3ª temporada de Cobra Kai traz ainda mais pancadaria, lições e dilemas entre gerações (2020, de Josh Heald e outros)

 

Quando o YouTube Red (versão paga da plataforma, hoje conhecida como YouTube Originals) lançou Cobra Kai em 2018, essa continuação de Karatê Kid foi um sucesso absoluto. A segunda temporada de 2019 conseguiu manter boa parte da qualidade, porém a plataforma de filmes e séries originais do YouTube não alavancou, fazendo com que eles parassem de apostar na série por hora, deixando o Premium focar em influencers, clipes musicais e coisas do tipo. Ah, e todo conteúdo sem propagandas. Porém, Cobra Kai ficou lá, incerta. Eis que a Netflix, de olho no sucesso, comprou a série, relançou em sua própria plataforma e confirmou o 3° ciclo, que estreou no 1° dia de 2021, começando o ano com o pé direito nas séries.

Mais madura e sombria, Cobra Kai acerta ao trazer o nostálgico sem se esquecer do novo, e mais importante, sem deixar de ter vida própria. Nostalgia é bom, mas em excesso fica batida. O acerto aqui é inserir novos elementos, novas perspectivas, quebrando expectativas e mantendo-se como um entretenimento escapista, mas sem nunca perder o coração.

Não se engane, é uma série simples que ainda traz clichês de superação e conflitos de honra e família; por vezes ela é até boba, mas de uma forma autoconsciente, nunca tentando ser maior do que deveria. E como assume esse lado escapista e só, permite-se não se levar a sério demais, mas brincar consigo mesma e com seus conceitos, tornando-se uma diversão dinâmica e fácil de maratonar. Os curtos episódios são certeiros, nunca enfadonhos. 

O visual da série é simples e é algo que ainda pode melhorar, em se tratando de fotografia e locações. Mas é eficiente no geral. A trilha sonora é excelente, sempre com grandes hits oitentistas. As coreografias das cenas de ação são boas no geral. Uma ou outra cena com determinado personagem aparenta ser engessada, mas a habilidosa direção, com uso de plano-sequências e outras técnicas, contornam isso facilmente. O nível de violência está no limite entre o juvenil e o adulto, o que de certa forma condiz com a trama, que amadurece conforme os personagens também o fazem. 

Nas atuações, o provável casal de “vilões” Robby e Tory, interpretados por Tanner Buchanan e Peyton Roi List são os mais fracos em cena. Falta força de interpretação dramática neles, o que é irônico, uma vez que são os personagens com mais potencial dramático, pois ambos passam por traumas e situações difíceis. Isso é uma pena, pois é neles que a série pode crescer a um nível de complexidade psicológica de personagens. Espero que os diretores consigam extrair melhores performances de ambos nas próximas temporadas.

Agora o restante está bem. Dentre os jovens, Xolo Maridueña é um excelente Miguel, com fácil identificação por parte do público, por ser alguém simples, mas que possui algo a provar. Ralph Macchio continua o carismático Daniel San de sempre, tirando o papel de letra. O veterano Martin Kove entrega em John um vilão de força e com motivações complexas. A carismática e subestimada Elisabeth Shue também retorna aqui, para a alegria dos nostálgicos. 

Mas é novamente William Zabka que brilha por absoluto. Fugindo dos estereótipos de mocinho e vilão, seu Johnny é complexo. Antes vilão, hoje é um homem frustrado e fracassado que luta para se adaptar aos novos tempos e às mudanças que esse tempo traz. Se Daniel é um herói, às vezes ingênuo e passivo demais, deixando de fazer o que devia, e se John é um brutamontes fruto da ignorância tóxica dos “machões” cheios de traumas das gerações passadas, Johnny, o fracassado, talvez seja o equilíbrio entre ambos os lados, entre tentar fazer o certo e, se dar ao luxo de lutar pra valer se necessário. 

Talvez os maiores defeitos de Johnny, além de ignorar o próprio filho, sejam suas piadas homofóbicas. Mas seu personagem é alguém errado se adaptando ao mundo de hoje. Ele está em uma jornada de se corrigir, se encontrar e se descobrir como alguém melhor. Isso é evidente nos contrastes entre ele e Daniel. Aliás, a junção Daniel + Johnny dá certo na dinâmica da série e também nos ensinamentos do dojo, muito provavelmente é o que se seguirá daqui pra frente. Em vez de inimigos, juntos um completa o outro nas lições para os jovens.

Essa revisão de papéis entre Daniel e Johnny e os conflitos entre eles e John gera uma excelente reflexão sobre como mestres exercem influência sobre seus alunos, sejam do que for (lutas, arte, educação). Então há aqui não apenas conflitos marciais, mas temos os conflitos de diferença de gerações, de filosofias, de mestres e aprendizes, de pais e filhos. Esse emaranhado, apresentado em uma edição dinâmica e um roteiro esperto e enérgico, tornam a série muito melhor do que se esperaria. Mais acima falei na Tory e no Robby como “vilões”, com aspas, já que no fundo, não há vilões exatos, mas ensinamentos e pensamentos errôneos e seus resultados. Essa ambiguidade é ótima.

Cobra Kai é simples, e na sua simplicidade ela é incrível, uma pequena grande pérola da TV surgida nos últimos anos. Com uma 3ª temporada ainda mais potente e com um final que é uma porrada de energia e expectativa para a próxima, o legado do Sr. Miyagi está em boas mãos. E pra encerrar, foi ótimo relembrar de aspectos do subestimado Karatê Kid 2, um filme que, revisto hoje, continua excelente!


Título Original: Cobra Kai

Direção: Josh Heald, Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg

Episódios: 10

Duração: aproximadamente 35 minutos por episódio

Elenco: Ralph Macchio, William Zabka, Courtney Henggeler, Xolo Maridueña, Tanner Buchanan, Mary Mouser, Jacob Bertrand, Gianni Decenzo, Martin Kove, Elisabeth Shue, Peyton Roi List.

Sinopse: Uma nova rivalidade entre dojos nasce depois da controversa vitória do Cobra Kai nos All Valley Championships. Daniel percebe que a sua próxima jogada deve ser abrir uma escola de karatê chamada Miyagi-Do, em homenagem ao seu mentor, Mr. Miyagi. O que outrora foi uma rivalidade pessoal entre Daniel e Johnny, ultrapassa as suas simples diferenças e envolve os seus alunos, que como adolescentes, já são desafiados com as questões da individualidade sobre quem são e quem desejam ser. Que caminho vão escolher seguir – Cobra Kai ou Miyagi-Do?

Trailer:

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