João Francisco dos Santos, mais conhecido como Madame Satã, foi uma drag queen brasileira, considerada uma referência na cultura marginal urbana do século XX. Era analfabeto, negro, pobre e homossexual e por conta disso estava sempre à margem da sociedade. Era frequentador assíduo da Lapa, bairro onde morava no Rio de Janeiro, e conhecido como reduto carioca da malandragem e boemia na década de 20. Frequentemente, Madame Satã enfrentava a polícia, sendo detido por desacato à autoridade diversas vezes, geralmente em resposta a insultos que tivessem como alvo mendigos, prostitutas, travestis e negros, uma pessoa que se recusava a ser insultado por ser quem era.
Estes são alguns dos fatos contados com fidelidade no filme Madame Satã, dirigido por Karim Aïnouz (que apesar do nome é um diretor brasileiro), que traz Lázaro Ramos, ainda em início de carreira, na pele da personagem principal. Já então o ator dava traços de que viria a ser um dos grandes nomes do cinema nacional, principalmente devido à sua total entrega à personagem. Em pouco tempo já fica bem claro para o espectador o temperamento “pavio curto” de João, a personificação do ditado popular “não levar desaforo para casa”. O elenco de apoio, composto principalmente pelos atores Flavio Bauraqui, Marcelia Cartaxo e Emiliano Queiroz, também tem um bom desempenho.
O roteiro também conta com bons diálogos, mas a interpretação dos atores peca um pouco nesse quesito, pois dá a sensação de “texto gravado”, isto é, não soa natural para o espectador. Além disso, o recorte do filme é baseado boa parte na figura boêmia de João, na sua personalidade e sexualidade, além das suas constantes passagens pela polícia, e assim muito pouco é mostrado de como surgiu ou de onde veio a figura do Madame Satã. Pelo título, supõe-se que o filme dedicaria uma boa parte a essa fase da vida de João, que começa com a sua saída da cadeia na década de 40, quando ele se apresentou com a fantasia Madame Satã, inspirada no filme homônimo de Cecil B. DeMille.
Contudo, o filme é um registro importante por colocar como protagonista, talvez pela primeira vez, alguém que foi constantemente marginalizado pela sociedade; além disso, faz um apanhado bem introdutório sobre a vida de João, sendo interessante para os que nunca ouviram falar sobre ele. A produção também fez um bom trabalho na recriação do Rio de Janeiro da década de 30, com seus becos escuros e ruas tortuosas, além do figurino e trilha sonora, que completam e dão o tom da ambientação.
Título Original: Madame Satã
Direção: Karim Aïnouz
Elenco: Flavio Bauraqui, Lázaro Ramos, Marcelia Cartaxo, Alexandre Saggese, Aluisio Abranches, Ana Paula Cardoso, Anderson Lugão, Bruno Balthazar.
Sinopse: Rio de Janeiro, 1932. No bairro da Lapa vive encarcerado na prisão João Francisco, artista transformista que sonha em se tornar um grande astro dos palcos. Após deixar o cárcere, João passa a viver com Laurita, prostituta e sua “esposa”; Firmina, a filha de Laurita; Tabu, seu cúmplice; Renatinho, seu amante e também traidor; e ainda Amador, dono do bar Danúbio Azul. É neste ambiente que João Francisco irá se transformar no mito Madame Satã, nome retirado do filme dirigido por Cecil B. deMille, que João Francisco viu e adorou.
Trailer:
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