Crítica: Cuba e o Cameraman (2017, de Jon Alpert)

Cuba e o Cameraman abre com o momento mais simbólico da história cubana desde sua revolução, em 1959: a morte de Fidel Castro. O jornalista, documentarista e cineasta Jon Alpert está no país na mais recente de suas inúmeras visitas para cobrir a morte do líder revolucionário que inspirou suas diversas viagens. E é através dessas constantes idas que acompanhamos, como uma incursão histórica, todo o funcionamento da sociedade cubana pós-revolução através daqueles que mais têm o que dizer: seu povo.

É necessário firmar aqui que não acredito em uma possibilidade de imparcialidade perante um assunto que tange noções políticas, históricas, sociais, dentre outras. Porém, há dois fatos interessantes no propósito e na forma com que este documentário é montado. Primeiro, temos uma visão através das lentes de um jornalista estadunidense (ou seja, oriundo de um país historicamente inimigo da Revolução) que decide ver como a sociedade funciona direto da fonte por pura vontade.


E segundo, o que, na verdade, torna-se consequência do primeiro fato, a forma com que Alpert documenta e monta todo o material imagético busca – ainda que a impossibilidade disso seja evidente – retratar os acontecimentos da maneira mais histórica possível. Ou seja, o jornalista se distancia de uma posição abertamente ideológica para simplesmente gravar e documentar aquilo que está exposto aos seus olhos.

Logicamente, o processo da montagem, por si só, é um processo ideológico quando falamos de um filme – principalmente em um documentário -, pois ainda que se busque capturar as imagens e a história da maneira mais passiva e neutra possível, o momento de articulação de sua sequência é o momento em que a criatividade do diretor influi sobre o material visual. E essa criatividade está diretamente ligada ao que o próprio diretor ou montador acredita e idealiza como filme, ou seja, o fator ideológico presente em um documentário está, sobretudo, na justaposição de imagens, o que nunca isenta um filme assim de qualquer posicionamento.

Mas, indo diretamente à análise crítica da obra – que, aqui, é imprescindível de ser colocada ao lado de fatores que extrapolam a mesma -, temos um documentário muito bem trabalhado que, através das visitas realizadas por Alpert e sua equipe durante quatro décadas a Cuba, documenta a vida cotidiana de habitantes do pequeno país e como eles levam sua existência, tudo isso relacionado aos fatores econômicos, sociais e culturais do local.

A montagem do documentário se articula de uma maneira fluida, transitando linearmente pelo período histórico recortado, e dessa forma acompanhamos documentações desde 1975, ano em que Alpert foi a Cuba pela primeira vez, até 2016, o ano da morte de Fidel. As transições são destacadas pela numeração da data, e a utilização da trilha sonora tradicional cubana auxilia na naturalização das imagens. O que se vê sobre a tela se sobrepõe de um modo que o espectador não se canse – algo muito presente em documentários – e é sempre reforçado um bom humor narrativo.

Dessa maneira, Alpert monta assim seu diário de incursões de uma maneira comparativa e apoiada em personalidades específicas. O que quero dizer com isso: o diretor escolhe algumas figuras comuns do povo para acompanhar e documentar durante todas suas visitas. A mais icônica e emocionante, é claro, a dos três irmãos fazendeiros. Assim, o artifício narrativo escolhido pelo jornalista se apoia nessa visitação periódica e situacional da vida cotidiana.

E, afinal, esse é o interesse maior do diretor: explorar essa cotidianidade dos cidadãos cubanos e como ela se articula com aquilo que é falado sobre Cuba para o mundo afora. Alpert então aproveita para desmistificar muitas não-verdades articuladas pela mídia imperialista sobre o país após a Revolução, principalmente no que remete a seu período de grande crescimento (até, mais ou menos, a década de 80). Somos então diretamente confrontados com tudo aquilo que acreditávamos sobre o país e sobre aquela forma de governo, algo fortemente influenciado também pela proximidade que o diretor tem de Fidel. Em várias visitas ele se encontra com o líder e chega até a desenvolver um senso de companheirismo com o mesmo, sendo muitas vezes o único jornalista estadunidense permitido a acompanhar o revolucionário.

Alpert então aproxima o espectador da figura de Fidel e a desmistifica, mostrando assim que, acima de qualquer mitificação ou demonização, ali há um ser humano que precisa governar e, consequentemente, tomar decisões, sejam elas para o povo ou não. Grande sacada do diretor.

Porém alguns pontos são destacados pelo diretor de uma maneira que acaba por demonstrar esse inevitável deslize ideológico, seja na forma com que retrata os anos difíceis para Cuba (após a queda da URSS), seja nas imagens em que demonstra o amor do povo a seu líder. No entanto, tendo a ver esses desvios como algo inevitável à tentativa neutral de Alpert e um fato não tão criticável como poderia ser caso o documentário fosse articulado de outra maneira.

Dessa forma, o diretor então consegue fazer um grande apanhado da história cubana através de seus personagens principais, pois uma revolução socialista é feita pelo povo e para o povo. Alpert transita pelos mais diversos tipos de pessoas que compõem a sociedade cubana e adentra em sua cotidianidade para retirar, de sua condição simples, pensamentos extremamente complexos sobre a sociedade e a humanidade. Seja através de três irmãos eternamente camponeses ou de uma mulher que, anos antes queria ver a família toda reunida em Cuba, e foi depois para os Estados Unidos.

Há uma tentativa de imparcialidade evidente, e isso torna o documentário menos potente. Em casos como esse, deve-se sempre estar de um lado, especialmente o da verdade. Porém essa tentativa inocenta Alpert de mentir, e isso torna o documentário mais humano. É através disso e da justaposição de imagens que o diretor mostra ao mundo que Cuba é muito mais do que aquilo que é propagado pela mídia, que Fidel é um ser humano muito mais complexo e interessante do que sua figura demonizada, e de que o povo se faz suficiente ao acreditar naquilo que é dele.


Assim, Cuba e o Cameraman se faz um comovente retrato de uma sociedade ímpar, advinda da miséria e construída na luta contra esta, fruto de uma revolução que com certeza é o evento mais importante de sua história. Fato muito curioso vindo de alguém estadunidense, mas que mostra também que a empatia existe em qualquer lugar do mundo, ainda que, às vezes, esteja praticamente enterrada.


Título original: Cuba and the Cameraman

Direção: Jon Alpert

Duração: 114 minutos

Elenco: Jon Alpert
Sinopse: Documentário que acompanha o líder revolucionário de Cuba, Fidel Castro, e também três famílias afetadas pela sua política através do olhar atento do fotógrafo Jon Alpert, que com uma uma câmera portátil realizou um retrato detalhado do país comunista em trés décadas.

Trailer:

Muitas coisas sobre países fora do capitalismo chegam a nós de maneira totalmente alterada. Caso tenha se interessado pelo assunto, comente!

1 thoughts on “Crítica: Cuba e o Cameraman (2017, de Jon Alpert)”

  1. Excelente documentário. Chamou minha atenção o medo que eles tinham de falar do regime. Quando perguntados de alguma coisa sobre o regime eles desconversavam por medo.

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