Meu Vizinho Adolf encanta com humor, suspense e interpretações dramáticas (2023, de Leon Prudovsky)

ELE ESTÁ DE VOLTA?

Estreou nos cinemas brasileiros o filme Meu Vizinho Adolf, do diretor Leon Prudovsky que conta a história do idoso Marek Polsky (David Hayman), que após perder a família para o regime nazista vive uma vida pacata na colômbia dos anos 60, até que um vizinho novo chega para viver na casa ao lado e tira toda sua zona de conforto.

O tal vizinho, interpretado por Udo Kier (Bacurau) possui algumas semelhanças com o ditador nazista, tal como os ferozes olhos azuis, a habilidade na pintura e o fato de ser canhoto. Além de grande carga dramática, o filme também se mostra um bom suspense, até chegar num estilo de comédia dos mais elegantes possíveis, atravessando os gêneros sem exageros. O protagonista investiga o vizinho e tenta provar às autoridades que ele é Adolf Hitler, mas acaba criando vínculo com ele.

De certa forma, se pararmos para analisar com carinho o que acontece no filme, o protagonista interpretado pelo ator israelense David Hayman sofre de mania de perseguição. O que indiretamente tem ligação com os traumas ocasionados pelas lembranças do holocausto. Ele foi um sobrevivente, as memórias familiares se perderão e agora só lhe resta um pijama (que muito se parece com os pijamas que os judeus usavam em campos de concentração), e o costume de cultivar rosas negras no jardim.

Logo, por bom senso, considera-se justificável tanto a amargura quanto o mau-humor do velho, sem que sejam simplesmente “a piada do filme.” O humor com o assunto que o rodeia pode ser questionado, mas ele não falha. O filme apresenta tudo na medida certa. O roteiro utiliza o trágico como recurso; os cortes, o silêncio engraçado presente num ambiente de tonalidades acinzentadas.

Inclusive, a fotografia é um espetáculo para os olhos. Que estética! Para um filme que foi feito em partes na América do Sul, encontrar aquelas cores frias em meio à uma colômbia é certamente um trabalho com mérito e tanto. O filme tem enquadramentos silenciosos, o trabalho do som igualmente encantador. Juntos na atmosfera há uma referência que dificilmente passou na tela mental do diretor, mas serve para ilustrar ao leitor imaginativo: sabe Coragem, O Cão Covarde? Aquela animação onde há um certo clima de medo, solidão, mas com cortes engraçados e trilha sonora muito discretamente irônica? Aqui temos isso em live-action e com alguns adendos importantes que virão a seguir.

É de extrema importância enaltecer o trabalho dos dois atores do filme, no entanto David se destaca ao demonstrar uma sutileza no olhar das mais raras que o cinema possui hoje. Assisti-lo é uma aula; ele carrega a emoção tão belamente que parece que o sentimento simplesmente surgiu sem esforço enquanto a câmera rodava. Impressionante. O que ele faz nesse filme é memorável e perfeito. Não há exagero em tais adjetivos; o homem muda de expressão sem precisar de palavras, dizendo tudo sobre uma dor que para grande parte do mundo é imaginária. A dor dos judeus.

Essa força do ator talvez seja intencionalmente uma maneira da obra dizer por fim que “a graça existe, e a dor também.” É a vida, sombra e luz.

ROSAS NEGRAS EXISTEM, E TAMBÉM FLORESCEM

A simbologia das rosas negras é a parte mais linda do filme, e posso adiantar que elas não são um simples pretexto para aproximar os dois através do incidente desagradável entre os vizinhos.

Entendamos: na história, o cachorro do vizinho faz cocô no quintal de Marek e ainda destrói uma de suas rosas.  Marek vai tomar satisfação, e uma secretária do vizinho vai lhe pedir desculpas e avisar que a cerca danificada terá seu reparo custeado pelo vizinho. Só que isso inclui montar uma cerca nova e tomar posse de parte do quintal de Marek, que legalmente pertence à casa do vizinho.

Ao abrir mão do que ele mais tinha apreço em cuidar, o protagonista se vê perdendo mais uma vez associações à família; como se lhe tirassem o direito ao luto, não bastando a infelicidade. Em analogia, ele perde isso para sua maior assombração: Hitler.

Mas será que perde mesmo? Ou ele ganha muito? Spoilers não residem esse texto, no entanto a conclusão que deixo é a de que o filme encerra o arco do protagonista com uma mudança interna em Marek que torna a experiência cinematográfica bastante satisfatória.

Título Original: My Neighbor Adolf

Direção: Leon Prudovsky

Duração: 96 minutos

Elenco: David Hayman, Udo Kier, Olivia Silhavy

Sinopse: América do Sul, 1960. Um solitário e mal-humorado sobrevivente do Holocausto convence-se de que o seu novo vizinho não é mais nada menos que Adolf Hitler.

Trailer:

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