Crítica: Madame Satã (2002, de Karim Aïnouz)



João Francisco dos Santos, mais conhecido como Madame Satã, foi uma drag queen brasileira, considerada uma referência na cultura marginal urbana do século XX. Era analfabeto, negro, pobre e homossexual e por conta disso estava sempre à margem da sociedade. Era frequentador assíduo da Lapa, bairro onde morava no Rio de Janeiro, e conhecido como reduto carioca da malandragem e boemia na década de 20. Frequentemente, Madame Satã enfrentava a polícia, sendo detido por desacato à autoridade diversas vezes, geralmente em resposta a insultos que tivessem como alvo mendigos, prostitutas, travestis e negros, uma pessoa que se recusava a ser insultado por ser quem era.


Estes são alguns dos fatos contados com fidelidade no filme Madame Satã, dirigido por Karim Aïnouz (que apesar do nome é um diretor brasileiro), que traz Lázaro Ramos, ainda em início de carreira, na pele da personagem principal. Já então o ator dava traços de que viria a ser um dos grandes nomes do cinema nacional, principalmente devido à sua total entrega à personagem. Em pouco tempo já fica bem claro para o espectador o temperamento “pavio curto” de João, a personificação do ditado popular “não levar desaforo para casa”. O elenco de apoio, composto principalmente pelos atores Flavio Bauraqui, Marcelia Cartaxo e Emiliano Queiroz, também tem um bom desempenho.

O roteiro também conta com bons diálogos, mas a interpretação dos atores peca um pouco nesse quesito, pois dá a sensação de “texto gravado”, isto é, não soa natural para o espectador. Além disso, o recorte do filme é baseado boa parte na figura boêmia de João, na sua personalidade e sexualidade, além das suas constantes passagens pela polícia, e assim muito pouco é mostrado de como surgiu ou de onde veio a figura do Madame Satã. Pelo título, supõe-se que o filme dedicaria uma boa parte a essa fase da vida de João, que começa com a sua saída da cadeia na década de 40, quando ele se apresentou com a fantasia Madame Satã, inspirada no filme homônimo de Cecil B. DeMille.

Contudo, o filme é um registro importante por colocar como protagonista, talvez pela primeira vez, alguém que foi constantemente marginalizado pela sociedade; além disso, faz um apanhado bem introdutório sobre a vida de João, sendo interessante para os que nunca ouviram falar sobre ele. A produção também fez um bom trabalho na recriação do Rio de Janeiro da década de 30, com seus becos escuros e ruas tortuosas, além do figurino e trilha sonora, que completam e dão o tom da ambientação.


Título Original: Madame Satã

Direção: Karim Aïnouz

Elenco: Flavio Bauraqui, Lázaro Ramos, Marcelia Cartaxo, Alexandre Saggese, Aluisio Abranches, Ana Paula Cardoso, Anderson Lugão, Bruno Balthazar.

Sinopse: Rio de Janeiro, 1932. No bairro da Lapa vive encarcerado na prisão João Francisco, artista transformista que sonha em se tornar um grande astro dos palcos. Após deixar o cárcere, João passa a viver com Laurita, prostituta e sua “esposa”; Firmina, a filha de Laurita; Tabu, seu cúmplice; Renatinho, seu amante e também traidor; e ainda Amador, dono do bar Danúbio Azul. É neste ambiente que João Francisco irá se transformar no mito Madame Satã, nome retirado do filme dirigido por Cecil B. deMille, que João Francisco viu e adorou.


Trailer:


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