Crítica: Shrill – 1º Temporada (2019, de Gillian Robespierre e outros)


Annie é gorda e não tem absolutamente nada de errado nisso. 
Essa é a principal mensagem transmitida pela nova comédia de Aidy Bryant (de Saturday Night Live e Sexy por Acidente), que tenta (e consegue) dar vida à uma personagem ao mesmo tempo confiante em relação ao seu trabalho e relativamente confortável em seu próprio corpo, mas que ainda sofre pela insegurança sobre como o mundo a enxerga e a trata. Em uma sociedade que prega constantemente a magreza como um objetivo de vida – através das propagandas, dos filmes, dos programas de televisão -, Shrill traz a partir da perspectiva de uma mulher gorda uma história de aceitação que vai muito além do tamanho do seu corpo.



Shrill traz um tom narrativo similar ao de Girls, que também trabalhou essas questões sobre gordofobia e aceitação, e equilibra em seu enredo momentos dramáticos e cômicos. Porém diferente da série de Lena Dunham, a nova comédia do Hulu não tenta ser ácida e sarcástica, muito pelo contrário, se esforça para ser o mais genuína e vulnerável possível enquanto lida com seu tema central, trazendo um relato extremamente real sobre o que é ser uma mulher gorda dentro de uma sociedade que cultua a magreza. A série traz uma crítica pontual sobre como a sociedade trata pessoas gordas inclusive de maneiras sutis e cordiais, como no primeiro episódio em que uma personal trainer basicamente diz a protagonista que ela está desperdiçando o potencial dela aceitando ser gorda. Constantemente Annie se vê em situações onde tem que lidar com críticas – sejam óbvias ou não – sobre sua aparência.



Porém não se engane, em momento algum a série se propõe em transformar Annie em uma vítima. Embora a personagem central seja amável e simpática, Annie também é construída para ser uma pessoa egocêntrica em inúmeros momentos da série e incapaz de demonstrar interesse na vida de outras pessoas além de si mesma, algo que eventualmente é apontado por outros personagens. A protagonista de Shrill é uma figura complexa que, entre acertos e erros, tenta tirar o melhor dentro do contexto que está inserida. Aidy Bryant entrega uma Annie cheia de sensibilidade mas forte e extremamente fácil de se identificar, atuando em equilíbrio com os momentos cômicos e os dramáticos da série. Mesmo sendo conhecida pelo seu trabalho na comédia, Bryant não decepciona quando precisa encarar as situações mais comoventes do roteiro. 


A maior injustiça da série é não dar mais espaço para Fran (Lolly Adefope), colega de quarto e melhor amiga de Annie. A personagem simplesmente rouba qualquer cena que aparece e se recusa a se desculpar por ser quem é. Fran, que também é gorda, tem uma imagem mais confiante e amável de si mesma, e não sente necessidade da aprovação de outros (ou pelo menos não demonstra), diferente de Annie. Lolly Adefepo está extremamente confortável na personagem e cria uma Fran que em certos momentos faz com que o telespectador torça que ela fosse a protagonista do seriado. Embora o roteiro de Shrill esteja longe de estereotipar a personagem, os roteiristas falham em se aprofundar na vida da mesma, a jogando no papel da melhor amiga da protagonista branca, assim transformando sua narrativa em algo raso. Porém só tivemos uma temporada de 6 episódios e Shrill já foi renovada, então há tempo de consertar isso.
Mesmo trabalhando seu tema central muito bem, Shrill erra ao retratar o romance vivido pela protagonista com Ryan (Luka Jones), um funcionário de uma loja de ferramenta com quem a protagonista mantém um relacionamento sexual por seis meses. Esse relacionamento, que desde o início já se mostrava extremamente tóxico, estava fadado a dar errado por inúmeras razões e insistir nessa narrativa a temporada inteira simplesmente não funcionou. O roteiro tenta em vários momentos amenizar o quão desonesto Ryan é, de fato, utilizando a personalidade simpática e amigável dele, porém fica claro que, mesmo se as intenções dele são positivas, seu comportamento não condiz. O fato de Annie simplesmente perdoar todo e qualquer erro cometido por ele chega ao ponto de ser incômodo para o telespectador, e nós resta apenas revirar os olhos junto com Fran, que aconselha a amiga contra Ryan desde o princípio.

Shrill consegue, mesmo que entre um erro e outro, entregar uma narrativa cruamente sincera sobre as vivências de uma mulher fora do padrão de beleza e nos faz torcer por Annie mesmo quando suas atitudes não refletem o melhor dela. A série problematiza muito bem as questões diárias enfrentadas por pessoas acima do peso, e como tudo ao redor é construído de forma a diminuir suas autoestimas. Shrill é uma série não apenas bem escrita e dirigida, mas também muito necessária nos dias de hoje.





Título Original: Shrill

Direção: Gillian Robespierre, Jesse Peretz, Carrie Brownstein, Andy DeYoung e Shaka King

Episódios: 6

Duração: 25 minutos aprox.

Elenco: Aidy Bryant, Lolly Adefepo, Luka Jonas, John Cameron Mitchell e Ian Owens

Sinopse: Shrill acompanha Annie, uma jovem que quer mudar sua vida – mas não seu corpo. Annie está tentando fazer isso como jornalista enquanto lida com namorados ruins, pais doentes e um chefe perfeccionista, enquanto o mundo ao seu redor não a considera boa o suficiente por causa de seu peso. Ela começa a perceber que é tão boa quanto qualquer outra pessoa e passa a agir de acordo.


Trailer


Não deixem de conferir!

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