Em Um Bairro de Nova York – esperançoso e vibrante musical traz a força do povo latino

 

Paciencia y Fe – é o nome da canção que lá pela metade do filme, além de ser extremamente emocionante, também é o ponto alto e engloba todo o projeto. Na poderosa voz da atriz Olga Merediz, não me admira se esta canção chegar ao Oscar, assim como a maravilhosa atuação coadjuvante de Merediz. Só esta cena já vale pelo filme todo, que possui cerca de 2 horas e 20 minutos de duração, que passam voando devido o ritmo frenético, cativante e eletrizante da obra. Mas o longa todo é um tesouro a ser aplaudido, com números musicais de arrepiar. Baseado na obra teatral In The Heights, faz jus ao nome original, ao nos levar às alturas junto dos personagens. Melhor filme do ano até então.

Em Um Bairro de Nova York narra os sueñitos, pequenos sonhos de pessoas humildes e batalhadoras do bairro Washington Heights, na grande Nova York. Todos imigrantes ou descendentes latinos, o filme narra suas jornadas em busca da felicidade no chamado “sonho de vida americano”, e como esse país que vende esse sonho e estilo de vida idealizado, é injusto e dificulta o caminho para aqueles que o buscam, em uma grande ironia. 

É preciso avisar que o longa não se aprofunda nessas dificuldades por questões criativas, pois o projeto foca em apresentar um lúdico musical, com clima leve e esperançoso. Essas dificuldades estão ali, presentes à todo momento como conflito central da obra e força que motiva o movimento dos personagens, mas ele não é explorado de forma mais pesada, como a maioria dos filmes com tal temática faz. Aqui o foco é aliviar a carga que já é tão pesada do povo latino. 

Então a escolha narrativa do diretor Jon M. Chu, da roteirista Quiara Alegría Hudes e do idealizador Lin-Manuel Miranda é trilhar um caminho sobre a persistência da luta e busca por esse sonho. Daí a importância da canção Paciencia y Fe e como ela traduz a mensagem que a obra traz, e portanto o motivo de abrirmos essa crítica falando dela. 

De forma positiva, quase ingênua, mas ainda com o pé no chão, a obra foca no trabalho, na alegria, nas cores, na vivacidade, na sensualidade, nos detalhes do cotidiano (roupas, culinária) e na habilidade de adaptação do povo latino que se aventura na América. E portanto, dá assim um espaço para tais personagens soltarem suas vozes, na música e no fator social. Graças à química do competente elenco (todo genuinamente latino), é muito palpável toda essa pluralidade de cores, músicas, países e seres em um mesmo ambiente. 

Em Um Bairro de Nova York é um filme que torna-se importante por utilizar a grande Hollywood, um grande estúdio (Warner) e um novo serviço de streaming (HBO MAX) como plataformas para alcançar o maior público possível de forma fácil e acessível, para assim trazer sua mensagem de que os latinos presentes nos Estados Unidos não são invisíveis. Note, Em Um Bairro de Nova York é uma obra internacional. O cineasta Jon M. Chu é filho de chineses (seu filme anterior Podres de Ricos foi inteiramente chinês, mesmo dentro de Hollywood), a roteirista Quiara Alegría Hudes é filha de pai judeu e mãe porto-riquenha e o roteirista, ator e idealizador da peça teatral da Broadway Lin-Manuel Miranda também descende de porto-riquenhos. Todo o elenco traz a representação de cubanos, mexicanos, porto-riquenhos, colombianos, e claro, brasileiros, além de outros países. Todos latinos, todos muitas vezes invisíveis aos olhos brancos americanos. 

A direção de Chu traz muita técnica, mostrando a evolução do cineasta. Plano-sequências, uso engenhoso de câmeras, fotografia e direção de arte quentes, coloridas e que dão características físicas ao bairro, tornando ele praticamente um personagem coadjuvante. A mixagem de som é muito bem trabalhada, com sons de objetos se incorporando à trilha sonora do filme, trilha que também é maravilhosa ao trazer faixas típicas e regionais dos países representados aqui. As coreografias são perfeitas, com centenas de dançarinos fazendo um belo trabalho. As letras das canções são belas e perfeitamente escritas, assim como as excelentes rimas. Todo elenco brilha e cada personagem tem ao menos um bom momento em cena. E o protagonismo de Anthony Ramos é espetacular, de um carisma único, com grande atuação e fôlego nas rimas. 

Existem ainda referências à clássicos musicais, que vão desde o sucesso Hamilton da Broadway, também de Lin-Manuel Miranda (esse é o cara) e lançado em forma “cinematográfica” no Disney+, passando por similaridades para com Amor, Sublime Amor, o maior clássico musical do cinema, de 1961 e vencedor de 10 Oscars, e que já tentava trazer representatividade porto-riquenha em Nova York. Aliás, Amor, Sublime Amor ganhará um remake pelas mãos do mestre Steven Spielberg no fim de ano, que assim como esse filme em questão aqui da crítica, traz uma representação latina mais fiel que o clássico de 1961. 

Em Um Bairro de Nova York pode até se abster de ser mais sério e prefere ser simplista com o intuito de alcançar mais pessoas com sua vibe positiva, graciosa e romântica. Talvez por isso os latinos em cena sejam mais “embranquecidos” do que negros. Mas a crítica social ainda está ali, lembrando que são os imigrantes latinos que fazem as engrenagens da Nova York e da América como um todo funcionarem. Somos um continente colorido, variado e multifacetado. É de lavar a alma, principalmente depois de certos retrocessos nas políticas americanas para com imigrantes, como no péssimo governo Trump. O filme é uma carta de amor à esses sonhadores e seus sueñitos, suas pequenas conquistas, seus sacrifícios e suas importantes vidas. Alguns sonhos são alcançados, alguns perdidos, muitos são alterados na jornada de busca, mas nunca podem ser esquecidos. A América promete sonhos a todos, mas não entrega a todos. É importante que obras como essa tragam essas reflexões, e que celebrem seus sonhadores. Para todos esses sonhadores, Paciencia y Fe.


Título Original: In the Heights

Direção: Jon M. Chu

Duração: 142 minutos

Elenco: Anthony Ramos, Leslie Grace, Corey Hawkins, Melissa Barrera, Lin-Manuel Miranda, Dascha Polanco, Stephanie Beatriz, Jimmy Smits, Daphne Rubin-Vega, Olga Merediz.

Sinopse: No pequeno bairro calorento de Washington Heights, na periferia de Nova York, um jovem comerciante chamado Usnavi (Anthony Ramos) sonha em voltar para a República Dominicana e reabrir o bar tropical de seu falecido pai. Mas ele é apenas um entre uma grande e unidade comunidade, repleta de sonhos próprios.

Trailer: 

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