007 – Sem Tempo Para Morrer é uma bela despedida para Daniel Craig e toda uma Era de James Bond (2021, de Cary Fukunaga)

Lá se vão 59 anos desde que Sean Connery interpretou pela primeira vez o agente secreto James Bond e Ursula Andress causava polêmica com seu biquíni, ocasionando até mesmo censura em alguns lugares e pela igrejas, no primeiro filme oficial da saga: 007 contra o Satânico Dr. No (1962). Não teve jeito e o filme e a cena marcaram e se tornaram emblemáticos na história do cinema. Antes disso, 007 era conhecido pelas obras literárias de Ian Fleming lançadas a partir de 1953, tendo até mesmo seu primeiro filme não oficial feito para a TV em 1954, Cassino Royale. Mas foi 007 contra o Satânico Dr. No que colocou o personagem e todas suas características no mapa da história POP, eternizando então uma das mais duradouras franquias do cinema. Na franquia oficial (licenciada), foram 24 filmes, 6 atores e dezenas de bondgirls até 2015, fora os 3 filmes e 2 atores não oficias que correm por fora.

A Era Craig tem sido marcada por polêmicas, aliás toda franquia, não? Quando Daniel Craig, vindo de um cinema independente britânico, foi anunciado como Bond no início dos anos 2000, substituindo Pierce Brosnan (cujo último filme havia sido uma decepção), diversas vezes foi dito que ele seria velho, loiro, brucutu e feio demais para o papel. Mas a estreia de Cassino Royale em 2006 surpreendeu (olha só … remake do primeiro filme não oficial). Um longa sério, intenso, com um Bond feroz e de porte, com um grande vilão, uma história de paixão com uma grande bondgirl, atualizando a franquia para os conflitos do mundo moderno e com uma pegada frenética e mais realista, reflexo do que os filmes do Bourne haviam estabelecido no início do novo milênio. O sucesso foi estrondoso, o que gerou expectativas para o seguinte. Mas depois de problemas como troca de diretor e a greve de roteiristas que afetou muitas produções na época, Quantum of Solace estreou em 2008 dividindo opiniões por trazer um filme curto e grosso, muito rápido e lotado de ação violenta, sendo uma das únicas obras da saga que traz o herói de forma mais vingativa e com uma trama que não é uma nova missão, mas uma consequência direta da anterior.

É uma experimentação válida e o filme já é melhor encarado hoje, mas de forma geral ainda gera discussões. Dando um respiro, somente em 2012 um novo longa chega, e novamente se prova um estrondoso sucesso, na verdade o maior de todos, de todos os filmes do Bond. Operação Skyfall se torna a maior bilheteria da franquia, traz o melhor vilão da saga, possui uma belíssima canção de Adele, ação estonteante, ótimas atuações, o filme invade o Oscar e crava Daniel Craig como um ótimo James Bond. O filme seguinte, 007 – Contra Spectre (2015), novamente traz críticas à franquia, agora à margem da obra-prima do filme anterior, aqui se fala muito do ritmo lento e do vilão fraco. Até então temos um filme ímpar excelente e um filme par divisivo.

Foi uma longa espera até esse 25º filme. 007 – Sem Tempo Para Morrer chegaria em 2019, mas a troca de diretor o jogou para 2020, que como sabemos foi marcado pela pandemia, que empurrou o filme para somente agora. A espera valeu a pena. Sem Tempo Para Morrer traz um longa imponente e ambicioso, com quase três horas de duração, grandes cenas de ação e referências visuais e narrativas, tudo para se despedir do ator que encarnou o protagonista nos últimos 15 anos. Com teor temeroso e melancólico, o filme consegue fechar o arco dramático que vinha sendo criado em torno do herói nessa Era Craig, algo inédito para um 007.

A Era Craig trouxe filmes mais dependentes entre si, em vez de apenas mais uma aventura isolada e solo. Bond se apaixonou duas vezes, caiu, se levantou, perdeu amigos e amores, ele se viu diante de suas próprias falhas e sentimentos mais humanos como medo, raiva e redenção. Daniel Craig amadureceu muito como ator com o passar dos filmes, assim como o personagem de Bond e a própria franquia. Isso trouxe frescor, realismo e um humanismo que faltava à saga. Filme à filme, a franquia 007 se reconfigurou ao mundo moderno, culminando nitidamente nessa mudança de rumo que esse último filme traz.

Esse filme de certa forma é equivalente ao Vingadores: Ultimato. Ao mesmo tempo em que o épico da Marvel dava fim ao arco dos heróis contra o Thanos, através da viagem do tempo e menções às cenas dos filmes anteriores, havia essa autorreferência e homenagem ao seu próprio universo, despedindo-se assim de alguns arcos e personagens. É o que acontece aqui. De forma solene, a franquia olha pra si própria, se homenageia e tenta se redimir em duas instâncias. Em uma primeira, é finalizada a Era Craig, que mesmo imperfeita, foi uma montanha-russa, que inclusive, tais imperfeições acabaram agregando ao todo em uma trama que ao menos nunca se traiu. E em uma segunda instância, há gagdets, referências e homenagens à toda franquia, como as tecnologias malucas, acessórios extravagantes e o mirabolante plano do vilão lembrar muito a Era Moore dos anos 70/80, assim como o uso do humor.

Se posso apontar pequenos defeitos aqui, as motivações do vilão poderiam ser melhor exploradas, talvez utilizando-se ele um pouco mais na primeira hora de filme, que apresenta vários pequenos inícios até de fato a trama engrenar. E o final poderia ter tido um pouquinho mais de ação, só um pouco, uns 5 minutos, antes de novamente apostar na melancolia que a obra propõe. Dito isso, Sem Tempo Para Morrer equilibra bem seu ritmo nas quase três horas, sendo um filme eletrizante, com algumas cenas de ação de tirar o fôlego. A direção do eficiente Cary Fukunaga (Beasts of No Nation, série True Detective) é estilosa e segura, com uma centralização Kubrickiana de encher os olhos, assim como a bela fotografia. O grande compositor Hans Zimmer entrega faixas instrumentais belíssimas, ele realmente faz um trabalho incrível na trilha sonora, elemento muito importante na saga. Assim como a edição de som, viva e eficiente. A canção de Billie Eilish pode não ser a mais marcante, mas ajuda a dar esse tom melancólico e de despedida que o filme precisa, caiu muito bem. Não me admira se essas categorias sonoras aparecerem no Oscar, o que é costumeiro em 007.

É verdade que a direção e a trilha sonora ajudam e muito a elevar a obra, compensando um roteiro apenas ok, mas há pequenos detalhes que agradam. Além das referências clássicas já mencionadas, que ajudam a revitalizar o espírito dos filmes do agente, aos poucos as mudanças vão sendo acrescentadas, mudanças essas já apontadas nos filmes anteriores, nessa humanização que já mencionei nessa Era Craig. As mulheres tem mais presença de cena na ação e nas decisões importantes, e não apenas na sensualidade. Nisso, a ótima roteirista Phoebe Waller-Bridge, da série Fleabag, traz além de seu bom humor, essa solenidade ao feminino.

Apesar do vilão de Rami Malek ser caricato e pouco aprofundado pelo roteiro, não compromete, ainda mais ao seguir uma linha de raciocínio de que aqui temos esse resgate dos vilões caricatos e megalomaníacos de alguns dos filmes clássicos, o que pede uma linha de atuação mais nesse sentido, além do filme focar na persona de James Bond e não tanto nos seus periféricos. O mesmo dá pra dizer de Léa Seydoux, que nunca foi a melhor bondgirl (e depois de Eva Green em Cassino Royale, quem seria?), mas que aqui tem mais importância do que em Spectre. Lashana Lynch é um frescor como a primeira mulher, e negra, a dar vida a uma agente (e pasmem, de número 007). A latina do momento Ana de Armas só aparece em uma cena, mas é espetacular em química, humor e desenvoltura na ação. O restante do grande elenco coadjuvante é eficiente, como sempre.

Mas é na figura do nosso herói que o longa foca. Depois de tantos altos e baixos, Bond está cansado. Tempo, a palavra do título é citada várias vezes. O tempo alcança a todos. No momento em que Bond compreende isso, toda sua trajetória nesses últimos filmes se complementam e completam. É então que no meio de toda correria e urgência da missão, o agente pausa para tomar um martini (batido, não mexido), soltar uma piadinha ou apreciar um momento tranquilo. Nesses intervalos, entre as descobertas e reviravoltas da trama, Bond compreende o quanto sacrificou nas tolas guerras dos outros, passando a compreender coisas mais importantes na vida. Essas reviravoltas estão ligadas ao desfecho da obra, bastante ousada e que já está gerando discussões acaloradas entre os fãs de longa data da franquia. Discussões à parte, esse final é digno e faz jus ao que a Era Craig propôs.

Foi um filme de mudanças. Cary Fukunaga é o primeiro diretor americano a comandar a franquia, temos a primeira 007 mulher e negra, além de outra agente que além de sensual, bota pra quebrar. Temos a finalização do arco dramático e da jornada do herói do Bond de Craig e temos uma ligação maior do agente com os seus laços afetivos e familiares. Daniel Craig pode descansar do papel do agente em paz, a missão está cumprida e o ator deixará saudades. Foi emocionante acompanhá-lo na última década e meia.

007 – Sem Tempo Para Morrer é uma produção que respeita o passado, mas aposta no futuro, indicando que mudanças na franquia virão sim. O próximo 007 até poderá ser um homem, se quiserem respeitar a literatura. Mas sendo homem ou mulher, negro ou branco, hétero ou lgbtqi+, ou o que for (e está tudo bem se ocorrer quaisquer das opções), está claro que mudanças virão em alguns conceitos. O mundo mudou, a arte muda o todo todo, a sociedade precisa de novas visões e heróis que os representem. Se você maratonar todos os filmes em sequência, notarão que a franquia sempre mudou, década a década, estilo a estilo, conforme o mundo moderno avançou. As mudanças sempre estiveram presentes em 007, basta olhar atentamente, foi isso que sempre manteve a franquia viva. E agora é a vez de mais uma vez deixar a passagem do tempo, esse mesmo tempo do título do filme, fazer a sua parte.

Canção tema, de Billie Eilish:

Título Original: No Time to Die

Direção: Cary Fukunaga

Duração: 163 minutos

Elenco: Daniel Craig, Rami Malek, Léa Seydoux, Lashana Lynch, Ben Whishaw, Naomie Harris, Jeffrey Wright, Christoph Waltz, Ralph Fiennes, Ana de Armas.

Sinopse: A ajuda de James Bond (Daniel Craig) é requerida pela CIA quando a missão de resgatar um cientista sequestrado se mostra mais traiçoeira do que esperada, levando-o a uma trilha deixada por um misterioso vilão (Rami Malek), armado com uma perigosa nova tecnologia.

Trailer:

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