Entre altos e baixos, Lovecraft Country proporciona representatividade e críticas sociais (2020, de Misha Green)

 

Antes, leia nossas primeiras impressões do 1° episódio da série aqui!

Eis que no último domingo encerrou-se a 1° temporada desta badalada nova série da HBO. Agora chega a hora de falarmos do conjunto completo da obra, ou seja, a temporada completa. Lovecraft Country teve altos e baixos. Após um primeiro capítulo praticamente perfeito, o segundo veio como um banho de água fria, bem aquém da qualidade do anterior, tanto em técnica como em texto. Não foi ruim, mas trouxe tons diferentes e inferiores ao visto anteriormente, além de certas questões técnicas e visuais não tão favoráveis. Do 3° ao 5° temos episódios que no geral são bons e melhores que o 2°, mas apresentam certas instabilidades narrativas, como momentos deux ex machina e subtramas de personagens secundários onde não sabemos onde tudo dará, embora que no 5° algumas coisas e escolhas narrativas começam a fazer sentido. E do 6° em diante a série volta ao eixo, com capítulos que retomam o terror e senso de aventura prometidos, além das suas críticas sociais e acontecimentos importantes.

O 10° episódio ainda apresenta certa instabilidade, principalmente por ser corrido demais e apressar alguns desfechos que vinham sendo construídos lentamente. E novamente a salvação de última hora e milagrosa (o tal deus ex machina) se faz presente. Não foi um final ruim ou incoerente, apenas apressado. Alguns conflitos ainda permanecem inacabados e precisavam de melhor aprofundamento. Parte dessas diferenças se devem não somente ao roteiro escrito, pois o mesmo na maior parte é bom. O que mais destoa de fato é a direção, onde a série é muito bem dirigida em alguns capítulos (como o 1° e o ousado 6°) e noutros é mais simplista e corrido (como o 2° e o 10°). 

Também senti falta de uma melhor profundidade no protagonista, o ator Jonathan Majors faz bem e entrega um Atticus imponente e de bom coração, mas o moço não é 100% justo e isso dá uma ambiguidade boa de acompanhar no personagem. Porém ainda sinto que essa ambiguidade poderia ser melhor explorada. Exemplo: ele sabe a dor de sofrer racismo, mas o mesmo acaba sendo homofóbico em determinada revelação. Mesmo que na jornada haja a aceitação e o perdão, essas questões poderiam ser melhor trabalhadas e a tal redenção poderia ser mais explícita e emotiva. 

Bem, dito os defeitos da obra aqui e ali, mesmo que instável, Lovecraft Country é uma grande série que merece e deve ser vista. Por quê?

Pelo simples motivo de ser extremamente atual. Vivemos em tempos onde há uma ressurreição do racismo americano e onde é necessário falar coisas básicas à algumas pessoas, como ter que explicar do porquê certas atitudes são racistas ou preconceituosas de alguma forma e o quanto isso é inaceitável. Se antes obras eram mais sutis nessas questões e as aplaudíamos por isso, recentemente o audiovisual teve de adotar uma postura mais direta e sem sutilezas, dadas às circunstâncias nada sutis nas quais alguns assumem seu ódio ao próximo, especialmente líderes políticos que dão exemplo em atacar minorias e causas sociais. Então, diante todo cenário atual, essa falta de sutileza é justificável e plausível. 

A série bate de frente com o racismo, a supremacia branca e as segregações dos Estados Unidos (e outros países como o Brasil). Além disso, outras pautas como personagens femininas fortes e representatividade LGBTQI+ também se fazem presentes. Embora a personagem Leti (brilhantemente atuada por Jurnee Smollett) acabe em volta de personagens masculinos, ela e outras da série tomam as rédeas em situações chave. Determinada personagem até mesmo vira uma heroína futurista de forma literal e simbólica. 

Trazendo referências à literatura de H. P. Lovecraft, temos terror cósmico e espacial, sangue, gore e criaturas horrendas. Mas também temos as críticas raciais no estilo de Corra!, criticando inclusive o racismo do próprio escritor Lovecraft. Seu legado e trabalho é honrado pois foi de fato importante, mas sua persona nunca é santificada. Mais uma vez, a importância de não glorificar ou mistificar seres que são racistas assumidos, mesmo quando parte do seu trabalho pode ser aproveitada (alô Brasil). Até mesmo no texto da série temos diálogos que deixam isso bem claro.

Lovecraft Country nos leva por uma emocionante jornada de terror, aventura, ficção científica e drama, nos traz monstros horrendos e cheios de tentáculos, para no fim chegarmos à conclusão de que os verdadeiros monstros são aqueles que não aceitam os outros como eles são, seja pela sua pele, etnia, família, sexo ou estilo de vida. E uma superprodução trazer isso para a TV sem deixar o entretenimento de lado, com boas técnicas visuais e sonoras (e que trilha!) e dando evidência aos atores pretos e talentosos, isso é muita coisa, capaz de tapar pequenos buracos deixados pelo caminho. O show rendeu boa audiência e nos resta torcer pela renovação, há muito potencial a ser explorado. 

Título Original: Lovecraft Country

Direção: Misha Green, Jordan Peele, J. J. Abrams

Episódios: 10

Duração: 60 min aprox.

Elenco: Jonathan Majors, Jurnee Smollett, Abbey Lee Kershaw, Courtney B. Vance e Michael K. Williams.

Sinopse: Chicago, 1954. Atticus Turner (Jonathan Majors) é um veterano do exército que vê sua vida mudar quando seu pai desaparece misteriosamente. Decidido a encontrá-lo, o jovem embarca numa viagem de carro ao lado do tio George (Courtney B. Vance) e da amiga de infância Letitia (Jurnee Smollett), mas a jornada logo se revela muito mais perigosa do que eles esperavam.

Trailer:

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