Crítica: O Irlandês (2019, de Martin Scorsese)


Há uma nostalgia em assistir um épico de máfia de 3 horas e meia, onde 4 artistas consagrados nesse estilo trabalham juntos. O diretor Martin Scorsese, dono de uma filmografia respeitável e eclética, já nos presenteou dentro dessa temática com Táxi Driver, Caminhos Perigosos, Os Bons Companheiros, Cassino, Os Infiltrados, dentre outros indiretamente. Dessa vez o experiente cineasta traz Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci brilhando a cada cena. De Niro já esteve presente em alguns dos filmes de  Scorsese citados acima, além de O Poderoso Chefão Parte 2, Fogo Contra Fogo, Era Uma Vez na América, Os Intocáveis, etc. Joe Pesci também já trabalhou com o cineasta e De Niro, além de ter feito outros papéis sobre o mundo do crime. E pela 1° vez atuando em uma obra de Scorsese, Al Pacino já traz na sua carga filmes como toda a trilogia O Poderoso Chefão, Scarface, O Pagamento Final, Donnie Brasco e outros, inclusive alguns dos já citados com o De Niro.

Além deles, temos outras figuras como Harvey Keitel, que já trabalhou em filmes citados e vários do Tarantino, e temos a presença de astros da série The Sopranos (também sobre máfia), como Steven Van Zandt. Achei importante contextualizar e relembrar todas essas obras, pois ao final de O Irlandês, é isso que o filme passa, esse revival. O filme acaba por ser uma sutil homenagem a este velho estilo e velhos artistas. Não é o melhor filme de todos os tempos do diretor e nem dentro do gênero, mas é uma obra com força suficiente para ser relevante. 


As atuações de todos são competentes, especialmente Pacino e Pesci, donos de algumas das melhores cenas do filme. Inclusive, Pesci está bem mais contido do que nos filmes de outrora, onde ele sempre era explosivo e engraçado, aqui ele aparenta uma calma, talvez da idade, talvez da dramaticidade da obra. Pena que o elenco feminino é desperdiçado, Anna Paquin até tenta entregar algo bom, mas o roteiro pouco dá o que fazer pra ela. Os filmes de Scorsese geralmente focam nas figuras masculinas e desperdiçam as estrelas femininas, isso é um “dever de casa” que o diretor ainda deve fazer. Mas o cineasta segue com mão firme para dirigir elenco, ele consegue extrair o que cada um pode entregar na arte cênica. Inclusive, o humor ácido de Scorsese se faz presente, ele sempre soube trabalhar bem esse elemento, note a piada envolvendo o fato dos italianos sempre colocarem o nome de Tony nos meninos, referência ao Tony Montana (Al Pacino) em Scarface e Tony Soprano (saudoso James Gandolfini) em The Sopranos.

Existem sim problemas, note que há alguns erros de montagem e continuidade,  há cenas que precisariam de um refinamento na sala de edição e melhores transições entre um corte e outro. Uns 20 minutos a menos também cairiam bem, o filme continuaria gigante, mas talvez alguns diálogos e  cenas com informações redundantes poderiam ser enxugados. E poderia-se ter alguma tensão a mais em algumas cenas que ficaram bem mornas. Nem é em relação à ação, pois não é a proposta do filme ter cenas explosivas, falo da ênfase em acontecimentos relevantes no andamento da trama, alguns diálogos e as próprias atuações, em determinados momentos poderiam ser mais impactantes e enérgicos, menos sutis e suaves.


Então novamente caímos na questão da referência ao velho, ao clássico, ao já pré-estabelecido. Scorsese não se preocupa em trazer novidades em O Irlandês, pois faz uma espécie de referência à carreira de todos os envolvidos na produção. E essa nostalgia, especialmente ao ver os três atores centrais juntos, torna o filme uma experiência memorável no sentido literal da palavra, trazendo aos cinéfilos que acompanharam a carreira deles um pouco do que foi visto e reverenciado naquelas épocas passadas. A própria trama do filme, por mais que seja baseada em fatos reais, tece paralelos e metáforas não apenas ao mundo do crime, mas à passagem do tempo, a envelhecer, a ficar solitário. Existe uma construção bem sutil sobre errar e perder coisas no caminho, na medida que o tempo passa. 


O próprio recurso do rejuvenescimento digital dos atores em diferentes fases da vida, acaba tendo esse intuito de explorar a passagem do tempo de forma simbólica. Aliás, nas questões técnicas, o filme tem bela direção de arte e iluminação. Os figurinos e a fotografia são competentes, apesar de contidos e mais realistas. A trilha sonora também surge de forma mais sutil, por vezes melancólica. 

O Irlandês é um cinema à moda antiga, maduro e que tem algo a contar. Sim, algo que já foi contado antes, em alguns casos de melhor forma, mas que aqui ainda é bem feito. Destaque para as ligações entre política e máfia e como alguns presidentes americanos podem ter se envolvido nisso. Inclusive, gostaria de ter visto mais detalhes disso. Há algumas poesias e sutilezas no drama, na passagem do tempo, em como os personagens enxergam o mundo. Existe pouca diferença entre mafiosos, criminosos, políticos e autoridades em geral: todos são na maioria homens brancos, ricos, que fazem atrocidades pelo poder e que se acham certos ao fazer isso. Por fim, basicamente esse é o cinema do Scorsese, figuras que querem o poder, e no caminho dessa busca por ele, tiram e perdem vidas, famílias e a humanidade. Ficam as lembranças do que um dia já conquistaram e perderam. 


E não seria assim também com os artistas, que um dia já dirigiram ou atuaram em filmes marcantes? Não teria então em O Irlandês essa ode ao passado, traçando paralelos entre mafiosos/artistas e seus declínios (ou apenas aposentadoria) de carreira? Em tempos em que Scorsese falou que filmes de super-heróis não tem tanta arte, o que até certo ponto está certo, O Irlandês fala, de certa forma, sobre outros tempos cinematográficos, e revive um pouco disso. Ao fim do longa, a porta entreaberta simboliza que mesmo não estando nos holofotes centrais, o cinema de Scorsese, De Niro, Pacino, Pesci e outros sempre poderá voltar. Uma volta mais madura e referenciada, talvez saudosa, mas ainda relevante. 


Título Original:  The Irishman

Direção: Martin Scorsese

Duração: 210 minutos

Elenco: Al Pacino, Robert De Niro, Joe Pesci, Harvey Keitel, Bobby Cannavale, Ray Romano, Stephen Graham, Anna Paquin, Jesse Plemons, Steven Van Zandt.

Sinopse: Conhecido como “O Irlandês”, Frank Sheeran (Robert De Niro) é um veterano de guerra cheio de condecorações que concilia a vida de caminhoneiro com a de assassino de aluguel número um da máfia. Promovido a líder sindical, ele torna-se o principal suspeito quando o mais famoso ex-presidente da associação desaparece misteriosamente.

Trailer:


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