Crítica: Babenco, Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2019, de Bárbara Paz)

Assim como revela Babenco em um de seus depoimentos, eu também, quando pequeno, queria passar dias inteiros lendo livros. Isso porque, dentro da minha cabeça, a fruição narrativa era o que criava meu propósito de existência, e me fazia sonhar com vidas que não vivi. Não é à toa que o diretor, dotado de uma visão de mundo peculiar e sensível, decidiu ser cineasta, – tanto por amar contar histórias, quanto para contá-las a quem as ama tanto quanto ele. E é nesse documentário de Bárbara Paz que Hector Babenco mostra um recorte de si, e de seus últimos de vida, como sendo sua história final.

Objetivando resguardar a memória de uma das grandes mentes do cinema brasileiro, o longa que marca a estreia de Bárbara Paz na direção jamais busca ser uma biografia contínua e bem delineada da trajetória de Babenco; pelo contrário: a diretora, madura e consciente, busca na poesia audiovisual o recurso necessário para contar os últimos dias de vida do artista, bem como seus anseios, amores, dúvidas e paixões. Aqui, a arma da intimidade é sempre usada (a doses homeopáticas), pois Bárbara, como viúva de Babenco, traz a propriedade de tais laços para transpor e expurgar sentimentos na tela que outros cineastas talvez não tivessem. Por conta disso, o cinema de Paz é um cinema da homenagem e do luto.

Em seus méritos estéticos, Bárbara acerta o tom soturno com uma fotografia preto e branca, belissimamente filmada, além de contrapor momentos de Hector, filmadas pela própria diretora, com imagens de arquivos e cenas de clássicos dirigidos por Babenco, como Carandiru (2003), O Beijo da Mulher Aranha (1985, quatro vezes indicado ao Oscar), e Pixote (1981). Desse modo, a câmera da diretora paira sob o marido e o admira, impregnando-lhe respeito e adulação, bem como sequências frágeis e sensíveis onde Babenco se revela como grande personagem de sua própria história, haja vista o momento em que o cineasta discute com Willem Dafoe acerca da interpretação de um personagem nas gravações de Meu Amigo Hindu (Dafoe, aliás, também ganha créditos no documentário como produtor executivo). É como se, a cada segundo de projeção, um pedaço de Babenco fosse despido e para que o filme molde sua personalidade através de instantes e flashes de momentos.

Além disso, a montagem assinada por Paz e diversos outros companheiros é muito bem orquestrada, e mesmo em seus momentos mais deslocados e perdidos, há muito para se dizer. A trilha sonora é grande aliada, embalando o espectador a todo instante, ainda que um tanto manipulativa nos momentos finais. Nesse sentido, a fita assemelha-se à última onda de documentários brasileiros, embalado por sucessos como Elena (2011), de Petra Costa, que também aparece como produtora, deixando sua marca na obra.

Seja em momentos marcantes como a cerimônia do Oscar de 1986, na qual Hector Babenco concorre ao Oscar de Melhor Diretor, seja quando conta que foi preso, ou então que ensina sua esposa a filmar explicando a ela sobre a utilização de lentes, Babenco se revela como um contador de histórias nato, e dentro do cinema nacional, como uma força vital. Não é de se surpreender que, aliado à talentosa atriz e diretora Bárbara Paz, ele com a persona e ela com a câmera, transformaram devaneios, sonhos e pensamentos em um grande filme. E agora que Hector se foi, Babenco, Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou se solidifica como cinema-memória em forma de carta de amor.

Direção: Bárbara Paz

Duração: 75 minutos

Elenco: Hector Babenco, Willem Dafoe, Bárbara Paz, Chen Li.

Sinopse: Hector Babenco foi um cineasta que viveu e morreu realizando o que fazia sua vida ter algum sentido: A sétima arte. Em relatos marcantes sobre as memórias, amores, reflexões, intelectualidade e a frágil condição de saúde de Babenco, o documentário revela como o seu amor pelo cinema o manteve vivo por tantos anos.

Trailer:

Babenco irá representar o Brasil no Oscar 2021! O que achou da escolha? Nos conte nos comentários!

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