Análise da 1ª Temporada de Barry (2018, de Bill Hader e Alec Berg)



Barry talvez seja a crítica mais difícil que já tenha feito até agora, por ser um enredo tão absurdamente real e imersivo dentro do universo que se propõe a falar. O próprio ator comenta sobre a complexidade da personagem, que vive e trabalha “nas sombras”, mas quer fazer um curso que o coloca sob “as luzes de holofotes”. 


O criador, produtor e diretor Bill Hader assume o protagonismo como um ex-fuzileiro naval que, com incentivo de um antigo amigo da família, Fuches (Stephen Root), acaba tornando-se assassino de aluguel. Mas, deprimido com o rumo de sua vida, Barry é retratado em planos completamente estáticos e fechados, não apresentando um respiro ou luz em suas tarefas cotidianas, além de uma espécie de apatia que beira ao desespero. Fica claro, desde um primeiro momento, que é um desagrado que não é momentâneo, mas já faz parte de sua rotina tanto quanto tomar banho ou jogar algo na TV para se distrair.




É nesse momento que Fuches, que cuida da parte comercial do negócio de Barry, aparece com um novo alvo em Los Angeles. O que o ex-fuzileiro não poderia imaginar era que seu novo alvo faz parte de um grupo de teatro que parece oferecer a ele exatamente a motivação que tanto queria e precisava.



Mas como o próprio Hader já aponta, manter-se o mais anônimo possível é parte da descrição de todo bom matador profissional, mas é oposto do que um ator em ascensão espera para seu início de carreira. Barry vai ter de lidar, ao longo da temporada, então, não apenas com seus conflitos internos e os traumas que sua profissão causa, somados ao fato de ele desejar um nova vida, como também os conflitos para equilibrar suas duas “facetas”.


Já era de se esperar uma ótima performance por parte de Bill, conhecido por suas personagens e imitações icônicas em Saturday Night Live  como o querido Stefon e o rabugento e hilário  Herb Welch e filmes como Superbad, Trovão Tropical e The Skeleton Twins; mas a performance entregue nessa nova aposta da HBO vai além do famoso trabalho cômico sensacional de Hader e adentra em uma carga dramática profunda e repleta de camadas, transmitindo toda a dor, a urgência e conflito que sua profissão carrega de não poder ao menos ter o que muitos consideram tão básico: uma vida, em seu termo prático da palavra. É irônico pensar que o homem que “decide” se alguém vive ou morre precisa viver com o peso de, ele mesmo, ter uma espécie de “sobrevida”. Inclusive, em IT – Chapter Two, de 2019, o ator trouxe de volta seu potencial dramático para uma das cenas mais eletrizantes e emocionantes da sequência.


O clima autoral da série também traz um diferencial para a produção, que tem a direção de Hader, Alec Berg (Silicon Valley Seinfeld) e nomes como Maggie Carey (Brooklyn Nine-Nine) e Hiro Murai (This Is America e Atlanta) marcando participação e consegue trazer um equilíbrio muito orgânico entre a comédia, o drama e a ação, sem pecar por excesso ou carência de nenhum.



Como dito acima, Barry foi, talvez, a crítica mais difícil de escrever até hoje e não por acaso. É fato que a série traz uma comédia em um nível acessível ao público de modo geral, mas tal como seu protagonista, o humor também apresenta suas camadas. É impossível, como atriz, deixar de perceber as inúmeras referências e homenagens, mas também dificuldades desse meio — tão glorificado por todos que enxergam Hollywood como o caminho para a fama e deixam de ver as camadas por trás — dissolvidos ao longo da trama.


O enredo apresenta algumas lições básicas das artes dramáticas e, por que não, da vida: ouvir o que está lhe sendo dito ao invés de apenas ser uma máquina de repetir palavras, usar emoções e experiências passadas para aprender algo sobre si e transformar em algo positivo e capaz de tocar alguém, se desafiar, aceitar e desculpar, acreditar no que está fazendo ao invés de querer convencer alguém e, principalmente, se dar uma nova chance.

A sensação, logo nos primeiros episódios da temporada, foi de me apaixonar novamente pela minha profissão e me envolver intimamente com a história contada. Algumas situações que provocam riso em diversos espectadores acabam por gerar um riso especial de reconhecimento daqueles que já vivenciaram, em aulas ou ensaios, algumas situações apresentadas no desenrolar da trama. Alguns exemplos seriam algumas atuações exageradas e verborrágicas, brigas por personagens e até a situação do gif acima em que, ao esquecer a fala ao longo da apresentação, o ator se desespera e, ao invés de improvisar, acaba deixando evidente para todos o ocorrido.


Mas infelizmente não é só de situações cômicas que vive a carreira de atores, e o arco da personagem Sally vai muito além da mocinha que claramente foi criada para ser o par romântico. É por meio dela que é feita uma crítica extremamente necessária no meio artístico, visto que já afetou diversas atrizes e cantoras famosas, — inclusive o tema foi abordado no filme de 2019, O Escândalo — o assédio sexual. Por parte de produtores, diretores, outros atores, mas, no caso da série, escolheram abordar um que não se comenta tanto: o de agentes. E para quem se interessar em ouvir o que a atriz tem a dizer sobre a cena e suas próprias experiências dentro da profissão é só clicar no link abaixo.



Com questões extremamente relevantes tratadas de modo leve e com um elenco magistral, Barry é uma espécie de metalinguagem do processo de desconstrução e construção constante das artes dramáticas em uma época mais propícia impossível. Muito se fala sobre cultura em nossa sociedade, mas uma minoria é de fato com conhecimento de causa. Não é desconhecido de ninguém o fato de a cultura ser inimiga declarada de alguns tipos de políticas estabelecidas hoje no país; e não poderia deixar de ser, visto que é ela que nos ensina a pensar por nós mesmos, ter noção de passado e contexto histórico, literatura, que molda nossos gostos pessoais, personalidade e basicamente mantém a história de todo um povo viva. 


Porquanto, em épocas assim  em que a ideia é ter cada vez mais pessoas como as crianças do clipe de Another Brick In The Wall, da banda britânica Pink Floyd — é bom ver produtos culturais que demonstrem paixão pelo que fazem e prestam uma homenagem tão bonita e sensível, humana em toda sua dimensão, à uma carreira subjugada, alvo de inúmeros preconceitos, em que se precisa muitas vezes pagar para trabalhar e ainda ouvir “mas você trabalha mesmo com que?”e ainda sim ter a cada dia mais certeza que fez a escolha certa. E dá pra ver a certeza no rosto de todos os atores envolvidos, a cada cena, crescendo e ganhando vida. Barry, em suma, é a prova de que não é só de dragões voadores que vive a HBO… Sorte a nossa!





Título Original: Barry


Direção: Bill Hader, Alec Berg


Episódios: 8


Duração: 30 minutos 


Elenco: Bill Hader, Stephen Root, Sarah Goldberg, Henry Winkler, Glenn Fleshler, Anthony Carrigan e Paula Newsome


Sinopse: Barry é um ex-fuzileiro que agora trabalha como assassino de aluguel por influência do amigo da família e parceiro de crimes, Fuches. Solitário e insatisfeito com seu modo de viver a vida, acaba pressionado a aceitar um trabalho em Los Angeles para matar um aspirante a ator. O que não esperava era encontrar no grupo de atores um grupo acolhedor e capaz de lhe proporcionar aquilo que nem ele mesmo sabia que buscava. Mas a vida do crime não é tão fácil assim de sair


Trailer:

E vocês, Barrys e Sallys, o que acharam da crítica e da série? Deixem aqui embaixo nos comentários e se já estão ansiosos pra terceira chegando aí. É tiro certo da HBO? 😎




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