A criança que, na década de 90, arqueou as costas no momento em que Anjelica Huston se tornaria irreconhecível sabe o quanto A Convenção das Bruxas (1990) cruza o tempo: cenas marcam mais que a própria história. O remake de 2020 tem seus méritos mas não consegue lançar o feitiço que o original havia deixado há três décadas.
A obra é baseada no livro de Roald Dahl, criador de universos que condensam trágico, humor e fantástico no universo infantil. Matilda, A Fantástica Fábrica de Chocolate, O Fantástico Sr. Raposo e James e o Pêssego Gigante compõem outros de seus clássicos que o cinema agradeceu.
O remake toma um rumo ligeiramente distinto do original: a trama de Zemeckis não se passa no Reino Unido, como o original, mas no sul dos Estados Unidos, marcado pelo apartheid dos anos 60. Após um acidente de carro envolvendo seus pais, o jovem órfão Charlie é protegido pela avó, interpretada por Octavia Spencer. A atriz, aliás, foi o maior acerto do longa: entrega uma personagem repaginada e, ainda assim, necessária para a história. Seu arco chega a competir com o principal.
O filme, então, encontra seus personagens coadjuvantes (que pouco contribuem para a dinâmica central). O gerente do hotel, Mr Stringer, é interpretado pelo veterano do humor Stanley Tucci em um papel que lhe parece comum aos seus personagens já representados (Rowan Atkinson, o eterno Mr. Bean, dá vida ao personagem no primeiro filme).
Já Bruno Jenkins, interpretado por Codie-Lei Eastick, cruza a narrativa com jargões e que, às luzes dos nossos tempos, podem ser consideradas gordofóbicas. O tema, nesta crítica, é trazido sem ignorar o fato de ser uma obra que tem como referência central uma obra literária, mas levantar a discussão no âmbito das mudanças já realizados na escalação do elenco e até na construção da identidade de alguns personagens. Se a história busca sua representatividade em 2020, existem ainda lugares da narrativa a serem repensados.
Anne Hathaway entrega uma bruxa cômica e menos sofisticada que a de Anjelica Huston. O filme tem uma dinâmica própria e, até certo ponto, se descola das obras que a antecederam, tomando um rumo narrativo e estético que lhe é próprio. A história possui charme e certamente encanta o espectador que não assistiu o anterior.
Se, a princípio, os efeitos especiais pareçam aquém das possibilidades contemporâneas, o universo mágico e literário justifica as escolhas de Zemeckis, que não reverencia, mas conta a mesma história para um novo público.
Aí, então, se concentra o mérito de A Convenção das Bruxas. A história repaginada não brilha feito a antecessora mas faz melhor que grande parte das desnecessárias adaptações do cinema atual.
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