Crítica: Cobra Kai – 1° e 2° Temporadas (2018-2019, de Jon Hurwitz)




Vitórias e perdas nas lutas da vida



Karatê Kid foi um dos grandes acertos dos lendários anos 80, gerando três continuações, um reboot e marcando gerações, inclusive a deste que vos escreve, em muitas assistidas da franquia na Sessão da Tarde. Costuma-se observar que hoje, praticamente tudo que já deu certo na cultura POP, cinema e TV tem recebido revisitações, reboots e repaginadas. Como não poderia ser diferente, Karatê Kid ganhou um retorno às origens. 


Embora alguns dos envolvidos nos bastidores da produção sejam os mesmos, inclusive Will Smith, a série Cobra Kai esquece do remake de 2010 com o filho de Smith (é bonito ver os erros reconhecidos) e acaba trazendo de volta personagens e elenco da trilogia de filmes originais. A tarefa era um pouco difícil, pois não havia hype em cima disso, Karatê Kid parece uma “canção batida” e hoje já não temos mais o saudoso Pat Morita como o senhor Miyagi, falecido em 2005. 


Chegando na plataforma do YouTube, mas liberado para assinantes na versão premium paga, Cobra Kai é o maior e melhor atrativo das produções com o selo “Originals” da produtora, que visa competir com Netflix, Hulu, HBO GO, Amazon Prime Video e outros streamings. Se posicionar em um mercado tão acirrado, onde as séries estão em constante transformação, é arriscado para a divisão de vídeo do Google, mas olhando por alto, se seguirem o caminho de Cobra Kai, valerá a assinatura, ao menos por alguns meses ao ano, enquanto assistimos algumas boas produções do YouTube.


Na trama, 30 anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, acompanhamos o dia a dia de Johnny Lawrence (William Zabka) e Daniel San (Ralph Macchio), antagonista e protagonista do clássico longa, respectivamente. Daniel leva uma vida bem sucedida, com uma empresa estável, esposa, uma filha e é visto pela sociedade como um herói a ser respeitado. Johnny leva uma vida totalmente contrária à do seu rival: bebe muito, não para em empregos, é separado de uma mulher viciada em drogas na qual tiveram um filho rebelde e sempre ouve dos outros críticas e se depara diante do fracasso, isso desde que perdeu a luta para o herói no clássico confronto do primeiro filme. 


Para mudar isso, Johnny reabre o dojo Cobra Kai, que antes pertencera ao seu sensei John Kreese (Martin Kove) e decide retornar às técnicas violentas e deturpadas da luta. Conseguindo diversos alunos da escola da região, um grupo de jovens Cobra Kai surge. Diante disso e da vontade de ajudar alguns jovens que sofrem perseguição, como o mexicano Miguel (Xolo Maridueña), Daniel San resolve deixar sua vida pacata e reabrir o dojo que outrora foi do senhor Miyagi.

Está tudo pronto para vermos o dojo de Daniel acabar com o de Johnny, correto? Errado.

Cobra Kai traz uma mudança de perspectiva muito bacana e inesperada: o protagonismo de Johnny, em vez de Daniel. Sob a ótica do “perdedor”, vemos como estereotipar alguém como “fracassado” pode de fato o levar por esse caminho, fazendo até mesmo a pessoa tomar um rumo obscuro. A grande pérola da série é a atuação dedicada de William Zabka como Johnny, um sujeito brigão, ignorante e intolerante. Mas tais atributos são provenientes da sua criação, seus problemas e a estereotipação de sua geração. 


Estamos falando dos anos 80, período que por mais POP e legal que fosse, tinha muito preconceito, o “herói machão” era a figura do Rambo, por exemplo, e muita gente saída desta década tem um pensamento conservador e machista devido tudo que envolvia a sociedade da época. O mesmo se estende ao seu sensei John, uma figura combatente do exército que mais parece ter saído da Guerra do Vietnã na década de 70. São homens durões que aprenderam a ser assim pois a sociedade os impôs isso.


Então entramos em outra pérola da série: o choque de gerações. Em tempos atuais, Johnny demora a se acostumar com os jovens de hoje e o fato dos mesmos serem inseguros, sofrerem bullying, terem depressão, adotarem a aparência que quiserem, terem o cabelo colorido, ter uma sexualidade diferente do padrão pré-definido, dentre outras coisas. 


Se antes tais coisas eram consideradas trejeitos de “maricas”, um insulto amplamente usado na década de 80, hoje tem-se este cuidado em respeitar e compreender a diversidade e diferença de cada um. Então esta interação de Johnny, um sujeito áspero, com jovens tão diversos, ocasionam numa mudança na vida dele aos poucos, tornando-o cada vez mais acessível, sensível e compreensivo com os dramas dos jovens. 


Johnny vê-se sempre numa encruzilhada moral. De um lado ele tende a seguir os passos de John e ser um sensei durão, ensinando a agressividade, com o foco em derrotar os alunos de Daniel. Por outro lado, também está diante dele a chance de se tornar um bom mestre e pai, se relacionar com uma boa mulher que surge no seu caminho e quem sabe, até mesmo se tornar amigo de Daniel, já que ambos compartilham do mesmo amor pela arte marcial e cultura oriental.

Em contraponto, vemos Daniel, uma figura heróica, agora fragilizada, cedendo aos seus próprios defeitos e com ânsia de ganhar novamente de Johnny. Embora à sombra de Zabka, Ralph Macchio continua entregando um Daniel competente, ainda com espírito bondoso, mas que terá sua posição calma abalada com os problemas que surgem na vida, tanto familiar e profissional, quanto na luta do dojo.



Acompanhar o caminho de ambos é muito bacana, pois surpreende que não há finais felizes para os heróis e terríveis para os vilões. O que há é a vida, a continuidade dela e como iremos lidar com isso. Adorar a imagem de alguém pode cegá-lo, enquanto que demonizar demais alguém pode levá-lo por um caminho turvo. E o fato do roteiro abordar esta complexidade de uma forma simples, limpa e palpável para que o público mainstream compreenda tudo, é digno de louvor. 

O roteiro utiliza de outras temáticas, como o já citado bullying, perigos de exposição na internet, depressão, baixa auto-estima e outras questões sociais oportunas. Nem todas são aprofundadas, mas pinceladas de forma que criemos algum laço com os jovens da série. Aí reside um pequeno problema, poucos dos jovens tem uma atuação boa. Xolo Maridueña como Miguel entrega algo razoável, assim como alguns dos coadjuvantes. 


Mas outros, como Tanner Buchanan (o filho de Johnny) e Mary Mouser (a filha de Daniel) são bem fracos em cena. Os dramas e romances envolvendo os jovens tira um pouco da vibe madura da série, mas nem tanto, pois eles tem pouco tempo em cena se comparado com os veteranos. Com curtos episódios de 25/30 minutos, não há muito espaço para “encher linguiça”, o que torna a trama dinâmica e fácil de acompanhar.



A primeira temporada apresenta diversas referências nostálgicas para os fãs da franquia, especialmente os três filmes originais. Há homenagens à Pat Morita, algumas reencenações de momentos chave e uma competente trilha sonora que pega pela memória afetiva, além é claro da adição de canções modernas. Essa primeira temporada encerra-se com um competente torneio, uma reviravolta interessante e um gostinho de quero mais.


A segunda temporada retoma de onde parou a anterior. Agora Johnny, que estava mostrando pequenas mudanças para se tornar alguém melhor, precisa lidar com o fato de seu antigo mestre, John Kreese, estar de volta e estar treinando seus alunos Cobra Kai de forma mais violenta. Enquanto isso, Daniel deixa de lado sua vida pessoal para se dedicar ao dojo, afim de que seus alunos deem o troco na equipe Cobra. 


Daniel mantém-se com uma boa moral, mas começamos a ver a dificuldade de conciliar tudo, além de precisar se reencontrar com os ensinamentos de Miyagi para não ceder à vingança. Já Johnny tenta ser alguém melhor. Muito além do que ensinar a violência, ele deseja ser um bom instrutor não somente na academia, mas na vida. Porém, com seu velho instrutor o pressionando, tudo se complica.

A segunda temporada tem uma leve queda de qualidade na primeira metade de episódios. Isso porque não há aquele fator surpresa que tivemos na primeira temporada, além de haver aqui nos 5 episódios iniciais, um foco maior nos jovens, seus romances e problemas. Embora alguns coadjuvantes sejam interessantes, os jovens principais formam um quarteto romântico desinteressante. Porém, na metade final esses dilemas começam a fazer sentido no roteiro, criando brigas aparentemente fúteis, mas que culminarão num explosivo episódio final. 


Existe aqui mais aprofundamento do personagem de Johnny, confirmando que ele é o protagonista da série. Há ainda referências ao passado, mas de forma mais argumentativa: até que ponto devemos ficar presos ao que já aconteceu? Em certo episódio de final melancólico, percebe-se que a vida passa rápido e um dia a morte vem a todos. Não pode-se perder tempo e Johnny começa a perceber isso. Mas nada é tão fácil e tanto seu sensei quanto os problemas e brigas dos seus aprendizes o puxam por outro caminho. Esta ambiguidade de Johnny é sensacional e é possível até mesmo enxergar um pouco de depressão na construção do personagem.


A segunda temporada tem dois grandes pontos altos. Um deles refere-se ao episódio em que Daniel e Johnny compartilham de uma mesma mesa em um restaurante, cada um com sua respectiva amada. Com diálogos rápidos cheios de farpas, nota-se que ambos não são tão diferentes assim e que até uma provável amizade é possível. Mas logo vem os problemas criados pelos aprendizes de cada um, onde encontram-se os filhos de ambos. Problemas que são recursos do roteiro para um “ir e vir” nas atitudes dos protagonistas. 


Problemas que ocasionam o segundo grande momento da série: a luta na escola do episódio final. Numa imensa reviravolta tanto para personagens quanto para o tom que a série vinha tomando, o episódio final traz um confronto violento e com danos reais. Todos os jovens de destaque na série, divididos entre dois dojos, lutam no corredor da escola de forma brutal, ocasionando consequências bem pesadas. Assim, Cobra Kai toma riscos de ir por caminhos mais sérios e sombrios, que deverão ser debatidos na já confirmada terceira temporada.


Cobra Kai surpreende por ter uma qualidade que você não espera, apelando desde a nostalgia, passando até mesmo por novos olhares e perspectivas. A vida não é exatamente formada por vilões e mocinhos. A vida tem lutas diárias, com perdas e ganhos. Assim, a franquia de filmes e série se assemelha à franquia do Rocky e do Creed. Ambas falam do quanto apanhamos pra vida e de como devemos nos reerguer e agir. 


Muito além de dojos e ringues, a luta da vida é dura e constante. Devemos aprender com ela. E quando temos gerações envolvidas nisso, fica mais complexo. Tudo é um aprendizado constante. Os mais velhos podem passar sabedoria aos jovens, mas os mais jovens também podem ensinar novos truques aos mais antigos. E estes conflitos entre senseis e aprendizes, entre pais e filhos, é um deleite de acompanhar. Que os roteiristas não se percam no caminho. E que Cobra Kai nos entregue mais deste universo nostálgico, porém atualizado.

Observação: queremos para já a adição de Elisabeth Shue na terceira temporada. Ela foi o interesse romântico de ambos protagonistas no filme original e a julgar pelo final da segunda temporada …

Elisabeth Shue no primeiro Karatê Kid.
Elisabeth Shue hoje.

Título Original: Cobra Kai





Direção: Hayden Schlossberg, Jon Hurwitz e Josh Heald



Duração: aproximadamente 30 minutos por episódio.
Elenco: Ralph Macchio, William Zabka, Courtney Henggeler, Tanner Buchanan, Jacob Bertrand, Mary Mouser, Xolo Maridueña, Martin Kove.

Sinopse: Situada 30 anos depois dos eventos do clássico Karate Kid, a série de 10 episódios mostrará Johnny Lawrence em busca de redenção e reabrindo o infame dojo Cobra Kai. Com isso, ele trará de volta sua rivalidade com o bem sucedido Daniel, que tenta manter a vida em equilíbrio sem a ajuda de seu mentor, o Sr. Miyagi.


Trailer 1° Temporada:

Trailer 2° Temporada:

E você, é fã de Karatê Kid? Já viu a série Cobra Kai? Curtiu? Partipe!

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