Crítica: A Favorita (2018, de Yorgos Lanthimos)


A rainha Anne, a última da casa Stuart, foi uma importante monarca que esteve no poder entre os anos de 1702 a 1714, tendo sido a primeira rainha da Grã-Betanha, após a unificação da Escócia com a Inglaterra. Contrapondo o pensamento de que mulheres não ocuparam cargos de destaque no passado, o reinado de Anne ainda partilhava de mais duas influências femininas, as “favoritas” da rainha: Sarah Churchill, duquesa de Marlborough e Abigail Masham. 

Fonte: BBC.

A duquesa de Marlborough repreendendo a rainha Anne e Abigail.
Ilustração de 1753. Fonte: BBC
Assim, diante dessa premissa, e com roteiro afiado de Debora Davis e Tony Mcnamara, veremos o retrato mais íntimo dessa relação da rainha Anne (Olivia Colman) com suas favoritas, Sarah (Rachel Weisz) e Abigail (Emma Stone) e como essa relação foi crucial para os acontecimentos políticos da época, sendo que o país travava com a França uma guerra sangrenta para garantir a soberania sobre toda Europa. Os eventos da época foram largamente influenciados pelo jogo de poder entre as favoritas, que fizeram de tudo para se isolarem no poder.

Lady Sarah de Marlborough era, até então, a conselheira oficial da rainha, com grande inclinação política para o partido liberal (whigs), usando e abusando de sua posição para defender seus interesses junto à corte, manipulando das mais variadas formas possíveis a frágil, birrenta e temperamental Anne. Como se não bastasse, as duas ainda são fervorosas amantes, o que coloca Anne ainda mais na palma da mão de Sarah.

Abigail, que é uma prima de Sarah, por outro lado encontra-se no fundo do poço, pois sua família, que um dia fora nobre, caiu em desgraça. No palácio, oferecendo primeiramente seus serviços de simples empregada, passa a observar e aproveitar oportunidades, revelando um lado tão manipulador quanto o de Sarah e utilizando do apoio político conservador (tories) do lorde Harley (Nicholas Holt) para galgar posições ainda maiores e usurpar o lugar de Sarah.


Nesse sensual jogo de poder a que somos introduzidos, somos agraciados com atuações poderosas, de mulheres que estão à altura de nossas personagens. Com pouco tempo de tela, Olivia Colman rouba cena em todas as vezes em que aparece, principalmente lá pelo final, quando a doença que a acomete está em estágio mais avançado, misturada à profunda depressão que tem, devido aos traumas de seu passado. Com uma atuação poderosa, ela faz jus às premiações que vem recebendo, se consagrando como uma das favoritas ao Oscar deste ano, o que não será injusto, caso leve. 

As coadjuvantes não deixam por menos, mas o destaque maior vai para Weisz, que assim como Colman, repete a parceria com Lanthimos (o anterior foi O Lagosta), numa das melhores atuações de sua carreira. Stone cumpre sua missão com primor, empregando, por exemplo, o sotaque britânico característico com suavidade e sem parecer forçado, mesmo que para ouvidos mais atentos, não seja natural.  

Yorgos enquanto diretor, mais uma vez destoa em seu trabalho. Usando de várias técnicas possíveis neste longa, com destaque especial para a câmera situada em um ângulo mais abaixo, nos trazendo a sensação de que as pessoas retratadas são, de fato, realeza e ainda em planos mais abertos, mostrando a grandiosidade dos espaços, utilizando para tal, câmeras com efeito 360º, o que neste último caso destoa de toda produção, não sendo uma escolha muito acertada, a meu ver.

Todo o design de produção bem como figurino estão impecáveis e deslumbrantes, nos transportando fielmente para a época, cheia de adornos pomposos, vestimentas finas, perucas e maquiagens escandalosas. O destaque fica para maravilhoso castelo de Halfield, em Hertfordshire, na Inglaterra, onde as filmagens ocorreram.

Muito mais que um filme sobre um triângulo amoroso entre essas três mulheres de personalidades únicas, o filme vem para por o dedo na ferida das relações sociais, utilizando uma época bem anterior como pano de fundo (mesmo que descontextualizada em vários quesitos, como algumas falas coloquiais, danças mais modernizadas, e outros). De forma ácida e provocativa, externa uma sociedade doente, com sede de poder e sem escrúpulos no que tange às decisões que afetam a vida de tantos. Aqui a atenção dedicada aos homens é quase nula e os que pouco aparecem são desprezíveis em si mesmos e totalmente secundários. O diretor afirma que o filme pode ser relacionado ao feminismo, mas que sua intenção não era exatamente essa, uma vez que o projeto já data de nove anos atrás (Fonte: O Globo).


Assim, ao terminarmos essa experiência única, temos a sensação de que a fome de poder nunca pode ser totalmente saciada e quando nos pegamos torcendo para que determinada personagem atinja seus objetivos, vemos o quanto essa torcida pode ser equivocada, e que num segundo momento, acabamos mudando de lado, mesmo mediante aos objetivos, por vezes escusos, da outra personagem em questão. Fato é que a verdade nunca será algo totalmente isento, sempre teremos um segundo ponto de vista, que muda toda a perspectiva em relação aos acontecimentos, nos colocando em constante desequilíbrio na balança da vida.

Título Original: The Favourite

Direção: Yorgos Lanthimos

Duração: 120 minutos

Elenco: Olivia Colman, Rachel Weisz, Emma Stone, Nicholas Hoult, Joe Alwyn, James Smith, Mark Gatiss e outros.

Sinopse: Na Inglaterra do século XVIII, Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) exerce sua influência na corte como confidente, conselheira e amante secreta da Rainha Anne (Olivia Colman). Seu posto privilegiado, no entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail (Emma Stone), nova criada que logo se torna a queridinha da majestade e agarra com unhas e dentes a oportunidade única.

Trailer:

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