Crítica: Better Things – 4ª Temporada (2020, de Pamela Adlon)

*Aviso de Spoiler

Desde de seu primeiro episódio ficou claro que Better Things seria uma série dedicada a representar situações e sentimentos humanos o mais realisticamente possível, a ponto de fazer o telespectador imergir profundamente na vida daquelas pessoas fictícias como se fossem membros de sua própria família. E durante a quarta temporada esse sentimento se intensificou, nos levando a compartilhar a vida de Sam com bastante proximidade, seus melhores e piores momentos. As temporadas anteriores já haviam construído um caminho sólido para suas personagens, mas a quarta em particular foi sobre amadurecimento. Sam se permitiu abandonar mágoas passadas, se libertando de ciclos viciosos e incômodos. Enquanto já conhecíamos bastante sobre a Sam mãe e a Sam atriz, a quarta temporada se empenhou em destrinchar as características da Sam mulher. Suas vulnerabilidades, desejos, interesses. O roteiro da quarta temporada mostrou o potencial de independência que já sabíamos que a protagonista tinha.


Construção de personagens talvez seja uma das tarefas mais difíceis na criação de uma narrativa sólida. Inventar pessoas fictícias que reflitam ao menos um pouco de verossimilhança é um exercício árduo para roteiristas, algo ao qual requer realmente um investimento. E a construção desses personagens não significa arquitetar um roteiro com personagens perfeitos, que seguem uma lógica e nunca se contradizem. Mas sim construir uma história com personagens que reflitam o melhor e o pior que seres humanos tem a oferecer. E essa é uma característica presente em todos os personagens de Better Things, especialmente em sua protagonista, Sam. Tanto em sua relação com suas filhas e sua mãe quanto com suas amizades, Sam Fox é extremamente generosa. Ela é o tipo de pessoa que está sempre disposta a dar sem necessariamente pensar em receber. 


O que torna a protagonista de Better Things uma personagem tão instigante de acompanhar é sua imprevisibilidade. Sam quase nunca dá ao telespectador exatamente o que ele espera. Ela não se guia por caminhos esperados, pelo contrário, cria seus próprios. No final de temporada era possível imaginar que ela teria uma reação negativa ao ex-marido e se deixaria levar pelo ressentimento que a consumia, mas não, Sam escolhe sair completamente por cima da situação, pois ela sabe que ele não tem absolutamente nada a oferecer a ela. A capacidade de amadurecimento da personagem durante seu percurso na quarta temporada é quase invejável. E toda a dedicação de Pamela Adlon colocada no roteiro da série também é refletida pela sua atuação cativante que pelo quarto ano consecutivo entrega um trabalho genial. 


Better Things trabalha seu enredo de maneira orgânica, sem pretensão alguma de construir grandes arcos narrativos e complexos, mas sim nos levar pelo cotidiano de suas personagens de uma maneira que a princípio pode parecer até repetitivo, com determinados problemas insistindo em reaparecer. O relacionamento de Sam com suas filhas e com sua mãe, Phil, parece sempre avançar e retroceder na mesma intensidade, mas existe uma beleza nessa dinâmica, pois a faz parecer mais real. A relação daquela família é disfuncional como a maioria é. Elas estão sempre entre errar e acertar e, então, errar novamente. Mas esse vai e vem de maneira alguma se torna um ciclo vicioso pois há sempre o registro do aprendizado em cada nova reconciliação. Relacionamentos reais não evoluem de maneira progressiva. Não há uma tabela de erros e acertos, apenas a intenção de ser melhor.



Ficou bem claro como as filhas também tiveram mudanças visíveis desde a última temporada. Essa evolução é mais visível em Frankie, com quem Sam sempre teve que se esforçar com mais vontade para penetrar a forte redoma que a filha do meio construiu em volta de si. Talvez a razão pela qual as duas tenham tanta dificuldade em se entender seja exatamente o que as aproximou nessa temporada: suas personalidades extremamente similares; difíceis, estressadas e que nunca pedem perdão por serem quem são. Max não fica muito atrás com seu jeito perdido, sempre precisando de um guia. Mas nessa temporada parece que a filha mais velha finalmente começou a se encontrar, precisando cada vez menos do direcionamento da mãe, e dando os primeiros passos soltos em direção a vida adulta. 


E Duke, que sempre foi a criança amável, a menina dos olhos de Sam, finalmente deixou seu temperamento de adolescente irritada desabrochar, porém sem nunca exibir o estereótipo de jovem “rebelde sem causa”. Duke mesmo tendo um comportamento desagradável, o que é mais do que compreensível pela idade, permanece sendo o membro mais sábio da família, sempre tendo um conselho perspicaz para dar. Sua sensibilidade para o sobrenatural foi explorada de uma maneira bem sensível. A cena em que ela encontra com a idosa no banco da praça, que pode ser um fantasma ou até mesmo uma visita da Duke do futuro, e as duas conversam sobre como estar só pode ser revolucionário foi um dos momentos mais genuinamente belos da série.


Better Things mostra como os laços familiares são fortes, mas instáveis; e assim como qualquer relacionamento, precisam de investimento e trabalho para se manterem. A forma orgânica como a série trabalha as relações entre mães e filhas é umas das características mais ricas da comédia de Adlon, trazendo um retrato honesto da maternidade e desconstruindo vários estereótipos sobre a mesma. Better Things se estabelece, assim, como uma das comédias mais importantes na televisão atualmente.


Título Original: Better Things


Direção: Pamela Adlon


Episódios: 10


Duração: 23 minutos aprox.


Elenco: Pamela Adlon, Mikey Madison, Hanna Alligood, Olivia Edward e Celie Imrie

Sinopse: A série acompanha a rotina da atriz Sam Fox conciliando sua carreira com suas filhas e sua mãe.

Trailer:


Não deixem de conferir essa pérola!










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