Crítica: Fences (2016, de Denzel Washington)

Há alguns anos, uma maravilha chamada Youtube me permitiu assistir à peça que estava roubando toda a atenção da Broadway naquele momento. Denzel Washington revisitava Fences, a peça de August Wilson vencedora de diversos prêmios nos anos 80 e que retratava, assim como várias outras de suas produções, a realidade do conflito racial nos Estados Unidos dos anos 50, descrevendo o drama de um casal e seus filhos. Uma vez anunciada a versão para cinema do revival, minha curiosidade estava automaticamente desperta – Washington também iria dirigir a adaptação. Manobra segura ou arriscada? Paguei pra ver, e estive longe de me arrepender.


Esperei para o filme algo típico do teatro filmado dos anos 50 – sets fechados, diálogos extensos e closes direcionados aos atores. Nada de errado aí, até hoje não me canso de ver O Leão no Inverno (1968), Gata em Teto de Zinco Quente (1958) ou outros da época. Estamos, no entanto, em 2017 – o ritmo e o estilo já não são mais os mesmos. Feliz fiquei ao ver, no final das contas, que a produção conseguiu aliar antigo e atual. A veia teatral estava ali, pulsante o tempo inteiro (para mim, ponto positivo, para outros o exato oposto). Aqui, no entanto, o jogo de câmera é diferenciado. Enquanto na peça quase sentia o suor de Troy colando na tela ao contar suas histórias, no filme vemos as mesmas angústias – mas com um ar de distanciamento. Aqui, a raiva de Troy tem uma aura agitada, mas ao mesmo tempo sombria e reclusa.

Cena de Fences



Falando em Troy, o pai de família que trabalha como lixeiro e amargura não ter perseguido a carreira no beisebol, vemos um inspirado Denzel Washington desempenhando o que muitos dizem ser seu lugar comum – para mim, uma aula de atuação. Violento, depressivo, apaixonado, amigável, tudo ao mesmo tempo em um único espetáculo. A cada virada que a história segue, uma nova faceta é apresentada, te convidando a entender a vida e a mente do cidadão americano aqui mostrado. O marketing do filme engana ao vender o casal central sempre em destaque, criando a expectativa de um drama sobre romance: Denzel ataca, afaga e convive com tudo e todos exibidos em Fences.

Denzel Washington como Troy em cena de Fences

No que pode ser considerado o melhor momento de sua carreira, Viola Davis brilha como Rose, a esposa de Troy e matriarca do frágil clã. Longe de ser sua melhor atuação (vide Como Defender um Assassino, Histórias Cruzadas, Dúvida, entre outros), ainda assim Viola comove com a resignada mulher de um homem rancoroso, mãe de filhos em conflito e paciente com um cunhado atormentado. Para o caráter secundário e o tempo reduzido de roteiro que lhe é dado, suas indicações e subsequentes vitórias nas principais premiações na categoria coadjuvante são indubitavelmente merecedoras do mérito.


Viola Davis como Rose em cena de Fences

Como já era esperado, o ponto alto do longa é seu quadro de atuações. Para além do casal principal, destaque para o problemático irmão de Troy, Gabe (Mykelti Williamson) e o inseparável amigo da família, Jim (Stephen Henderson). Ainda resquício de sua similaridade com o teatro, o elenco é pequeno e escolhido a dedo, com vários membros da peça do revival de 2010. Talvez por isso o entrosamento visto em cena fica tão evidente ao espectador, em especial nas cenas entre Rose e Troy.


Mykelti Williamson como Gabe em cena de Fences



Denzel Washington como Troy e Stephen Henderson como Jim em cena de Fences

Para suportar tal êxito nas atuações, o roteiro foi adaptado para o cinema pelo próprio August Wilson. A carga de diálogo é praticamente incessante, sem no entanto chegar a um ritmo frenético. É difícil até discutir a qualidade da escrita de Wilson – Fences enquanto peça recebeu ambos prêmios Pulitzer e Tony à época de seus lançamentos. Para o espectador que desconhece a história, fica a emoção ainda nova de se sensibilizar com sua descrição magnífica dos Estados Unidos de sessenta anos atrás pelo olhar de uma família de cor enfrentando dificuldades de diversas esferas (destaque para as ótimas cenas com Troy e seu filho Cory sobre oportunidades para atletas negros).

Jovan Adepo como Cory e Denzel Washington como Troy em cena de Fences



Dado que o longa tem uma duração um pouco extendida para os padrões atuais (30 dos 130 minutos poderiam ter sido retirados com reduzido esforço), fica a ressalva de uma possível melhoria que poderia ter sido feita a nível de edição, priorizando trechos e tempos de cena. Também como símbolo característico dos palcos, a trilha sonora é escassa para padrões cinematográficos – em alguns (felizmente poucos) casos, sentimos falta. No que se diz respeito a Denzel em seu papel de diretor, nada de muito marcante a ser descrito. Preferiu se ater ao seguro, ao que sabia que funcionaria, e nisso seguiu sem maiores erros. Maior coragem, quem sabia, lhe traria mais linhas de discussão e subsequente reconhecimento.


Fences, assim, cumpre o que promete. Sua profunda marca teatral lhe diferencia de outras diversos dramas familiares com temática racial. Seguro e ao mesmo tempo arriscado, ouso dizer que suas peculiaridades lhe trazem um caráter “ame ou odeie” – não temos efeitos especiais, mas temos Denzel e Viola; é longo e cheio de diálogos, mas você viu que diálogos? A história já consagrada aqui chega como quase desconhecida para o grande público cinematográfico. Por seu intenso (e merecido) reconhecimento na tão aguardada por nós Award Season, assunto na mesa da família vira. Não sei em que lado você estará, mas eu estou no do que bate na mesa e manda ir assistir – a família Maxson tem muitas reflexões a trazer para todos nós.

Título Original: Fences

Direção: Denzel Washington


Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Jovan Adepo, Stephen Henderson, Mykelti Williamson, Russel Hornsby


Sinopse: As histórias de Troy Maxson e sua família, nos Estados Unidos dos anos 50. Negro e trabalhando como lixeiro, Troy luta com sua esposa Rose e filhos para enfrentar as dificuldades em uma sociedade racista, além de seus próprios dramas dentro de casa.

Trailer:


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