Crítica: Bastardos Inglórios (2009, de Quentin Tarantino)



Dando continuidade ao nosso especial de filmes de Quentin Tarantino, chegou a vez de um dos queridinhos do diretor: Bastardos Inglórios. O filme, lançado em 2009, é inspirado livremente na real Operação Greenup e narra diferentes histórias que se cruzam em uma França sob o domínio nazista.

Um grupo de soldados de diferentes nacionalidades, comandados por Aldo Raine (Brad Pitt), ronda o território francês, matando e escalpelando todos os soldados nazistas que encontram. Simultaneamente, Shoshanna Dreyfus (Mélanie Laurent), uma jovem judia, fugitiva de um massacre, gerencia um cinema que herdara de sua tia. Os destinos dos dois grupos são colocados no mesmo caminho quando o cinema de Shoshanna é escolhido como local da premiere de um filme que contará com a presença de membros do alto escalão do partido nazista.

A história é contada em uma um divisão de cinco partes que são preenchidas por
cenas que intercalam os personagens mais importantes, como Shoshanna, Hans e os Bastardos Inglórios. Tais cenas não necessariamente possuem muito movimento, mas que, por
contrapartida, possuem muitos diálogos que ascendem a tensão mostrada,
ponto positivo e ilustrativo para a capacidade artística do diretor.
 

No geral, esse é o padrão de composição da direção
do filme. Takes em um mesmo ambiente,
aberto ou fechado, dando uma sensação imersiva de espacialidade,
preenchida pelos personagens que ali habitam, de forma a não nos
cansarmos do que estamos vendo ou do lugar onde todo aquela parte da
história está acontecendo.
Claro, sempre há cenas de pura violência, sangue, tiros e explosões, afinal, estamos falando de um filme do Tarantino, mas em Bastardos inglórios há um equilíbrio bem estipulado entre as  duas forças cinematográficas do diretor: o sangue e os diálogos.

 
Diálogos que, aliás, são o melhor ponto do filme. São naturais, intensos e, acima de tudo, verossímeis. A fama de Tarantino vem de, principalmente, escrever diálogos que não parecem meramente cartilhas de roteiro. São críveis e parte integrante do todo do filme. As conversas entre os personagens fluem e dão força ao que o diretor deseja passar, mantendo momentos de pura tensão e suspense em que são mostrados somente dois personagens conversando.

Um
excelente exemplo disso é a cena inicial que apresenta o provável
grande antagonista do filme, o general Hans Landa (Christoph Waltz). Numa longa
e recheada cena de diálogos, sentimos o suspense ascender e o tema do
filme ser minuciosamente pintado. Só da mera gestão de símbolos e palavras
em uma conversa que parece corriqueira, entendemos  todos os elementos
do filme: crueldade, raiva e resistência.

 
E se tem algo que possa ser dito da atuação, está com certeza em Christoph Waltz. O ator é a estrela do filme em praticamente (se não todas) as cenas que aparece. Mesmo quando temos outros atores mais reconhecidos pelo grande público, como Brad Pitt, ele ainda é o centro das atenções. O personagem e o ator parecem feitos um para o outro, ponto que, anteriormente quando escrevia o roteiro do longa, antes mesmo de Kill Bill, fez Tarantino quase desistir do projeto por achar que não havia ator que conseguisse representar o personagem.

Outro
ponto de qualidade do filme está nas línguas faladas. Dentro da
narrativa, temos a mistura de várias nacionalidades, tanto dos atores
tantos dos personagens e países, o que necessariamente significa
diálogos em outros idiomas que não sejam o original da produção. Na
maioria dos filmes, há uma aceitação de que todos falam seus idiomas
nativos, embora soem como inglês para todo o resto dos espectadores. No
caso de Bastardos Inglórios, fica claro que Tarantino possui suficiente
legitimidade no campo cinematográfico para ter mais de quatro
idiomas em um filme, colocando mesmo o público mais averso à legenda,
como os estadunidenses, para ler algumas várias linhas.

 
Mas, dentro do mar de perfeições que o filme é, seus problemas estão de certa forma fora dele. A salada mista de referências e clichês que funcionam, principalmente para um público mais jovem, mas deixam margem para também uma apropriação e ressignificação de temas que podem colocar em cheque se ainda vemos um excelente filme ou uma orquestra bem feita de copiar e colar da história do cinema (que, aliás, é uma crítica constante à outros filmes do diretor).

Também, há
toda uma polêmica envolvendo a atriz Diane Kruger e uma determinada
cena em que sua personagem é asfixiada. As mãos que apertam a
garganta da atriz são do próprio Tarantino. Diz o diretor que preferiu por ele mesmo executar o momento com atriz por medo de que Christoph Waltz exagerasse na dose, e também ressaltando que a atriz estava ciente que seria sufocada. Nas infinitas problemáticas dessa relação entre diretor/atriz aqui inseridas, entramos no dilema se tudo é válido pela cena, pela arte cinematográfica, na justificativa de que todos ali estavam de acordo sem ressaltar algumas relações de hierarquia e gênero, relembrando momentos mais do que problemáticos na história do cinema com Hitchcock e sua filosofia de “atores são gado”. 

A situação não melhora quando “gentilmente” lembramos das posições de Tarantino (ou falta delas) referentes aos inúmeros casos de abusos e assédios por produtores famosos em Hollywood, como no caso de Harvey Werstein e o movimento Me Too, ou ainda na acusação feitas por Uma Thurman e outras atrizes sobre como o diretor é abusivo. A própria Diane Kruger já comentou a cena, dizendo que não sofrera nenhum abuso por parte do diretor na gravação do famigerado momento. O que fica aqui, é a eterna questão de como, ou mesmo se é possível, isentar a obra de seu autor.

Bastardos Inglórios é um filme inegavelmente acima da média. Seus personagens são realistas, atores em um jogo de sobrevivência e resistência
ao regime fascista de extrema direita.  O sistema de
conflitos e a possibilidade de colocar as mãos naqueles que lhe fizeram
mal são os motores de toda a trama, pincelada com vingança e uma certa
justiça kármica.
Seus problemas ficam no universo externo e social, principalmente no que tange o diretor. Mas, como uma obra e sua estrutura, é excelente. E claro, deixa um recado bem preciso e didático de qual é o melhor lugar do nazismo/fascismo e suas crias: um cinema em chamas, tão quente quanto o inferno judeu, ao som da vingança de uma mulher judia.



Título Original: Inglorious Basterds

Direção: Quentin Tarantino

Duração: 153 minutos

Elenco: Mélanie Laurent, Brad Pitt, Christoph Walts, Diane Kruger e Daniel Brühl.

Sinopse:
Um grupo de  soldados, de diferentes
nacionalidades, que ronda o território francês em busca de matar e
escalpelar todos os soldados nazistas que encontram. Simultaneamente,
Shoshanna Dreyfus, uma jovem judia, fugitiva de um massacre, gerencia
uma cinema que herdara de sua tia. Os destinos dos dois grupos são
colocados no mesmo caminho quando o cinema de Shoshanna é escolhido como
local da premiere de um filme
que contará com a presença de membros do alto escalão do partido nazista.

Trailer:


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