A trágica repetição da história em Antebellum (2020, de Gerard Bush, Christopher Renz)

 

Antebellum (chamado de A Escolhida no Brasil) era um dos aguardados filmes de terror de 2020. Mas devido os cancelamentos de estreias no cinema pela pandemia e a fraca recepção da crítica, acabou sendo lançado diretamente para aluguel online. Ao assistir com expectativas baixas, fui surpreendido com uma obra sincera e crua, que apesar de alguns deslizes, tem muito a oferecer.

O filme traz uma mistura de horrenda distopia conservadora estilo The Handmaids Tale, com as críticas sociais/raciais de Corra!, o que automaticamente já dá a entender que é uma obra pesada. O longa reimagina a escravidão hoje em dia, o que é certeiro dada a crescente onda de conservadorismo nas Américas, e com ele, os crimes e abusos de nível racial, homofóbico, de cunho machista e outras formas de proceder deturpadas e inaceitáveis. Talvez o ponto que a crítica tenha pegado com relação a este filme são os 2 pequenos defeitos que notei: a falta de alívio no pesado conflito, quase que como um sufocante fardo, e a direção e montagem mais simplista e genérica, com poucos momentos explosivos.

Embora que tenha algumas passagens bem dirigidas, como quando se aprecia a fotografia ou numa certa cena/reviravolta envolvendo carros, o longa no geral carece de diretores mais experientes que nos levem através da óptica da câmera, por outras vias. A ideia geral ainda é corretamente encenada e passada, mas falta um tempero na forma como a direção e a ação em si são feitas. Sem falar que é um longa de poucos respiros entre os momentos de aflição e desespero, quase todo ele é criando a horrenda situação na qual se encontram nossos personagens negros, sob o retorno da escravidão. Esse pode ser um fator desanimador para quem procura por obras mais positivas, já que a tragédia quase não dá trégua. Ainda existe aqui a redenção e ela é quase satisfatória, mas ela é rápida se comparada com o tortuoso caminho até lá. Esse foi um fator que fez a já citada The Handmaids Tale – antes irretocável – agora ser criticada. 

Mas a obra no geral é competente e segura na mensagem que quer passar, mesmo que sem sutilezas, ela cumpre o que promete. A tensão do suspense se constrói nas costas da protagonista e na nossa torcida pela sua liberdade. Há momentos emocionantes, que podem ser delicados para pessoas emocionalmente sensíveis. Mesmo que fictícia, a obra traz uma abordagem crua da situação, reforçada pela fotografia e paleta de cores em tons pastéis e cinzentos, filtrados em tela, ajudando na criação da atmosfera e no desconforto da situação. A trilha sonora é outro ponto positivo, seja na antecipação do suspense, seja na evocação da cultura afro.

E não tem como falar do filme sem citar a linda atuação de Janelle Monáe, extremamente competente e entregue em cena, carrega boa parte da obra nas costas. Ela brilha e como não poderia ser diferente, o filme é dela. O final é ambíguo e digno de discussões, mas sem entrar muito em spoilers, é possível traçar que a obra se baseia nessa ressurreição do racismo nas Américas para fazer assim sua parábola racial. O branco que é elitista e racista não se importa com a vida negra, e com isso, determinadas coisas impensáveis e inaceitáveis são plausíveis de acontecerem dentro de determinadas elites e núcleos. 

Antebellum trabalha com isso, a ficção não tão impossível assim, a trágica repetição do racismo e da desvalorização da vida do povo preto. O racismo é o que restou da escravidão, então alguém racista seria facilmente dono e assassino de escravos, simples assim. É uma verdade que não tem como fugir. Diante de tais fatos, resistir é preciso. Antebellum é um filme que não fez o sucesso esperado – e merecido -, mas que precisa ser conferido e debatido. Mesmo que careça de uma direção mais firme, sua força e peso podem fazer deste um daqueles filmes que somente com o passar do tempo, o mesmo fará sua parte em torná-lo em uma obra melhor. 

Título Original: Antebellum

Direção: Gerard Bush e Christopher Renz

Duração: 106 minutos

Elenco: Janelle Monáe, Jena Malone, Kiersey Clemons, Gabourey Sidibe, Marque Richardson, Eric Lange, Jack Huston e Lily Cowles.

Sinopse: Veronica (Janelle Monáe) é uma autora bem sucedida que se encontra presa em dois diferentes períodos: Os dias atuais e o Antebellum, a era das plantações no sul. Imersa nesta horrorizante realidade, ela deve descobrir o mistério por trás desse acontecimentos e fugir, antes que seja tarde demais.

Trailer:


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