Crítica: Boi de Lágrimas (2018, de Frederico Machado)

Boi de Lágrimas é um longa-metragem maranhense de Frederico Machado, que está inserido num projeto chamado Filme Político do qual também fazem parte os diretores Cristiano Burlan (Fome, 2015), Dellani Lima (Apto420, 2017) e Taciano Valério (Ferrolho, 2012). O longa, que apesar de filmado em três dias e feito como cinema de guerrilha, tendo até mesmo a própria equipe trabalhando no elenco, não deixa a desejar, mas também não é um filme perfeito. Devido ao seu tema, horror sobre a política, e a forma abstrata e experimental em que é abordado, corre o risco de não atingir a todos que o assistem. No entanto, não há como negar que o filme é um puro exercício do fazer cinematográfico, sendo um prato cheio para quem simpatiza ou é do ramo. 

O filme se concentra em cinco personagens que, embora tenham suas histórias mostradas de forma avulsa, são ligadas entre si. A história não possuí um só diálogo, ela é contada através de olhares, sensações, sentimentos, ansiedade, temor e angústia em relação ao momento social e político em que desde que o mundo é mundo, estamos atravessando. O único momento em que ouvimos a voz de um personagem, é quando este canta o trecho da música que dá nome ao filme, da cantora Alcione. 


Como plano de fundo se ouve os noticiários reportando matérias políticas em que se favorece à classe alta, enquanto assistimos a classe baixa assistir a discursos que lhes arrancam tudo, até mesmo a dignidade, mas tendo como válvula de escape uma cultura que é bela, que acolhe e que lhes representa.


Da maneira que o filme foi produzido e montado dá para perceber que há uma grande aversão à polarização política, não sendo entregue tão facilmente algum viés ao espectador – mesmo que este já esteja bem claro ao retratar a angústia da classe baixa -, fazendo-o refletir e pensar pelo que se ouve, não tendo influência de quem o profere diretamente. E isso está presente em todo o filme, como por exemplo, logo no início, onde podemos ouvir alguns trechos de discursos sem ouvir quem os profere para não ter a influência, positiva ou negativa, pela imagem. Aos mais politizados e antenados com a história não apenas do Brasil, será possível reconhecer as vozes e discursos, porém, infelizmente, para quem não faz ideia do que sejam os discursos no início, podem soar como meras frases de efeito, fazendo com que o filme em si acabe se propagando apenas num nicho mais seleto de pessoas. 

“Não vim aqui como profeta da revolução; não vim pedir ou desejar que o mundo se convulsione violentamente. Viemos falar de paz e colaboração entre os povos, e viemos advertir que se não resolvermos pacífica e sabiamente as injustiças e desigualdades atuais, o futuro será apocalíptico.”
(Discurso pronunciado por Fidel Castro, em 1979, durante o XXXIV período de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas.)

Outro exemplo são as reportagens políticas, muitas aparecem mas nem todas são ouvidas, se o áudio é distorcido e abafado propositalmente não se sabe, mas acaba atrapalhando porque, querendo ou não, é o que acaba ajudando a situar o espectador no contexto do horror que a história se pauta.

Não são todos que captarão a mensagem e entenderão a “poesia da coisa” que transborda em Boi de Lágrimas das mais variadas formas, mas é um filme que funciona para quem o entende. É aquela velha história: não é um enredo perfeito, mas também está longe de ser ruim. 

O filme nos ganha na trilha sonora, fotografia e atuações, que andam de mãos dadas durante todo o longa. A trilha transmite o horror, a ideia de que não se está dormindo nem sonhando acordado, mas sim vivendo numa época de completo declínio e descaso cada vez maior com toda a população brasileira, um pesadelo real que está bem longe de acabar; a fotografia, junto com o som, consegue captar e enaltecer a maestria das atuações, que conseguem transmitir ao espectador o sofrimento e miséria, o contentamento com tão pouco. 


Frederico Machado aposta bastante no uso do preto e branco mesclado com o colorido; o foco, desfoque e distorção de imagens, e, felizmente, faz isso com propósitos, fazem sentido as suas experimentações, pois elas visam enaltecer a mensagem passada a cada olhar de nossas personagens. Devido à falha e escolha de ter conduzido o roteiro da forma como fora, chega até dar a impressão de que este seja mero coadjuvante num longa onde o que deve brilhar são mesmo os experimentos técnicos, o que acaba sendo uma pena, uma vez que se tivessem sim, abordado com mais afinco a questão política opressora, teria sido um prato cheio.


Título Original: Boi de Lágrimas

Direção: Frederico Machado

Duração: 53 minutos

Elenco: Hilter Frazão, Auro Juriciê, Rosa Ewerton Jara, Guilherme Verde, Júlia Martins.

Sinopse: Uma família envolvida com cultura popular em São Luís, Maranhão, é abalada psicologicamente pelas manifestações políticas que ocorre na cidade, revelando a fragilidade emocional de toda uma população.

Trailer:

E você, caro leitor, está ansioso para a estreia desse filme? 
Se sim, salve aí a data 24 de janeiro e depois venha aqui me contar o que achou desse longa maranhense.

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