Na cultura popular, o cinema de Ingmar Bergman carrega consigo uma dualidade frustrante: embora não exista dúvida do status e da impecabilidade com a qual Bergman constrói exposições da mente humana e seus anseios, essa expectativa pode gerar certa insatisfação quando estamos lá, confrontados com o filme real. É com o objetivo de introduzir a figura e a obra de Ingmar Bergman que o Minha Visão do Cinema apresenta a primeira parte do especial Perfil Begman. Vamos lá?
Ingmar Bergman e Sven Nykvist durante as gravações de Fanny e Alexander (1982)
Ingmar Bergman nasceu no ano de 1918, em Uppsala, Suécia. Filho de pais extremamente religiosos, ele teve uma infância emocionalmente difícil, embora bastante confortável financeiramente. Não é surpresa, então, que o conflito emocional entre personagens presos a relacionamentos disfuncionais seja geralmente o elemento central de seus filmes. Embora seja fácil dar a Bergman o rótulo de “criador de histórias lentas e deprimentes”, na realidade seus filmes muitas vezes dialogam com elementos de comédia e felicidade. É justamente o uso de emoções variadas que eleva seus personagens para algo muito mais significativo do que simples peças em uma história triste — eles nos marcam porque vemos algo nosso ali, tanto em termos de felicidade quanto de tristeza.
Harriet Andersson em Através de um Espelho (1961)
Para além disso, é fascinante a forma como a influência de Bergman persiste até hoje. Apenas no ano passado, por exemplo, tivemos História de um Casamento, de Noah Baumbach, semelhante em muitos aspectos com a minissérie Cenas de um Casamento, de Bergman, incluindo o uso pontuado de comédia em momentos dramáticos. Pulando para o gênero do horror, tanto O Farol (de Robert Eggers) quando Midsommar (de Ari Aster) são profundamente influenciados pela obra de Bergman. Aster e Eggers mencionam mais de 20 filmes de Bergman na entrevista que gravaram ao podcast da produtora A24.
Para uma comparação visual, podemos contrastar imagens de O Silêncio, lançado por Bergman em 1963, e de O Iluminado, de Stanely Kubrick, lançado em 1980.
Jörgen Lindström em O Silêncio (1963)
Danny Lloyd em O Iluminado (1980)
E também entre Persona (lançado no Brasil sob o título de Quando Duas Mulheres Pecam), de 1966, e a obra recente de Céline Sciamma, Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019):
Liv Ullmann e Bibi Andersson em Persona (1966)
Adèle Haenel e Noémie Merlant em Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019)
“Se você estava vivo nos anos 1950 e 1960 e com uma certa idade, um adolescente a caminho de se tornar adulto, e queria fazer filmes, não vejo como não foi influenciado por Bergman. É impossível superestimar o efeito que esses filmes tiveram sobre as pessoas.”
– Martin Scorsese
Por outro lado, é importante lembrar do ser humano que existe para além da figura abstrata de gênio. Muitos aspectos da vida pessoal de Bergman adquiriram um certo misticismo com o passar do tempo – em especial sua relação tempestuosa com a atriz Liv Ullmann. A vida pessoal de Bergman reflete muito do que vemos em seus personagens: uma disfuncionalidade absurda que machuca não apenas a ele, mas também aqueles ao seu redor. É a partir dessa linha que continuaremos na próxima parte do especial Perfil Bergman.
Antes de terminarmos por aqui, uma indicação: A progressão da história em Morangos Silvestres (1957) é um ótimo ponto de partida para entendermos a forma como Bergman conduz seus filmes: inicialmente devagar enquanto apresenta personagens para então jogá-los em uma tempestade emocional. Para além disso, o filme serve como um bom ponto de comparação para as obras subsequentes do diretor. Com cada filme, Bergman ousa mais e mais através de sua exploração de paisagens emocionais devastadoras.
Finalmente, uma palavra sobre “filmes difíceis”. Um compromisso mais sério com o cinema sempre nos leva a territórios desafiadores – especialmente quando falamos de filmes mais antigos. O que é importante lembrarmos aqui é que muitas vezes a conexão que se cria com esse tipo de filme é muito mais emocional do que intelectual, muito mais uma questão de sentir a história do que realmente “entender”. Com o passar do tempo, vamos adquirindo novos conhecimentos, mas eles são construídos em cima do primeiro momento de identificação emocional com a obra. Isso não significa que não é necessário esforço, apenas que esse esforço é mais uma barreira inicial do que algo sempre presente.
MORANGOS SILVESTRES
Título Original: Smultronstället
Direção: Ingmar Bergman
Duração: 91 minutos
Elenco: Victor Sjöström, Bibi Andersson, Ingrid Thulin, Gunnar Björnstrand
Sinopse: Um professor de medicina (Victor Sjöström) revisita
vários momentos de seu passado durante uma viagem de carro. Ao longo do tempo,
ele se perde mais e mais em suas desilusões e nos arrependimentos de sua vida.
Victor Sjöström em Morangos Silvestres (1957)
Você já assistiu a algum filme de Ingmar Bergman? Fique atento para os próximos especiais, onde recomendaremos mais filmes e falaremos mais sobre a vida do diretor.