Crítica: Sementes Podres (2018, de Kheiron)


Vamos começar com o que esse filme parece e o que esse filme é. Pela breve sinopse fornecida pela Netflix e pelo seu trailer, temos a impressão de que será mais um clichê à la sessão da tarde sobre um professor em uma escola periférica que, cheio de sonhos e novas perspectivas de enxergar os alunos, modifica o espaço das aulas e transforma  a vida de todos ali, sempre para melhor. Sinto em lhes dizer, mas Sementes Podres é exatamente isso. E ainda bem que é. Essa onda de produções originais da Netflix parece seguir uma lógica de pegar conceitos e contextos clichês e tentar transformá-los em algo bom. Nem sempre funciona, poderia aqui citar uma lista razoável de exemplos, mas aqui tratarei da exceção. Sementes Podres tem tudo pra ser esse filme “sessão da tarde”, e é, mas entrega algo bem maior.  


Na trama, o salafrário Wael (Kheiron) e sua parceira de crime Monique (Catherine Deneuve) aplicam golpes em pessoas prestativas, mas em uma dessas tentativas esbarram em Victor (André Dussollier), um antigo conhecido de Monique e atual gerente de um centro atividades para alunos em processo disciplinar, excluídas do sistema de ensino. Wael é forçado a trabalhar de graça como um professor substituto de uma turma recém formada composta por seis alunos, até que seja encontrado um professor recorrente.


O que entra como novidade na história está na inserção de elementos políticos e sociais do mundo contemporâneo. Wael vem de outro país, arrasado pela guerra e conflitos religiosos, sendo órfão, pobre, vivendo parte de sua infância nas ruas, na miséria. No presente, em Paris, seus alunos são, em grande parte, de periferias da cidade, descendentes de outras etnias que vivem na França. As dificuldades de conflitos raciais, econômicos e sociais ficam bem colocadas no filme, dando a impressão até de uma Paris pouco conhecida, um pouco mais imperfeita do que o usual. Pelo próprio passado do protagonista, Wael não chega como um embaixador da moral santificadora do ser humano, chega com determinada facilidade de trambiqueiro em cativar as pessoas, algo como “faça o que eu digo, não o que eu faço”. Claro que, ainda sim, Wael ajuda seus alunos a solucionarem seus problemas e acaba por resolver alguns problemas próprios. O professor aqui ainda é um modificador de destinos, o salvador da pátria, mas talvez com um pouco menos de caráter do que os demais clichês do gênero, deixando o personagem muito mais nivelado a quem ele ensina.



A atuação, como um todo, é padrão. Não há momentos excepcionais, nem momentos descrentes o suficiente de transformar um momento dramático em comédia, por exemplo. Os atores parecem cumprir o que precisa ser feito, deixando claro o tipo de público que o filme quer atingir. Ponto que aliás é bem executado, o filme é fluido, tem uma fotografia confortável, pautada na familiaridade de quem assiste, bem tradicional. Sementes Podres é fácil de assistir, uma hora e quarenta minutos de duração que passam como meia hora, um fácil candidato ao mais novo “filme conforto” dos usuários. O que aqui deixaria como elogio é o jogo de câmera e a direção do longa. Entender que mostrar e não mostrar algumas coisas, filmar cenas em que contamos histórias chocantes somente mostrando os pés dos personagens é uma capacidade sagaz de emocionar. Suaviza e ao mesmo tempo potencializa a força da cena.

Porém, há determinada pressa ao fim do filme. Algumas construções do roteiro parecem ter sido rapidamente solucionadas para, talvez, diminuir o tempo de filme ou mesmo por falta de verba. Não fica ruim, mas deixa uma sensação de “isso poderia ter sido melhor trabalhado”, principalmente pro que pode ser considerado o plot twist do filme. Tira um pouco do ritmo do final, talvez até de seu fôlego, mas ainda sim tem uma boa história, um bom encerramento.

Sementes Podres é um filme de uma temática que todos conhecem e todos já assistiram, mas consegue trabalhar dentro desse contexto clichê e trazer novos elementos que tornam o filme realmente gostoso de assistir, emocionando em algumas cenas e relembrando essa mesma mensagem de a educação e o professor se relacionando com seus alunos em prol de um futuro melhor, mesmo que este pareça distante, mesmo que este pareça impossível dentro das possibilidades do presente.

Título Original: Mauvaises herbes


Direção: Kheiron

Duração: 100 minutos

Elenco: André Dussollier, Catherine Deneuve, Kheiron, Adil Dehbi e Alban Lenoir

Sinopse: Waël vive nos arredores de Paris dando pequenos golpes em pessoas prestativas com Monique, uma mulher aposentada. Sua
vida se transforma no dia em que, em um desses golpes, encontram Victor, um velho conhecido de Monique. Como forma de recompensar os golpes praticados, Victor o obriga a fazer pequeno trabalho voluntário no centro de
crianças excluídas do sistema escolar,
encontrando-se gradualmente responsável por um grupo de seis adolescentes expulsos por insolência ou porte de armas.

Trailer:

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