Crítica: Garoto dos Céus (2022, de Tarik Saleh)

Pôster Garoto dos Céus em inglês (2022)

Vencedor do prêmio de Roteiro em Cannes de 2022, Garoto dos Céus conta a história de Adam (Tawfeek Barhom), o filho mais velho de um pescador viúvo que, em segredo, se inscreve para a universidade. Após ser aceito, e sofrer alguma resistência da família, Adam vai para Al Azhar, o centro acadêmico mais influente do mundo islâmico, onde se envolve numa trama política inesperada para o calouro. Ele acaba sendo escolhido para ser o espião de dentro de um grupo influente na universidade, para levar as informações ao agente do governo federal.

Com um prêmio tão significativo quanto o de roteiro em Cannes, é inevitável assistir a coprodução sueco-francesa com uma lupa nas minúcias narrativas que a obra tem para oferecer. E em relação a isso, o que é o principal a se ressaltar é uma visão pouco usual no cinema mainstream sobre a cultura egípcia. Tendo facilidade durante a introdução da história de mostrar tanto o interior do país, enquanto vemos a vida da família de pescadores, quanto a experiência de um jovem recém-chegado à capital, deslumbrado com o que o Cairo tem a oferecer, ainda no primeiro ato do filme. A primeira noite que Adam passa na cidade é realmente um olhar muito curioso sobre a sociedade e cultura do país e que vale a pena a conferida.

Porém, após apresentado o problema central da história, o diretor deixa de trazer uma perspectiva única para a trama e vai normalizando os olhares para um cinema hollywoodiano. Claro que com belos cenários, únicos do país africano, e um excelente design de produção, que, unida a direção de fotografia, sempre destaca o protagonista, colocando-o como o deslocado. As roupas de Adam, todas de segunda mão, têm cores ligeiramente diferentes de seus colegas e ele sempre é enquadrado sozinho ou com o fundo desfocado, dando a sensação de que ele não se encaixa no ambiente.

Voltando a analisar o roteiro, com o decorrer do desenvolvimento, a maneira como a narrativa é exposta acaba surpreendendo por alguns desleixos técnicos, onde o espectador tem que inferir algumas situações que não são mostradas em tela para montar o todo da trama.

Para tentar explicar melhor, é como se o roteiro, junto com a montagem, não conseguisse mostrar o que acontece em paralelo ao que a câmera está contando. O olhar foca no protagonista e quando ele encontra personagens de outra subtrama cabe à gente inferir o que aconteceu nos bastidores, baseando-se em outros filmes do gênero. As traições, os acordos, a sujeira religiosa-política, são muito mais pressupostas que contadas ou mostradas.

Entrando um pouco mais nos problemas da montagem, é curioso como o editor não consegue intercalar a subtrama de dentro e de fora da universidade, tirando alguns pequenos momentos de interação dos dois mundos, parece que o lado político fica pausado, esperando o desenvolvimento do protagonista para voltar a agir, sendo que numa perspectiva geral, o protagonista é apenas um peão descartável, e, por isso mesmo, o escolhido. Ele é uma pequena peça no xadrez político nacional, a importância do esquema é muito mais pesada para ele do que a importância dele dentro do esquema de espionagem do filme.

O roteiro volta a acertar quando trata da relativização do pecado, ou haraam, como é dito dentro da religião islâmica. Toda a trama é movida pelo que os poderosos do país consideram serem atitudes pecaminosas dignas de punição ou não. E o roteiro é muito perspicaz em mostrar que eles não consideram um haraam “muito sério” e que no entanto não será punido por Allah, coisas que passam desde comer um lanche do Mc Donalds até ter um filho fora do casamento. As pessoas que estão de acordo com o governante-mor egípcio cometem inúmeros pecados no dia a dia, mas juntam suas forças para que algo específico não ocorra usando a justificativa religiosa. Essa hipocrisia é, de fato, vista em tantas outras produções do gênero, mas aqui ela é bem explicada sem ser repetitiva ou simplória. É um bom acerto do roteirista que causa boas reflexões a quem assiste a obra.

Infelizmente, no todo, o filme acaba trazendo uma sensação de semelhança à outras tramas do gênero, tanto na história, quanto no visual que vai se pasteurizando cada vez mais durante a narrativa. Mas não tem como dizer que Garoto dos Céus é ruim. É um filme genérico, de fato, mas é gostoso de assistir, principalmente sem a expectativa de que seja um dos grandes roteiros da temporada.

Título Original: Boy From Heaven

Direção: Tarik Saleh

Duração: 119 minutos

Elenco: Tawfeek Barhom, Fares Fares, Makram Khoury, Mehdi Dehbi

Sinopse: Na volta as aulas após as férias de verão, o Grande Imã (uma espécie de reitor) desmaia e morre na frente de seus alunos em na universidade de maior prestígio de Cairo. Isso marca o início de uma luta política para decidir quem vai tomar o seu lugar.

Trailer:

Mas me diga leitor, você pretende assistir o filme? O último vencedor de roteiro em Cannes foi o excelente Drive My Car, você não acha que vale conferir por conta disso? Deixe aí o comentário.

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