Crítica: Rick & Morty – 4ª Temporada, Parte 2 (2020, de Justin Roiland e Dan Harmon)

O hiato de quase dois anos entre a 3ª e a 4ª temporadas de Rick and Morty deixaram expectativas. A impressão que fica do final da 3ª Temporada
é que as pontas soltas precisariam ser resolvidas com urgência: como que ficam os clones da Beth? A 
transformação de Bird Person em um ciborgue? E Evil Morty, o arqui rival dos protagonistas?

Aviso: Spoilers da 4ª Temporada à seguir!
Mas não é o que temos na primeira parte da quarta temporada. Em vez disso, temos o primeiro
episódio, The Edge of Tomorty, em que Rick morre logo no começo, após
um acidente causado por Morty, que abandona-o para seguir a morte que o cristal lhe prometera. Para voltar à realidade, Rick teria
desenvolvido um sistema de clones nas garagens em outras realidades para assumir
novamente seu corpo e voltar aonde parou – algo
parecido com um checkpoint de um videogame, não é?
.


O contato com esse cristal mostra imagens de futuras mortes.


O que nos importa é menos ser pré-estabelecido pelo fim da vida que a possibilidade de acertar na busca do nosso sonho.

O invento científico cria uma nova complexidade à história,
mais uma engrenagem a essa bugiganga que é a compreensão do universo de Rick
and Morty
.
Esse clone é ressuscitado com a memória do acidente, além de que a primeira garagem que ele retorna é uma
distopia em que os Estados Unidos teria sido dominado pelo neonazismo! 
Esse é um dos charmes da série: os mínimos detalhes importam, e podem acarretar em surpresas.


A reincarnação através de dados armazenados sempre será possível

Os outros episódios da primeira parte são excêntricos, para dizer o mínimo:
uma briga em torno de uma privada, a mistura da ficção científica com
elementos da magia, um planeta onde só habitam cobras, entre outros. As pontas soltas da
terceira temporada ainda não foram resolvidas, o que causa certa frustração. Nem uma dica do que teria acontecido. 
Os criadores preferem outro caminho: se reservam à experimentação, à criação de novas engrenagens e discutem a metalinguagem, a transformação científica através da mitologia (que envolvem dopplegangers e até deuses) e a filosofia do renascimento e eterno retorno.

O primeiro episódio da segunda parte (o sexto no geral) resume toda essa consciência e justifica o cinismo de se afastar de tudo o que teria criado. Em Never Ricking Morty, estamos em um trem intergaláctico e acompanhamos um personagem do tipo
durão, que busca o Homem do Jaleco Branco (retomando o aspecto lendário que
Rick tinha se tornado nas temporadas anteriores). Nesse trem, ouvimos as
histórias de alguns personagens, afim de entender quem é esse tal Rick Sanchez, e os passageiros contam histórias quando conviveram com Rick.


O “protagonista” do episódio e sua “sidekick”

O personagem durão, em dado momento, encontra uma mulher, que conta uma história em que ela encontra um grupo de ex-namoradas de Rick, e uma delas conta uma história quando encontrou Rick pela primeira vez – uma história (a ex-namorada) dentro de uma história (da mulher) dentro de uma grande história (o durão e a mulher).


À esquerda, uma das ex-namoradas de Rick, cujo design imita a feiticeira de Nárnia. O Coração esfaqueado na parede do vagão implica que a reunião é para afogar as mágoas. A heroína, à direita, é tipicamente sensualizada
Mas eis que essa linha narrativa é frustrada quando o homem e a mulher revelam ser Rick e Morty disfarçados. Pelo campo visual, entendemos que tudo o que estava acontecendo tinha uma outra intenção diferente do que esperávamos. O episódio vai se confundindo ainda mais quando vemos que Rick e Morty são assassinados por policiais do vagão, mas aparecem disfarçados, novamente, como os policiais – revertendo novamente a compreensão da linha narrativa.
Curioso que há sempre uma desculpa para mostrar personagens musculosos e agressivos nos filmes.


Se existem realidades paralelas, é possível viver histórias alternativas, criadas pelo ponto de vista de quem as conta.

Como no audiovisual a história é fundamentada pelo campo da imagem e som, somos inteirados pela teoria da sutura. Ou seja: o campo visual do filme nos fornece um outro campo, o invisível. Ao mesmo tempo que vemos o filme, tentamos entender do que o filme se trata, e formamos um filme na nossa cabeça. Novamente o rigor da montagem: a sutura é desafiada a todo o tempo, pois vários campos visuais surgem após serem ocultados por outros.

Aliás, Rick & Morty se obriga a montar seus campos visuais dessa maneira, estabelecendo camadas, relações, e indo direto ao ponto, para comportar a desmasia de informações em questão de segundos. A montagem é reforçada pela direção de arte: além dos vagões do trem serem superdetalhados, as histórias contadas pelos passageiros possuem cenários diferentes entre si. É curiosa essa escolha na montagem: os relatos dos personagens se iniciam depois de lembrarem de um momento. Transitamos pelo corte seco para um plano cujo cenário representa esse momento. A ex-namorada de Rick relembra quando ele a visitava no reino dela. Logo vemos Rick brigando com um lobo gigante em um lugar frio e distante, o reino gelado, como no plano abaixo. A rainha conta sua história, mas ficamos nesse mundo rigidamente detalhado em uma questão de segundos. 


E é deveras um cenário muito bonito. As estátuas, a neve, o céu, as nuvens e as passarelas ao fundo, contam histórias dentro do cenário das histórias.

Após se perderem nos diversos nós e desenlaces, vemos uma sequência mais longa. Os dois enfrentam o Storylord. A luta se dá numa pancadaria: a cada golpe do vilão, Rick ou Morty desmaiam e acordam em uma outra realidade, como se tudo o que passou no trem tivesse sido um sonho. Mas quando eles morrem nessa nova realidade, eles retornam ao cockpit mais um vez!


Storylord, um semi-deus que governa o trem. A espiritualidade e a ciência aos poucos se misturam no universo de Rick e Morty.

O Lorde da História os tortura ativando os poderes das narrativas: marketing, relacionabilidade e apelo ao público. Aí vemos filmes emocionantes e explosivos que saem de Rick e Morty: finalmente reencontramos Evil Morty, com um exército contra os protagonistas.


A tão esperada luta.

A única forma dos dois escaparem dessa grande ameaça seria rezarem para Jesus. O final do deus ex-machina, sendo péssimo e contra a natureza de Rick e Morty, causa a dissolução das ameaças e os salvam do confronto.
Um herói salvador… de maneira muito literal!
Esse episódio antitrama (de realidades e tempos inconsistentes) frustra quase que diretamente o seu público. É Anti-Disney, Anti-Star Wars e anti-fanbase.


Uma outra forma de criar um universo metalinguístico dentro de outro ficcional: seriam os fofos personagens bíblicos um espelhamento de fanbase do audiovisual religioso?

Outra acidez contra a fanbase: ao final do episódio, somos revelados que o trem onde se passava a história era apenas um brinquedo. Estranhamente, Rick promove sua venda, incentivando Morty a ser feliz exaltando o consumismo. Outra ruptura, que vai contra todas as ideias do personagem estabelecidas até então.


“Compre! Não tem ninguém comprando nos shoppings por causa desse vírus maldito!” 

Talvez toda a inutilidade que aconteceu no trem tenha respondido à crise que culminou no hiato entre as temporadas. A crise renovou e trouxe outros quatro episódios instigantes – The Vat of Acid Episode merece um especial à parte. Justin Roiland e Dan Harmon então retomam (e largam) tudo o que fizeram nos episódios e virão com tudo para a próxima. 

Título Original : Rick and Morty



Direção: Justin Roiland e Dan Harmon


Episódios: Parte 2: 5. Temporada Completa: 10 


Duração: 22 minutos


Elenco: Justin Roiland, Spencer Grammer, Sarah Chalke, Chris Parnell


Sinopse: Após a primeira parte insana, Rick e Morty retornam à quarta temporada com mais cinco episódios explosivos, irônicos e surpreendentes, que valhem a pena ser vistos na ordem de modo que entendamos o que está acontecendo com essa família disfuncional.


Trailer:





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