Crítica: The Umbrella Academy – 1ª temporada (2019, de Jeremy Slater)

Em meio ao cancelamento em massa das séries de super-heróis do catálogo, The Umbrella Academy, a mais nova série de mesmo tema da Netflix, chegou ao serviço streaming com muita expectativa e promissão. 

Em 1989, 43 mulheres ao redor do mundo deram à luz no mesmo dia, mas antes de começar este dia, nenhuma delas estava grávida. Sir Reginald Hargreeves (Colm Feore), um milionário excêntrico, adotou sete dessas crianças, criando-as de forma a desenvolver suas habilidades peculiares. Assim, fundou a “Umbrella Academy“, lar de crianças de dons extraordinários, como também uma liga de combate ao crime. Trinta anos depois, com a família fragmentada e completamente desestruturada, por conta de desaparecimentos, mortes e traumas, os membros restantes precisam se reunir para enterrar o tão odiado pai. Revivendo o passado que os fizeram partir e se distanciar, juntamente com os problemas pessoais do presente, os cinco irmãos restantes são surpreendidos pelo retorno de Número Cinco (Aidan Gallagher), afirmando que o mundo vai acabar em apenas 8 dias.


Antes de tudo, é importante ressaltar que The Umbrella Academy é baseada na HQ de mesmo nome, escrita por Gerard Way, ex-vocalista da banda My Chemical Romance, e ilustrada pelo brasileiro Gabriel Bá. As diferenças e similaridades entre os quadrinhos e a série na Netflix não serão o principal material de comparação, principalmente pelo fato de serem obras distintas, diferentes formas de narrativa. Mas, ainda sim, é importante ressaltar a obra original, ainda mais quando um brasileiro é o ilustrador.

O enredo ao longo da temporada é bem feito. Ficamos interessados nos mistérios da série assim como nos dramas de cada personagem. Como temos seis protagonistas que dividem seus arcos pessoais com a trama geral – o apocalipse – é notória a dificuldade de equilíbrio de cenas para deixar tudo palatável. Entendemos como a péssima criação que tiveram influenciou grande parte das decisões erradas que os levaram aos problemas mais atuais. Criamos um bom afeto e empatia pelos personagens, nos importando com seus futuros, suas perdas. 

Porém, alguns personagens nessa mesma tentativa de equilíbrio ficam um pouco para trás de outros. Allison (Emmy Raver-Lampan), por exemplo, possui um arco pessoal que fica reduzido, mostrado brevemente em uma abertura, dando a impressão que a personagem está ali para servir de motor para os arcos de sua irmã e irmãos. A personagem da mãe está numa situação parecida, deixando a relação dela com os seis filhos não profunda, e consequentemente não empática, sentimos falta de mais algumas cenas de como a figura materna, mesmo sendo um robô, era responsável por toda a atenção e carinho de todas as sete crianças. 

Esse problema está muito relacionado ao modo de escrever roteiros da Netflix. A temporada é feita quase como um bloco e chega aos serviços streaming um pouco fechada. Essa forma resulta em um pacote de episódios com pouca independência, necessitando uma evolução de enredo que, às vezes, não agrada todos os públicos. Podemos ver o contrário disso em séries de TV aberta, novelas e afins, em que conforme a interação com o público, ou respaldos de audiência, determinadas coisas vão modificando a própria forma da produção. Um maior cuidado com partes do roteiro que deixam o episódio em si mais interessante. Ou seja, mais episódico. 



Prova disso está no sentimento de que as séries da Netflix demoram para engatar, e apenas na metade da temporada que o enredo fica animado, catalisando em um clímax no penúltimo episódio, deixando o último para uma “ressaca” de acontecimentos e ganchos para uma possível futura temporada. Isso também acarreta numa circunstancial facilidade em desvendar os segredos que irão fazer parte da temporada, coisa que acontece com The Umbrella Academy (mas não estraga a experiência, ao meu ver). As correções da temporada, como um todo de produto final, são deixadas apenas para temporada seguinte.



Ainda, existe um perigo muito sorrateiro em histórias que, de alguma forma que seja, envolvem viagens no tempo. O encadeamento lógico de enredos que vão e voltam nas mais diversas realidades e linhas temporais causam, e com uma frequência muito mais comum do que se imagina, paradoxos e inúmeros furos de roteiro. Exige um cuidado que mesmo as produções mais famosas do gênero acabam por perder, estragando toda uma evolução narrativa por conta de um detalhe que, mesmo sorrateiro, destrói tudo quando aparece, ironicamente semelhante ao efeito borboleta da teoria do caos. Existem perigos aqui que a série cambaleia, prestes a cometer erros quase que imperdoáveis, que ainda não aconteceram, mas alguns detalhes (que não serão citados por conta de spoilers), já mostram um sinal ou outro de fraqueza.

Mas, de qualquer forma, é inegável a qualidade essencial da série em gerar uma vontade de continuar assistindo. Terminamos um episódio e já queremos passar para o outro. The Umbrella Academy é uma forte candidata ao posto de “série maratona” da Netflix.

As inspirações e referências do roteiro são facilmente identificadas e coloca uma diversão extra. Temos com clareza de que X-men, Watchmen e Misfits,
foram quase que uma base para a história, ainda mais pela escalação de
alguns atores, como Ellen Page que vivera a Lince Negra na escola de
mutantes, e Rober Sheehan que vivera o desnaturado Nathan em seus dias
de reformatório. Ainda, temos um pouco de Fringe, Doctor Who e, principalmente, O Fim da Eternidade, um dos principais livros de Isaac Asimov. 

Isso significa coisas boas e ruins. Considero boas no sentido de criar novas possibilidades por conta da gama de boas inspirações, mas pode ser algo ruim quando pode prejudicar a identidade da história. Como, por exemplo, a atuação de Page e Sheehan. São bem parecidas com a de seus personagens anteriores, deixando a referência num limiar muito perigoso, mas que por enquanto funciona. De resto, as atuações são também de uma qualidade elevada. Os demais membros do elenco são bem competentes, dando realidade o que está acontecendo, em especial Aidan Gallagher, que arrasa vivendo no papel de Número Cinco.

A trilha sonora de The Umbrella Academy talvez seja um dos pontos altos da produção, quiçá o mais. É notório que cada música tenha sido escolhida de forma minuciosa, e correta, para cada situação. As músicas vão de Queen, Nina Simone, a Noel Gallagher e o próprio Gerard Way na música de encerramento da temporada. O uso das músicas como aberturas contextuais, que iniciam o episódio introduzindo algum assunto importante da série, ficou excelente, dão uma força absurda ao sentimento desejado pelo enredo naquela situação, principalmente nas cenas de fatos passados como de Luther e Número Cinco.

A diversidade anteriormente citada, através das músicas, se mescla muito bem com a dinamicidade da fotografia. Como estamos aqui falando de uma série que mexe, entre outras coisas, com viagens no tempo, as músicas, estéticas, meios de transporte, mobília e figurino nos ajudam a entender que há algo diferente naquele universo, que a linha de acontecimentos e contextos entre as décadas é diversa e mesclada. Não há um uso grande de cores intensas, prezando por um clima levemente sombrio que, algumas vezes, possui pitadas de humor.

Junto desta produção muito mais do que bem executada estão os efeitos especiais. Esses são bons, não maravilhosos, no ponto de deixar uma cena séria sem tons de comédia por conta da péssima qualidade de algum efeito. O que indica um alto investimento da Netflix em The Umbrella Academy, uma verdadeira aposta de suprir a vontade gritante dos fãs por séries de super-heróis num momento de cancelamento das séries Marvel dentro do catálogo.

 

The Umbrella Academy é uma grata surpresa. É divertida, criativa, bizarra e sem dúvida bem feita. Possui pontos que não são erros imediatos, mas que, se não melhorados, podem levar a série para um caminho nada promissor. Porém, que fique claro, é uma boa série, talvez mais que isso. O caminho está muito certo, basta tomar cuidado com os desvios. A mais nova filha da Netflix com certeza é um excelente suplente dos conteúdos cancelados e até muito mais.

Título Original: The Umbrella Academy



Direção: Jeremy Slater


Episódios: 10


Duração: 60 minutos


Elenco: Ellen Page, Tom Hopper, Emmy Raver-Hampman, Robert Sheedan, Mary J. Blige, Aidan Gallagher e David Castañeda, 


Sinopse: Baseada na premiada série de quadrinhos com roteiro de Gerard Way e arte do brasileiro Gabriel Bá, a série acompanha um grupo de super-heróis que foram criados
pelo enigmático Sir Reginald Hargreeves para se tornarem defensores do bem e combatentes do crime. 30 anos depois, com a família já completamente desvirtuada e fragmentada, os antigos membros da academia se reúnem para enterrar o pai. Em meio aos traumas ressurgidos do passado, um dos irmãos retorna dizendo que o apocalipse ocorrerá em 8 dias.

Trailer: 
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