A Representação da Transexualidade no Cinema de Horror



Ted Levine como Buffalo Bill em O Silêncio dos Inocentes (1991).


Este texto pretende abordar de forma breve a questão da representação de pessoas transexuais no cinema contemporâneo, se propondo a fazer um apanhado da evolução das performances relacionadas à essa população encontradas em filmes, que, historicamente, estiveram interligadas com comportamentos patológicos, bizarros e antissociais. Por outro lado, mais recentemente, temos presenciado o surgimento de representações que investem em mostrar o lado singular desses sujeitos ao invés de relacioná-los à perversão ou à loucura.
A estranheza da identidade trans (entende-se pelo prefixo “trans” quaisquer pessoas que se identifiquem com outro gênero que não é aquele de sua anatomia, seja transexual ou transgênero, isto é, aqueles que optam por uma cirurgia de redesignação sexual e aqueles que não) provocada na maioria das pessoas cis sempre isolou esses sujeitos em uma comunidade de difícil acesso, apesar do fato de que a sociedade de hoje possui mais espaços nos quais mulheres e homens trans podem se inserir, não deixa de ser verídico que o Brasil é o país com maior número de homicídios da população LGBT (seja incluído nessa sigla também Travestis, Transgêneros, Intersexuais e Queer). Curiosamente, ou não, também é o país que mais consome pornografia  envolvendo pessoas trans.


Não podemos deixar de ressaltar que qualquer obra cinematográfica está intrinsecamente ligada ao contexto político e social no qual é produzida, sendo que o cinema, por mais abstrato ou independente que seja, tende a reproduzir ou reimaginar tendências de pensamento, de valores, de ideologias do presente momento. Por esse motivo, é muito difícil encontrarmos filmes antigos (considero aqui da década de 80 para trás) que retratem, de qualquer maneira, personagens transexuais. Se para gays e lésbicas cis já era praticamente impossível ocupar um lugar em qualquer filme “clássico” – quando ocorria era de forma pejorativa ou velada – imagine para pessoas que não se identificam com o seu próprio corpo e anatomia! Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema, recomendo fortemente a obra The Celulloid Closet de Vito Russo (infelizmente não possui tradução para o português, mas o título seria algo como O Armário de Celuloide).


Talvez possa ser reservado para essas pessoas um lugar no qual sua estranheza e condição singular possam ser exploradas em benefício do cinema! Sendo assim, podemos encontrar diversos filmes, inclusive hoje considerados clássicos ou relativamente conhecidos, com personagens trans geralmente em papéis de vilões ou vilãs degenerado(a) e/ou perverso(a), pois o estereótipo social da população trans era esse, e mais uma vez, a arte imita a vida. Além disso, a transexualidade era quase sempre confundida com a identidade de travesti – uma condição totalmente diferente, afinal, a travesti não necessariamente vai se identificar com um gênero ou outro, na maioria das vezes, envolve vestir-se com roupas atribuídas ao outro gênero, seja por motivos de performance, tipo drag queen ou drag king, ou então, por sentir-se confortável dessa forma, muitas vezes, transitando fluidamente entre ambos os papeis de gênero.

Roman Polanski como Simone Choule em O Inquilino (1976)

São exemplos de filmes que patologizam a identidade trans alguns longas de horror ou suspense de diretores famosos e reconhecidos tais como O Inquilino de Roman Polanski, O Pássaro das Plumas de Cristal de Dario Argento, O Silêncio dos Inocentes de Jonathan Demme, e o infame Acampamento Sinistro, com um dos finais considerados mais “chocantes” da história do cinema. Na verdade, tratam-se de filmes de qualidade, não quer dizer que não possam haver seres humanos com essas características descritas por essas obras, mas, se analisarmos a fundo, acabam por reforçar padrões segregadores de pensamento em relação à população trans, inferindo que esses sujeitos não são muito mais do que seres estranhos, perigosos e que devem ser contidos de alguma forma, tendo como único destino a morte ou o exílio. 


Por outro lado, não se pode afirmar que TODA representação de pessoa trans seja maldosa. Uma paródia ácida, sarcástica e genial é o musical Rocky Horror Picture Show (1975), no qual Tim Curry dá sua melhor performance como uma “travesti transexual” do planeta Transilvânia, é para ser tão insano quanto parece. Mas, não se trata de uma paródia de si próprio ou da identidade trans, da mesma forma que filmes como Gaiola das Loucas ou Uma Babá Quase Perfeita ilustram, e sim uma celebração orgulhosa e subversiva. Rocky Horror foi um produto do seu tempo – no qual imperava o Glam, um movimento punk incipiente na música e na cultura no geral.  

Tim Curry como Dr. Frank-N-Furter em Rocky Horror Picture Show (1975).
Hoje, felizmente, não são mais necessários filmes como Rocky Horror (apesar de bem-vindos), mas ainda assim é necessária uma maior representatividade da população trans no cinema. Por que a representatividade é importante? É importante que uma mulher trans veja uma personagem como ela sendo representada na tela, para que possa se identificar, sonhar, se inspirar, se transformar, assim como qualquer pessoa cis sempre pôde fazer ao longo de sua vida. Isso pode se dar, principalmente, através da possibilidade de escalar pessoas trans na vida real para atuar como personagens trans, como aconteceu no precursor Tangerine, um drama independente com um elenco composto de mulheres transexuais. Jared Leto e Eddie Redmayne já abriram caminho com Clube de Compras Dallas e A Garota Dinamarquesa, mas, para que se tenha uma possibilidade de transformação, é necessário ir mais fundo e não fazer concessões para o público mainstream, mas sim mostrar a realidade.

Mya Taylor e Kiki Rodriguez como Alexandra e Sin-Dee em Tangerine (2015).
Não é apenas a arte que imita a vida, o oposto também é verdadeiro, afinal, as representações e imagens veiculadas no cinema possuem um poder imenso de alterar a forma como pensamos, mesmo que de forma sutil e quase inconsciente. Certamente, se alguém for exposto desde cedo ou cada vez em maior quantidade a personagens trans que priorizem a singularidade dessa pessoa enquanto um ser humano, esse espectador terá mais empatia e conseguirá encontrar mais pontos de identificação com essa personagem do que em um cenário no qual continuemos sendo levados a crer que existem inúmeros “Buffalo Bill” por aí (personagem de Ted Levine em O Silêncio dos Inocentes, que se tornou ícone de personagens serial killer com perversidades sexuais secretas).


Afinal, grande parte dos problemas sociais pelos quais passam as mulheres e homens trans se relacionam com o nível de extrema segregação sofrido na sociedade. Infelizmente, não é à toa que a tendência até pouco tempo atrás fosse a de colocar personagens travestis ou trans como aqueles degenerados e párias da sociedade. No entanto, é importante ressaltar que apesar da realidade ser amarga, ela está em constante transformação e é necessário prosseguir, na esperança de que um dia será diferente. Por enquanto, podemos ver que há inúmeros (as) personagens trans que transmitem uma incrível força de vontade e que resistem. Nesse caso, portanto, a arte imita a vida!



Filmes com Representações Estigmatizantes de Pessoas Trans:

1)O Silêncio dos Inocentes
2)O Pássaro das Plumas de Cristal
3)Acampamento Sinistro
4)O Inquilino

Filmes que retratam a realidade/singularidade de pessoas trans: 


1) Me Chame de Marianna (2015)
2) Tangerina (2015)
3) Uma Mulher Fantástica (2017)
4) Clube de Compras Dallas (2013)
5) A Garota Dinamarquesa(2015)

Concorda com a nossa discussão e a nossa lista? Tem mais alguma sugestão de filme que retrate a realidade de pessoas trans? Deixe seu comentário! 


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