (antes da 1ª série minha mãe já estava a me ensinar a ler). Lembro da minha avó materna de criação (ela criou minha mãe) da Colônia Z3 sempre me incentivar a estudar e ler. Ela tem enciclopédias e livros clássicos como Dom Casmurro e Volta ao Mundo em 80 Dias, e nas minhas férias escolares eu os lia quando ficava uns dias na casa dela. Ela e minha avó materna sanguínea me davam dinheiro pra alugar VHS. Meu pai de criação (o sanguíneo não me criou) não teve estudo, aprendeu a ler e escrever já adulto, mesmo trabalhando muito e ganhando pouco, sempre nos deu o necessário para minha irmã e eu estudar, sempre alugou filmes para nós, lembro de às vezes ir ele eu eu à locadora e ele deixar eu escolher os filmes, muitas vezes à mais do que o combinado. Como eu te devo, pai.

Veio a era do DVD e as facilitações. Numa época, uma locadora fazia aluguéis a 1 real e eu pagava 30 reais por mês. Sim, 1 filme por dia. E isso enfrentando crises, pouco dinheiro. A comida alimenta o corpo, mas a arte também, porque ela alimenta a alma e a mente, e alma e mente nutridas comandam o corpo. Veio a era da internet e começo a “baixar deus e o mundo” numa velocidade ridícula de 100 kbps (10 vezes menos que 1 mega de velocidade, é mole?). O computador ficava dias a fio fazendo download dos lançamentos e grandes clássicos que eu queria assistir. Na época só havia um cinema na cidade, a maioria já tinha fechado, era caro e mau pagávamos a internet. Por alguns anos fui muito pouco ou nem fui ao cinema. Então DVD e download era o que havia (daí a importância de uma democratização da cultura, mas é papo para outro dia). Nos anos 2010 o boom do momento era criar um blog, haviam centenas dos mais variados assuntos.

Eu amava escrever, era o aluno nota 9 ou 10 em português e literatura. Fiz boas resenhas a ponto de dirigir duas peças de teatro, uma de Os Miseráveis, outra de terror estilo Pânico. Estava sempre lendo também. Lembro de em certa época, separar ou recortar críticas e reportagens sobre cinema de jornais velhos para ler e colecionar. Naquela época li muitas críticas. Em algum momento entre meus 11 e 15 anos, escrevi uns 7 contos de ficção, fantasia e suspense. Em alguma crise existencial, eu queimei meus contos, ah como me arrependo. Mas agora era 2011, eu acompanhava muitos blogs, estava assistindo a muitos filmes, estava com saudades de escrever, estava me formando em telecomunicações perto dos 20 anos, desempregado, deprimido com problemas pessoais pesados que me desorientaram por alguns anos, eu estava em um fundo de um poço onde minha única corda era esse fogo que arde no meu peito, essa minha paixão pela arte.

Nasce meu filho, o Minha Visão do Cinema

09 de Agosto de 2011, faço meu primeiro post aqui no que chamei de Minha Visão do Cinema. O nome veio dessa ideia de fazer aqui meu diário cinematográfico pessoal. Vieram poucas matérias nos dois primeiros anos, foi esse período tempestuoso pela qual minha cabeça passou de forma bem pesada. Mas aprendi muito nesse período. Em 2013, com o coração mais calmo, começo a escrever com frequência, já estou inserido em diversos sites e grupos cinéfilos e conhecendo muita gente do meio, tudo online claro. Já vou no cinema com certa frequência e estou assistindo a muitos clássicos. Surge aqui uma possibilidade: de fazer do Minha, a Sua Visão do Cinema. Abro então espaço para que cinéfilos interessados escrevam suas opiniões no site. Desde então, sempre tem gente passando por aqui, uns ficam, outros vão, dezenas colaborando com nosso diário. Aqui deixa de ser o meu para ser o nosso projeto. Aqui, mesmo sendo uma pessoa introspectiva, me apaixono pelo coletivo.

Eu tenho arrependimentos. Queria ter feito faculdade de cinema para ser roteirista e diretor. Queria ter escrito e publicado livros, e não ter queimado meus primeiros rascunhos. Poderia, como outra opção, ter feito jornalismo com graduação cultural, para escrever críticas mais ricas. Ainda dá tempo, eu sei, só hoje seria mais difícil e por hora me dedico à vida pessoal e aqui, existem questões envolvidas. Meus primeiros 4 anos tem textos terríveis, ainda vou parar para editar alguns. Mas deixar eles também tem o lado bom de perceber a evolução. Não apagamos nossos erros, mas aprendemos com eles. Passei todo ano de 2018 longe do site, para focar no casamento, vida pessoal e trabalho. Deixei em mãos confiáveis. Mas voltei, pois esse distanciamento me fez ver que apesar do Minha Visão do Cinema existir sem mim, eu não existo sem ele. Nesse período fora assisti ao Cinema Paradiso. Se tornou o filme da minha vida, me enxerguei muito no menino protagonista, seja pela vida, seja pelo amor ao cinema. Tive então que voltar correndo pra cá.

Eu estou deprimido faz uns anos, e é a primeira vez, aqui e agora, que admito isso publicamente, enquanto vos escrevo. A situação política do país, o descaso com o povo, a falta de interesse pela cultura e arte que tanto amo, os imprevistos da vida, a situação financeira, a pandemia, os negacionistas, a destruição da natureza, a maldade humana, as forças políticas, religiosas e empresariais que cegam e sugam as pessoas, meus defeitos, erros e limitações que são muitos, me doem na pele, me perturbam a mente. Eu tenho o cérebro a 100km/h, e isso às vezes me desorienta, me tira o foco. Eu quero tanto, tão pouco eu posso. Me dói. Mas colocar em palavras aqui e saber que o site é uma válvula de escape para pessoas que assim como eu, anseiam viver pela arte, e que aqui podem expressar esse amor e essa necessidade de cultura, é algo que me encoraja. Também agradeço minha esposa, meus pais e aqueles que me apoiam, assim como minha equipe aqui no site, meus irmãos cinéfilos.

O site é meu reflexo: um pouco organizado e com designe simples, mas também um pouco incompleto, sempre com algo por fazer. Exala amor ao cinema, fala bastante de obras divertidas e escapistas, mas também traz responsabilidade social e militância, pois não existe arte sem humanismo. Aqui se conhece um pouco da minha e das demais mentes que aqui escrevem. Às vezes cansadas, muitas vezes críticas, mas sempre sinceras e amorosas.

As nossas visões, as nossas histórias

São dez anos de estrada com o site e 25 anos desde que fui ao cinema pela primeira vez e acendeu-se meu amor pela sétima arte. Essa é minha história até aqui. Esta é a história do Minha Visão do Cinema também. Cada escritor ou leitor que já passou por aqui também possui sua história e seus desejos. Em algum momento, aqui nesse site, existe a convergência, o encontro de todas nossas histórias, dores e amores.

História, uma palavra recorrente aqui no texto. É uma palavra poderosa, é algo poderoso. Precisamos conhecer nossa história, seguir bons exemplos, repetir o que dá certo, mas é também preciso aprender com ela, repudiar aquilo que não deu certo e não permitir que se repita. Além de português e literatura, sempre amei história, e ela está intimamente ligada ao cinema e a cada um que se fez presente nesses 10 anos. A vida nos ensina, através da passagem do tempo, o que se torna história. O cinema conta histórias, na maioria baseadas na vida e suas lições, lições aprendidas com a passagem do tempo. E as lições de vida que o cinema traz sobrevivem à passagem do tempo e se tornam parte da história. É um ciclo. A arte imita a vida, a vida imita a arte. A vida é tudo, inclusive cinema. Cinema é tudo, inclusive a vida. Cinema é o testamento gravado das nossas vidas e nossa história. Essas verdades são poderosas. E cada escritor e leitor aqui no site tem a sua vida, sua história, sua visão e o seu cinema, todos nós convergidos aqui nesses textos. Por isso que nosso tema sempre foi:

“Cinema: uma maneira de contar histórias, deixar um legado, recriar sonhos. Por isso chama-se 7ª arte.”

Sobre o que é ser cinéfilo

É a cada filme internacional, viajar. Conhecer lugares, culturas, idiomas e pessoas diferentes, mas perceber que as dores e alegrias são as mesmas para cada criatura viva. A cada filme nacional, ter orgulho sincero da nossa terrinha, não falo de patriotismo burro, mas em ter orgulho da nossa cultura, das nossas pessoas humildes, da nossa brasilidade. A cada drama, entender e se emocionar com a experiência do próximo, nosso irmão, por mais diferente que seja, o cinema nos ensina empatia. A cada fantasia, deixar a imaginação ir longe. Sem imaginação não temos sonhos, somos apenas robôs do sistema. Ter imaginação está diretamente ligado a ter liberdade. A cada romance, se envolver por aqueles amores, pessoalmente vividos ou não. A cada terror, sentir o calafrio, o medo e saber que o mal não dorme, sentimentos que nos lembram de que estamos vivos e que isso é uma dádiva e que há o mal para se combater aí fora. Nas comédias, aprender que rir ajuda a levar a vida, mesmo nas tragédias. Na ficção, vemos que muitas vezes ela prevê o futuro. Os filmes históricos e documentários nos lembram do passado, das lutas que precisam ser travadas e das ignorâncias que devem ser evitadas a qualquer custo. A ação faz nossa adrenalina circular. Os filmes infantis nos levam de volta à inocência e nos ajudam a educar os pequeninos. Nos filmes de suspense, ficar na expectativa do que está por vir e exercer o raciocínio. A cada obra sensual, lembrar que também somos seres de eletricidade e química. Nos filmes filosóficos, refletir e questionar nossa breve existência, às vezes tão cheia de rótulos e hipocrisias. A cada obra, boa ou ruim, tirar lições, de absolutamente tudo, de todos os assuntos.

Frutos

Não temos remuneração, não somos uma empresa. Os anúncios chatos aqui no site dão alguns dólares por ano que são usados para manter a plataforma online. Mas ganhamos muito mais que dinheiro. A equipe é uma família. Tivemos nesses 10 anos cerca de 4 milhões de acessos, uma média de mil e cem leitores por dia. Passaram cerca de 100 colaboradores incríveis por aqui. Temos 10 mil seguidores fiéis nas nossas redes sociais. Temos contato com estúdios, distribuidoras e artistas do ramo. Participamos de cabines de imprensa para ver e escrever em primeira mão, além de coletivas e entrevistas com artistas. Já participamos de vários eventos e projetos culturais e sociais. Divulgamos pequenos projetos, abrimos espaços para jovens escritores, muitos seguiram carreira profissional em grandes sites. Já fizemos sorteios e bolões do Oscar e presenteamos seguidores com ingressos, filmes em DVD e Blu-ray. Participamos de um concurso à convite da distribuidora, onde ajudamos a dar o nome de um filme no Brasil (Acertando o Passo). Temos nossa própria premiação, onde escolhemos os melhores do ano.

Participei da divulgação e assisti em primeira mão o documentário daqui da minha cidade, Cachorro, onde acabei me envolvendo com a causa animal, ajudando uma Ong local e adotando uma doguinha (a segunda de 4 resgatados, meus outros filhos além do site).

Nosso projeto já foi muito elogiado por leitores e até por artistas e diretores. Fomos citados no site da atriz Marjorie Estiano, fomos agradecidos pelas dicas do que assistir por pessoas que enfrentam problemas e que ler nossas matérias e indicações as ajudaram. Agora, uns dias atrás às vésperas do nosso aniversário, mudamos de plataforma, de uma gratuita fomos para uma paga e profissional. Participamos do projeto de incentivo ao retorno dos cinemas durante a pandemia, confira nossa logo lá em baixo no site do projeto. Atualmente estamos envolvidos no IBIFEST – Festival de Cinema de Ibitinga, no qual dos três criadores do Festival, um é integrante e outro é ex-integrante da equipe. Mesmo um crítico amador e sem formação, esse ano pela primeira vez fui votante na premiação do Festival Sesc Melhores Filmes.

Sonhos

Ainda quero ganhar a vida com o site e fornecer algum tipo de remuneração para meus escritores (alô empresários, alguém por favor nos patrocina). Quero ter mais acesso e visibilidade e temos projetos em andamentos, especialmente criar conteúdos audiovisuais como podcasts, críticas em vídeos, se envolver na produção de algum filme (cineastas, entrem em contato, estamos aqui).

Tenho um sonho de incentivo social de fazer parceria com algum cinema e levar escolas e crianças de situação vulnerável, bairros pobres e com alta criminalidade, para dentro de uma sala de cinema de forma gratuita. Somente educação, arte e cultura para ajudar essas gerações a criar um mundo melhor. Não é dinheiro, trabalho ou família, embora importantes. Mas são a educação, arte e cultura que primariamente moldam carácter e linhas de pensamento crítico. E a partir daí, as crianças educadas tomam boas decisões, indiferente de ter ou não dinheiro, trabalho e família.

Por mais tempo, mais histórias e mais visões do cinema

Uma década de dedicação e emoção. Que venha mais uma, muitas mais. Enquanto tiver ar nos pulmões e liberdade, aqui estarei, junto dos que embarcarem na jornada comigo. A vida passa rápido, é trabalhosa e muitas vezes difícil. Às vezes dá vontade de desistir, mas tem algo que me impede de desistir. É aquele brilho no olhar e aquele fogo no coração daquele menininho de 4 anos, que lá em 1996 se apaixonou pelo cinema. Embora mudado, embora marcado pelo tempo, esse amor e fascínio perdura. Aqui estou e aqui pretendo ficar, aqui morrerei, na minha casa. E no dia que não estiver mais aqui, cinéfilos da equipe continuarão o trabalho e passarão adiante nossos textos, nossa visão, nosso amor pelo cinema. No fim, todos seres humanos passam. Mas o que fazemos fica. Eu irei, mas a Minha Visão do Cinema estará aqui, assim como a sua visão, amado colaborador e leitor. Nossa visão expressa em arte ficará gravada no tempo, na história e na vida. E por fim, isso é tudo que podemos deixar para as futuras gerações.

Com lágrimas e amor, escrevo e agradeço a cada um que está aqui comigo. Beijos.

Léo Costa

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