Crítica: O Mundo Sombrio de Sabrina – Parte 1 (2018, Maggie Kiley e outros)

Esqueça tudo que você aprendeu em Sabrina, Aprendiz de Feiticeira. Bruxas podem ser más sim, gatos não falam – pelo menos não com reles mortais – e o inferno existe! Só não existe, como o próprio Satan está presente na reunião que sela para sempre a alma e o destino das jovens bruxas. Mas não é só nisso que a série foca. Temos muitas ideologias machistas que são brutalmente comentadas e “cutucadas”, por assim dizer. Temos muito preconceito, temos muito amor e muitas dúvidas sobre o futuro. Conhecemos uma adolescente cheia de coragem e vontades, que faz de tudo por aquilo que acha certo. Sabrina foi uma grata surpresa da Netflix que, encho a boca para dizer, talvez seja um dos grandes acertos desse ano. Confira o que achamos da primeira temporada!


Um grande erro é assistir esperando a mesma comédia purpurinada da série de 1996. A história é baseada na HQ original e, caso você tenha notado alguma semelhança com Riverdale, não é para menos, o mesmo criador que deu origem à história, também deu seu aval para a criação de Sabrina. Mas, voltemos a trama…

A série é ambientada em meio à uma floresta, que não por acaso é o lar de Sabrina (Kiernan Shipka), uma adolescente de 15 anos que é meio bruxa e meio humana. Um escândalo para a época, uma mistura de raças! Sem contar que humanos não podem saber da existência dos bruxos e os bruxos, de maneira alguma, podem interferir na vida dos humanos ou no seu livre arbítrio. Em todo caso, Sabrina está quase chegando aos 16 anos e precisa passar por um ritual no dia de seu aniversário, que nada mais, nada menos, consiste em dar, de livre e espontânea vontade, sua alma para Satan. Entretanto, isso implica em largar sua vida humana, seus amigos humanos e seu namorado humano. Muitas mudanças para uma garota fazer em pouco tempo. Nessa parte da história começamos a perceber algumas coisas que poderiam muito bem servir para o nosso convívio pessoal.


Ela não tem escolha, ela é uma bruxa e como tal deve seguir as regras à risca. Pelo menos é esse o discurso que sua tia, Zelda (Miranda Otto), deixa bem claro. Os Spellman tem um nome a zelar e não é ela que vai quebrar a tradição! Mas Sabrina não aceita de bom grado a imposição. Ser escrava, submissa e servir alguém pelo resto da sua longa vida? Ter que largar tudo e viver em uma nova realidade? Acho que não. Inclusive, há uma frase muito significativa nesse momento, quando Sabrina pergunta a outra bruxa como é após o ritual e, quando ela enfim entende que, na verdade, estará assinando um acordo de uma única via, ela reclama a Prudence (Tati Gabrielle), algo sobre não ter mais escolha sobre as suas decisões depois disso e nenhuma liberdade, ao passo que Prudence então responde: “Ele é um homem, o que você esperava?”
Por outro lado temos sua tia, Hilda (Lucy Davis), que é como fosse o oposto de sua irmã em todos os sentidos. Enquanto Zelda zela pela continuidade da história, dos rituais e da metodologia que lhe é imposta, Hilda pensa de uma maneira mais leve e contrária sobre algumas coisas. Vemos em muitos episódios que Hilda nunca se sentiu à vontade sendo uma bruxa e nunca se encaixou nesse mundo, pelo simples fato de não querer isso. Desde o princípio ela foi forçada pela família a seguir a tradição e aderir ao ritual mesmo não querendo. Segundo ela: “naquele tempo, não tínhamos escolha.” O que me lembra muito a vida das mulheres em geral, não precisamos pensar muito para entender que isso se trata de uma crítica social, o famoso mimimi que tantos homens (e mulheres – infelizmente -) falam por aí. Hilda não teve escolha, assim como muitas não tiveram. Não teve a menor chance de viver a sua vida como ela quisesse. Tudo que ela é, foi imposto. E sua personagem deixa isso bem claro com o passar dos episódios. Não é à toa que ela, mesmo sempre sorrindo, tem um ar triste e cansado.

E não menos importante, temos seu primo, Ambrose (Chance Perdomo), que está em prisão domiciliar até segunda ordem. Ele funciona como uma consciência para Sabrina. Mesmo não a proibindo em todas as ideias absurdas que ela tem, de certa forma ele tenta mostrar para ela as consequências de seus atos, como uma balança. Apesar de jovem, é um rapaz solitário e carente. Porém, um personagem muito cativante pela verdade que ele carrega. Temos também a presença de Salem, seu familiar. Não, ele não fala. Mas faz muitas, muitas outras coisas para compensar.

Sabrina tenta ir contra o sistema de todas as formas possíveis e imagináveis, mas segredos do passado voltam para atrapalhar seus planos e ela, sem saber, acaba sendo manipulada tão sabiamente e descaradamente que fica difícil acreditar que ela caiu nas armadilhas. Apesar do enfoque ser a vida dela, vimos muitas coisas discutíveis, como os seguidores da Igreja da Noite. Que basicamente é a igreja do oculto, onde os bruxos se reúnem e com o andar dos episódios, somos agraciados com várias situações que deixam bem claro o quanto essas pessoas são fanáticas e acreditam cegamente em tudo, simplesmente tudo que lhes é dito, sem nunca questionarem ou se negarem a fazer algo, por mais impossível que pareça. E ainda assim, mesmo tendo suas vidas em risco, eles se sentem agraciados pela força superior e querem seu poder e fazem de tudo para se sentirem especiais. Colocam a fé em primeiro lugar, indo contra tudo e todos que tentam diminuí-la ou fazê-los duvidar. Soa familiar?

Apesar das críticas subentendidas, Sabrina é um programa para jovens e adultos. Tem ação, drama e uma pitada de terror. É contemporâneo e ao mesmo tempo feita para os dias de hoje. Tem uma leveza e uma seriedade que é representada e carregada nas costas pela protagonista, que faz um trabalho incrível. Mas ao contrário do que se pensa, todos os personagens tem seu peso na série, mesmo aqueles que, a princípio, pareciam de menor importância, como os amigos humanos de Sabrina. Ao decorrer da história todos tem seu momento de crescer e seguir suas narrativas próprias, sem ficar carregado ou cansativo. Seu namorado, Harvey (Ross Lynch), é como sua bússola quando ela se sente perdida em seu elo com o mundo “normal”. 

Esse é aquele tipo de série que você vê um episódio e quando percebe já está há duas horas assistindo e querendo mais! É visualmente bonita, tem um ar sombrio ao mesmo tempo que é tragicamente agradável de se assistir. O segredo da série está nos diálogos. Nem tanto nas magias ou nas ações em si, mas nos diálogos! São construídos como uma linha fina entre todos os núcleos e no fim, se encontram em um grande novelo. O que basicamente quero dizer com isso, é que a história está interligada de maneiras que, particularmente, seria difícil adivinhar.

Muito mais é dito aqui, temos feminismo e algumas críticas, que parecem ser sempre necessárias de mencionar, como se esquecêssemos de algo, mesmo vivendo isso desde que o mundo é mundo. Temos uma história forte, coesa e um dos melhores trabalhos apresentados pela Netflix esse ano. Gostaria de ter gratas surpresas como essa mais vezes.

Título Original: Chilling Adventures of Sabrina 





Direção: Lee Toland Krieger, Maggie Kiley, Rob Seidenglanz

Elenco: Kiernan Shipka, Lucy Davis, Miranda Otto, Tati Gabrielle, Jaz Sinclair, Richard Coyle
Sinopse: Sabrina Spellman (Kiernan Shipka) é uma adolescente que luta para conciliar sua natureza dupla — metade-bruxa e metade-mortal — enquanto enfrenta forças malignas que a ameaçam, sua família e o mundo em que os humanos habitam.
Trailer:

Espero que vocês também tenham gostado! 







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