O Equilibrista (2008, de James Marsh) x A Travessia (2015, de Robert Zemeckis).

Ao contrário do que o leitor possa imaginar, não foi devido ao recente aniversário dos atentados de 11 de setembro que resolvi escrever esse texto, meu interesse por essa história surgiu tempos atrás devido a chance de analisar o mesmo enredo a partir de duas obras distintas, uma documental e outra ficcional baseada nos acontecimentos reais.

Achei interessante a oportunidade de avaliar dois trabalhos que tratam do mesmo acontecimento, mas com linguagens diferentes, o primeiro um documentário narrado pelos autores da empreitada, o segundo uma dramatização hollywoodiana a respeito do mesmo feito com os personagens interpretados por astros do cinema e dirigidos por um grande nome do entretenimento.

Comecemos pelo segundo, pois foi por ele que comecei e é por ele que recomendo o leitor começar, caso tenha interesse na empreitada de assistir dois pontos de vista da mesma história.

Dirigido pelo gigante Robert Zemeckis, A Travessia faz um dos melhores usos do 3D que já vi, não sou particularmente fã da tecnologia 3D, nunca acho que ela vale o acréscimo no preço do ingresso, adoraria ficar deslumbrado com Avatar, como tantas pessoas ao redor do mundo ficaram, mas a única sensação que me causa é de tedio, e daí que as folhas parecem estar caindo a um palmo de distância? Qual a graça nisso? Nunca entendi, talvez eu seja chato, é provável que eu seja mesmo. Há apenas uma exceção ao 3D na minha concepção, apenas um caso no qual ele vale a pena, e é justamente quando ele é utilizado da forma que foi usado em A Travessia, ou seja, de maneira inversa ao habitual.

Em geral essa tecnologia é empregada no cinema para trazer a magia para fora da tela, transpor a barreira física e colocar o expectador em meio a ação, aproximando audiência e cenários, fazendo ser possível ver as folhas caírem poucos centímetros a sua frente, mesmo estando sentado a vários metros de distância da tela, mas uma outra aplicação dessa tecnologia, aquela que me encanta, é quando ela é usada de maneira contrária, ao invés de trazer os cenários pra fora, ela o empurra ainda mais para dentro, aumentando a distância entre a tela e o público sem comprometer a percepção de detalhes. Essa aplicação visando o aumento da profundidade ótica foi maravilhosamente utilizada no excelente Tron – O Legado, e em A Travessia foi novamente empregada de forma exemplar.

Zemeckis se utiliza da tecnologia para tirar o fôlego do expectador ao transportá-lo ao alto das torres gêmeas e fazê-lo encarar o vazio, mesmo sabendo o que vai acontecer não há como não ficar tenso ao ver o personagem principal se equilibrando a mais de 400 metros de altura em um cabo de aço, o diretor consegue impor no expectador o ímpeto que nos toma quando estamos em lugares altos e sentimos vontade de pular, é quase de tirar o fôlego.

A única coisa capaz de competir com tamanho poderio tecnológico ao meu ver é a pura e simples verdade, não há efeitos especiais no documentário O Equilibrista, ao invés disso há uma enorme quantidade de imagens de arquivo pessoal dos personagens retratados, que se, diferente da dramatização hollywoodiana, não são capazes de tirar nosso fôlego e nos deixar atônitos, são em contrapartida, capazes de nos emocionar e deslumbrar com o que o ser humano é capaz de fazer quando coloca amor e empenho em uma tarefa.

O filme de Zemeckis tem como grande mérito seu elenco afiado e sua costumeira direção competente, algo já aguardado de um realizador que se notabilizou por fazer o que todos os diretores sonham em fazer, sucessos de bilheteria aclamados pela crítica, no entanto nem tudo são flores, os primeiros 45min da obra são um verdadeiro teste de paciência. Narrado em primeira pessoa, o filme é vítima de seu personagem principal excessivamente focado em seu objetivo, seu narcisismo é por vezes pedante, o filme anda em ritmo muito mais interessante quando Philippe Petit e sua “gangue” finalmente chegam a Nova York e começam sua odisseia para colocar o plano da travessia em prática.

Em contrapartida o frenético ritmo de O Equilibrista faz com que seus 94 minutos de duração pareçam metade disso, desde a primeira cena o expectador sente-se como parte da trupe que empreende aquela ousada aventura a 400 metros do chão. Sentimos que fazemos parte daquele complô, que somos cúmplices daquela transgressão, não sendo possível desgrudar os olhos da tela um segundo se quer.

Mesmo com meia hora a mais de duração certos aspectos da empreitada são deixados de lado em A Travessia, devido a decisão do roteiro de gastar tempo demais com o início da carreira de Petit e mesmo assim deixar de lado pontos crucias. Por exemplo é no documentário e não na dramatização, que apesar de não ser dito, percebemos que todas as aventuras anteriores de Petit, como a travessia das torres da Notre-Dame, e da ponte de Sydney, foram de certa forma uma preparação para seu maior feito e é lá que notamos que o sonho de Petit em cruzar as torres nasceu antes mesmo das torres começarem a ser construídas. A dramatização peca ao desenvolver mal alguns personagens, em especial os dois principais coadjuvantes da empreitada, Jean-Louis e Annie, respectivamente melhor amigo e namorada de Petit na época. Outro fator que desabona o roteiro de Zemeckis é a decisão de lançar certas sombras sobre alguns desses personagens a fim de tornar a “jornada do herói” de Petit ainda mais desnecessariamente melodramática e tentar diminuir a importância de alguns membros da equipe.

O documentário por sua vez, presta o devido reconhecimento a todos os envolvidos nessa jornada, enquanto que em A Travessia, Petit é a grande estrela em volta da qual os outros seres menores orbitam, aqui ele segue sendo o ator principal, mas encontrando eco em outros elementos igualmente indispensáveis para o sucesso da façanha a qual eles se propõem. O Equilibrista mostra claramente que aquele não foi um feito apenas de Petit, mas de todos os envolvidos, a satisfação e emoção que toma todos os membros da equipe quando Petit finalmente sobe no cabo de aço no alto do World Trade Center, é a celebração do esforço e dedicação coletiva, eles já não estavam ali para realizar o sonho de Petit, aquele era o sonho de todos os membros, e sem dúvida, foi esse o principal ingrediente para o sucesso do time, todos à sua maneira, se equilibraram numa corda bamba a 400 metros do chão naquele 7 de agosto.

O final da projeção do documentário nos traz ainda o melancólico e inevitável ponto de ruptura que todo o sucesso pós travessia aplicou sobre Petit, Jean-Louis e Annie, eles haviam feito algo incrível e inigualável, tão incrível, que era como se não restasse mais nada à altura de todos eles juntos, é nesse ponto que O Equilibrista supera em muito sua dramatização hollywoodiana, a emoção real e sincera, o êxtase pós-missão cumprida e a percepção de que nada, nem eles, nem a amizade, nem os desafios e nem o mundo, jamais seria novamente igual como era um segundo antes de Petit colocar os dois pés sobre o cabo de aço. Isso arrebata completamente o espectador, afinal como mencionado mais cedo nesse texto, desde o primeiro momento, nós também fazemos parte daquela empreitada, nós também somos cúmplices e testemunhas.

O grande mérito de A Travessia está em seu elenco e direção competentes, que fizeram um roteiro raso se tornar interessante, a sensação porem é que mais de duas horas de projeção é demais, mesmo assim recomendo ao caro leitor que dê uma chance a obra, no final vale a pena, principalmente se você assistir na maior tela possível.

“Para mim é simples, a vida deve ser vivida perigosamente”, disse Philippe Petit. A Travessia consegue nos entorpecer com seu jogo de câmera ousado e a profundidade ímpar do 3D, enquanto que O Equilibrista, com sua simplicidade e honestidade nos mostra que sonhar é importantíssimo, e não há nada mais perigoso e gratificante do que ousar tornar sonhos realidade, pois tal qual disse Belchior, “viver é melhor que sonhar” e assim, na opinião desse humilde cinéfilo, por melhor que seja a obra de Zemeckis, ela é um sonho, belo, ousado e divertido , mas ainda assim inferior a arrebatadora realidade.

O Equilibrista

Titulo Original: Man on Wire

Direção: James Marsh

Duração: 1 hora e 34 minutos

Elenco: Philippe Petit, Annie Allix e Jean-Louis Blondeau.

Sinopse: Usando imagens reais do evento, o cineasta James Marsh recria o dia em que Philippe Petit se equilibra, de forma ilegal, em uma corda bamba estendida entre as Torres Gêmeas, em Nova York.

Trailer:

A Travessia

Titulo Original: The Walk

Direção: Robert Zemeckis

Duração: 2 hora e 03 minutos

Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Charlotte Le Bom, Clément Sibony, Ben Kingsley e James Badge Dale.

Sinopse: A história do acrobata francês Philippe Petit que, mesmo sem ter autorização legal, conseguiu atravessar sobre um cabo entre as torres gêmeas do World Trade Center em 7 de agosto de 1974.

Trailer:

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