Crítica: O Rei Leão (2019, de Jon Favreau)

Embora a Disney tenha feito diversas animações ao longo de sua existência, uma delas, em especial, marcou toda uma geração. O Rei Leão foi lançado em 1994 e aclamado pela crítica, não só por sua história, mas também por sua trilha sonora, e se tornou o filme favorito de muitas crianças e adultos naquela época. Hoje, na era das live-actions, temos a chance de ver esse desenho ganhar vida.

Durante meses, os trailers fizeram todos se animarem. Não há quem diga que neles há algum defeito. Ao contrário de outras adaptações, como Aladdin (2019), desde o anúncio do filme até a escolha do elenco e os lançamentos das músicas, a internet não abriu a boca para falar negativamente de qualquer aspecto, as expectativas mais altas do que nunca, afinal, esse é o clássico dos clássicos, e com os clássicos temos respeito.

Agora que o filme já estreou, as pessoas podem conferi-lo e tirar suas próprias conclusões. O lado negativo de se criar muitas expectativas ao redor de algo é que você pode tanto se apaixonar ainda mais quanto se decepcionar, e, nessa adaptação, a balança pende para os dois lados.

Os estúdios Disney já mostraram que, de uma forma ou de outra, as live-actions estão para ficar. Algumas delas, tais quais Alice no País das Maravilhas (2010), Malévola (2014) e Mogli: O Menino Lobo (2016), foram traduzidas de uma maneira mais livre, buscando trazer mais o sentido e a essência da história do que levar para o público algo que eles já conheciam, e se saíram bem. Já outras, como A Bela e a Fera (2017), tiveram uma tradução praticamente literal das animações – cena por cena, enquadramento por enquadramento, fala por fala, quase nada de novo para acrescentar. Essa última categoria é, geralmente, a mais criticada, e é nela que esse novo O Rei Leão se encaixa.


Tudo continua o mesmo. O nascer do sol abre o filme e somos apresentados à selva com Circle Of Life/Ciclo Sem Fim. Conhecemos Mufasa, Sarabi e seu adorado filho, Simba, apresentado aos animais pelo sábio Rafiki. Scar não vai prestigiar o nascimento de seu sobrinho, futuro rei, e cria problemas com seu irmão. Por ser invejoso e egocêntrico, na infância de Simba, ele faz o filhote tomar péssimas decisões envolvendo sua melhor amiga, Nala, e a narrativa segue como a conhecemos.

Com um elenco de peso, o trabalho dos atores é ótimo. Jd McCrary (A Chefinha) e Shahadi Wright Joseph (Nós) emprestam suas vozes para os filhotes Simba e Nala, respectivamente, enquanto Donald Glover (Guava Island) e Beyoncé Knowless-Carter (Dreamgirls – Em busca de um sonho) assumem a versão adulta dos mesmos. Assim que a voz de Glover entra em cena, no meio de uma canção, notamos o crescimento da personagem, e é como se uma camada fosse acrescentada a Simba naquele momento. Beyoncé como Nala, contudo, foi uma opção um tanto quanto superestimada. Sua voz está, como sempre, maravilhosa e ouvi-la cantando Can You Feel The Love Tonight/Nesta Noite o Amor Chegou é ótimo. Isso não significa que a sua presença, que causou uma enorme comoção nas redes sociais, seja infinitamente significativa para o longa, e isso se deve, principalmente, pelo fato de sua participação ser breve. James Earl Jones, o Mufasa da dublagem original, volta para o elenco e entrega um trabalho que, quando ele abre a boca, é possível sentir a nostalgia.

Por mais que os dubladores tenham entregado seu potencial vocálico de maneira válida, o maior problema desse filme é a falta de encaixe. O realismo dos animais, seja dos leões, do pássaro Zazu ou de Timão e Pumba, fez com que toda a emoção fosse disseminada de suas expressões. Assim, as falas são, em grande parte, muito mais profundas do que a face das personagens transmite. Por vezes havia algum tipo de piada ou tom dramático cujo som não condizia com o que estava passando na tela, o que causa incômodo e desconforto, nos distanciando das personagens.


Além disso, havia momentos em que as personagens pareceram não encontrar suas personalidades. Scar, por exemplo, antes altamente sarcástico agora ganha um tom sombrio, e Zazu, que no filme original é só um grande mandão, tenta fazer piadinhas fora de hora. Timão e Pumba foram o ponto alto da comicidade do remake, e é quando eles entram em cena que o riso vem sem esforço. Infelizmente, Rafiki foi apagado e sua participação marcante na animação se torna uma breve passagem.

Com uma nova roupagem, as músicas de 1994 continuam neste, e foram novamente trabalhadas por Elton John e Hans Zimmer. A trilha sonora é um dos pontos altos do live-action e permeia quase o filme todo, ditando o tom de boa parte das cenas e nos trazendo para perto de uma narrativa que nos afasta. Beyoncé também escreveu uma música para a trilha sonora, Spirit, que pode não funcionar muito bem quando se ouve aleatoriamente, mas, no filme, cabe. Um ponto a ser exaltado é que não há uma quebra brusca entre as canções e as demais cenas; elas chegam de uma forma tão sutil quanto poderiam, e, quando se vê, já estão lá. Essa é a melhor forma de inseri-las na trama, e esse trabalho foi executado com sucesso.

Com 118 minutos de duração, essa adaptação conta com meia hora a mais do que o filme original, contudo não entrega conteúdo que preencha o espaço. O filme passa rápido e é fácil de assistir, e o que parece ter acrescentado foram apenas períodos de pausa entre uma cena e outra, com imagens da selva que preenchem os olhos. A meia hora a mais não é descartável, mas ela também não é justificada, pois momentos importantes da história original desapareceram nessa recontagem. Não temos, nessa versão, Rafiki passando seus ensinamentos para Simba sobre a dor do passado doer no presente, e muito menos Scar com suas frases icônicas (“Eu estou cercado de idiotas”). Ou seja, não há nada de novo que dê algo para a história, e o que tinha foi retirado.

Outro ponto negativo é a falta de pausas dramáticas no meio dos diálogos, um erro que aconteceu também em Aladdin e se repete aqui, em outra adaptação da Disney. Em uma interessante conversa entre Simba e Mufasa, o leãozinho responde perguntas quase imediatamente, e quando Simba e Nala se reencontram mais velhos, não há muito estranhamento para se reconhecerem. Até mesmo essa parte, que poderia ser mais engraçada, tem sua diversão cortada pela falta de espaço em branco nos diálogos.

Apesar de tudo, o filme se salva também pelo seu visual. O live-action de CGI que causou confusão e aqueceu diversas discussões se saiu bem em mostrar uma realidade quase perfeita. Se pararmos para pensar, o filme inteiro foi feito por computação gráfica, e o perfeccionismo das cenas é incrível. Uma obra de arte à parte que prende os olhos do espectador na tela por não querer perder nenhum frame. Houve muita atenção aos detalhes e observá-los é uma experiência incrível. Para esse quesito, a nota é dez – e aqui ignoramos o fato de que o realismo é tão bem-feito que parece um documentário do National Geographic sobre a vida selvagem.

A fotografia é igualmente realista, e é difícil entender até que ponto isso é bom e funciona. Enquanto boa parte do filme se dá em tons de amarelo, bege e marrom, as cenas mais sombrias, mais para o final, ganham um tom frio e escuro. Em contrapartida, de vez em quando esse remake pode parecer sem cor e sem vida, ao contrário da versão de 1994, e não traz aquele ar de magia que vemos, por exemplo, na música I Just Can’t Wait To Be King/O Que Eu Mais Quero É Ser Rei.


Devido ao afastamento das personagens e o problema de sua verossimilhança, o ponto mais baixo dessa adaptação de O Rei Leão é que a alma do filme não está presente. O desespero, a tristeza, a felicidade, tudo está ali, mas não está. É difícil se apegar às personagens e mais difícil ainda se importar o suficiente com elas, o necessário para o filme fazer sentido. Você não se sente tocado, abraçado e nem parte da história, e se isso não acontece, se não há o impacto, o filme perde seu propósito. Nesse quesito, a direção de Jon Favreau (Homem de Ferro) foi falha, e esse era o erro que ele não poderia cometer.

Por fim, esse não é o tipo de longa oito ou oitenta, que ou você ama ou você odeia. É possível amar, odiar, ficar no meio termo, mais para lá do que para cá – há aspectos positivos e negativos, tudo depende do que você leva mais em consideração. Quase cena por cena, esse é o desenho que nós já conhecemos em uma versão superior nos gráficos e inferior no sentimento. Sem fazer com que os dois pontos coexistam bem, a qualidade do filme é afetada; ele entretém com uma boa vista para os olhos, nada muito além disso. Sem emoções, O Rei Leão deixa de ser o que era para se tornar um filme bonito, porém descartável, sem suas lições valiosas e que anos atrás tocaram nossos corações. É uma pena para todos os fãs que, assim como eu, aguardavam ansiosamente por essa estreia, mas que, apesar de toda a frustração, ainda vão comprar o ingresso para checar se é tudo isso o que estão dizendo. É por isso que, ainda errando, live-actions que não chegam aos pés dos filmes originais continuarão a ser feitas até encontrarem diferentes formas de reciclar tudo outra vez.

Título Original: The Lion King

Direção: Jon Favreau

Duração: 118 minutos

Elenco: Donald Glover, Beyoncé Knowles-Carter, Chiwetel Ejiofor, Alfre Woodard, Keegan Michael-Key, Billy Eichner, Seth Rogen, John Oliver, James Earl Jones, Jd McCrary, Shahadi Wright Joseph, entre outros.


Sinopse: Simba (Donald Glover) é um jovem leão cujo destino é se tornar o rei da selva. Entretanto, uma armadilha elaborada por seu tio Scar (Chiwetel Ejiofor) faz com que Mufasa (James Earl Jones), o atual rei, morra ao tentar salvar o filhote. Consumido pela culpa, Simba deixa o reino rumo a um local distante, onde encontra amigos que o ensinam a mais uma vez ter prazer pela vida.

Trailer:

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