Crítica: Bacurau (2019, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles)

*Crítica escrita pela nossa colaboradora Naiara Speretta Ghessi

“Quem nasce em Bacurau é o que? É gente”. Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes e um dos favoritos para representar o Brasil no Oscar de 2020, o filme vem causando um misto de sentimentos por onde é exibido. A trama inicia-se ao som da canção Não Identificado, de Gal Costa, com uma cena panorâmica do globo terrestre que termina na estrada em direção a pequena cidade de Bacurau, onde a história se passa em um futuro próximo.

Nesse primeiro momento, acompanhamos alguns dos habitantes desse espaço por meio dos movimentos da câmera e cabe, aqui, um destaque a primazia com que os diretores – Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles – trabalham os ângulos do filme e a mixagem dos sons. Os personagens são heterogêneos e, ao vivenciarem vários conflitos internos, também se mostram complexos e profundos, dentre eles, há o professor, a médica, as prostitutas, o DJ, os assassinos, ou seja, as figuras que compõem essa cidade, localizada no sertão nordestino, cidade esta que talvez seja a grande protagonista do filme.



  O tom pacato da trama muda com a passagem de uma cavalaria desenfreada pela cidade e a visita de um casal de forasteiros que diz não encontrar o município no GPS. A partir daí, presenciamos uma invasão em Bacurau e o modo como os moradores reagem a esses acontecimentos. Uma das primeiras providências desse grupo de invasores é “tirar” a cidade do mapa e essa é uma metáfora interessante, pois não constar no mapa é não ser reconhecido como existente, ou seja, já se inicia um processo de extermínio e, nesse sentido, a cena em que o professor não consegue encontrar a cidade no mapa digital para mostrar aos seus alunos, mas o apresenta em papel, evidencia a importância de se ver representado.

  Estamos diante de uma história de resistência de uma cidade construída em torno da memória coletiva, da cultura e da identidade nordestina. Essa ideia pode ser reforçada por meio das diversas manifestações culturais apresentadas – como a capoeira, o violeiro –, as tradições e a valorização do museu e da escola local. A cena em que os dois forasteiros passam por Bacurau e são convidados a conhecer o museu da cidade, mas recusam, é um exemplo da importância que os moradores dão a esse espaço.  



  Como escreveu Euclides da Cunha, “o nordestino é, antes de tudo, um forte” e essa é uma mensagem potente no filme, sobretudo, ao considerar o atual panorama político, social e cultural do nosso país. Dessa forma, o filme, dentre outras questões, retrata um sertão e um Brasil marcado pela pluralidade e pela força que poderia resultar de sua diversidade e união.

  O elenco é excelente e as atuações contribuem para o bom desenvolvimento da trama, sobretudo, Sônia Braga, como a médica Domingas, e Udo Kier, como Michael, o sniper estrangeiro. A cena que eles dividem é uma das mais pungentes do filme e alegoriza a essência do grupo ao qual cada um pertence. 



  O filme –  uma espécie de faroeste moderno – tem uma fotografia belíssima de Pedro Sotero que evidencia, por meio dos contrastes e das cores do céu e do pôr do sol, as paisagens naturais do sertão nordestino. A trilha sonora ficou por conta dos irmãos Mateus Alves e Tomaz Alves Souza e é predominantemente brasileira, além de se encaixar perfeitamente nas cenas. O longa é muito bem realizado e merece todos os louros que vem colhendo.
A estreia está prevista para o dia 29 de agosto e esse filme é um ótimo exemplo da importância de se investir em cultura e arte no nosso país, num momento em que os órgãos responsáveis por esse financiamento vêm sendo alvo de ameaças, por isso vamos prestigiar o cinema brasileiro. Bacurau é poético, magistralmente dirigido, completamente necessário e violento à la Quentin Tarantino, uma montanha russa de emoções que vale cada minuto. 
   

Título Original: Bacurau

Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Duração: 132 minutos 

Elenco: Sônia Braga, Bárbara Colen, Udo Kier, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Thardelly Lima, Wilson Rabelo, Carlos Francisco

Sinopse: Daqui a alguns anos… Bacurau, uma pequena cidade do sertão brasileiro, lamenta a perda de sua matriarca, Carmelita (Lia de Itamaracá), que viveu até os 94 anos. Dias depois, seus habitantes percebem que sua comunidade desapareceu da maioria dos mapas.  

Trailer:
E você, já assistiu a este grande filme? Também apoia nosso cinema nacional? 

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