Especial: os 70 anos de Steven Spielberg, com o Blockbuster, o Tubarão e a Montagem.



No último dia 18 de dezembro, Steven Spielberg completou 70 anos de idade. Para o nosso benefício, aproximadamente 75% desses foram dedicados à magia do Cinema. Todo mundo que já se encantou algum dia por ela jamais passou em branco por qualquer uma das grandes obras que este cineasta produziu. É difícil não associar o nome de Spielberg com a base de entretenimento com qualidade estabelecida por sua filmografia ou, ao menos, por grande parte dela. Todo o auge do cinema escapista hollywoodiano da década de 80 deve muito ao que Spielberg (e também George Lucas) realizou no início de sua carreira.


Além do próprio resultado, em termos de qualidade, do primeiro grande sucesso da carreira do diretor, o contexto histórico cinematográfico da época de seu lançamento é crucial para entender a virada definitiva que Hollywood viria a sofrer e que estabeleceu a lógica de mercado que é vigente na indústria dos grandes lançamentos até hoje. Estamos falando dos blockbusters: grandes lançamentos em escala mundial, com orçamentos astronômicos de produção e publicidade, visados a multiplicar ao máximo, em receita, o valor investido pelos envolvidos. Hoje em dia, esta mentalidade já está inserida na indústria e no grande púbico, que tem suas expectativas anualmente saciadas por diversas dessas produções.
O contexto:
Scorsese, Spielberg, Coppola e Lucas. 
O período aproximadamente compreendido entre 1967 e 1980 ficou conhecido como Nova Hollywood, ou American New Wave. Foram os anos em que o cinema americano viveu uma de suas épocas mais criativas e influentes de sua história. Depois da década de 50, quando a indústria começou a perder público para a Televisão e os donos dos grandes estúdios clássicos já estavam ultrapassados, surgiu uma necessidade de arriscar novos ares para o cinema. Influenciados pela contracultura americana da década de 60 e pelas vanguardas europeias, os recém-cineastas saídos das novas faculdades de cinema dos EUA “derrubaram” definitivamente a predominância do sistema clássico de narrativa e estúdio da chamada Era de Ouro de Hollywood. Daí saíram Coppola, Scorsese, Altman, De Palma, Friedkin, Spielberg, Lucas, entre outros. Foi um período artisticamente fértil, que teria sido “enterrado” pelo surgimento dos blockbusters no final da década de 70.
O Blockbuster:
Divulgação de Tubarão na época de seu lançamento. 
Esta também foi a época em que nasceu o embate entre o blockbuster vs “cinema de arte”. A influência do Neo-realismo Italiano, da Nouvelle Vague e de outros grandes nomes do cinema europeu e asiático, se estendeu para esta nova geração de diretores. O vanguardismo de quebrar com as convenções clássicas caiu como uma luva para os jovens que eram embalados pela revolução cultural da época dos hippies, do rock progressivo e psicodélico, da onda anti-guerra do Vietnã e das lutas por liberdade racial e sexual. O “cinema de arte” foi alavancado e misturado com a própria história do cinema americano, ainda que esta “arte” seja uma denominação da qual compartilho bastante discordância, já que todo e qualquer filme se utiliza da mesma linguagem básica para ser feito. O que muda são suas pretensões, a maneira como será utilizada esta linguagem e sua temática, isto é, é tudo Arte, só é discutível se é boa ou ruim e pra quem ela é boa ou ruim. 
O fato é que os defensores desta dita “arte” apontam o ano de 1975 como o começo do fim da criatividade conquistada ao longo de quase uma década. Acontece que o mercado foi mais forte e a voz do grande público falou mais alto. Antes deste ano específico, os filmes eram lançados levando em conta os principais circuitos comerciais locais, dos maiores para os menores. Às vezes ficavam meses em cartaz para depois estrear em outros lugares e países. A primeira vez em que um filme foi lançado simultaneamente em todos os locais dos EUA, foi com O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola. A tentativa foi um sucesso e o filme arrecadou mais de US$280 milhões no mundo todo, posteriormente.
Quando Tubarão foi lançado, era a primeira vez que um filme alcançava a marca de US$100 milhões de bilheteria apenas em sua estréia! O clique aconteceu. Os produtores, que nos últimos anos tinham dado espaço para os cineastas experimentarem quase livremente, notaram o poderio imenso de lucro que o filme-espetáculo poderia ter, principalmente se grande parte do investimento fosse convertido em publicidade. Era muito mais lucrativo fazer uma propaganda intensa do filme e depois lançá-lo simultaneamente em escala mundial, de preferência associando o filme com outros produtos, como camisetas, brinquedos e outros artigos de decoração (posteriormente, vieram as atrações, os parques temáticos, etc). Os cineastas de “arte” passaram a perder novamente espaço na indústria, ainda mais depois de vários fracassos comerciais, mesmo que em filmes aclamados pela crítica especializada. Em 1977 veio a certeza do nascimento do blockbuster com o lançamento de Star Wars, de George Lucas, já estabelecendo novo recorde de bilheteria e lucrando bastante com produtos variados.
O tubarão e a montagem:
Spielberg e Bruce, como foi apelidado o tubarão. 
Tubarão foi adaptado do livro homônimo de Peter Benchley e conta a história de um tubarão-branco que aterroriza moradores de uma pequena cidade litorânea dos EUA. O xerife Brody (Roy Scheider), o oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfus) e o caçador Quint (Robert Shaw) se unem para perseguir o predador e dar fim aos seus ataques.
Vindo de um começo promissor na televisão e no cinema, o jovem Steven Spielberg tinha chamado a atenção da crítica com Encurralado e Louca Escapada. Ganhou então sua primeira oportunidade de dirigir um filme com um grande orçamento para a época, US$ 4 milhões. Querendo imprimir um certo realismo para seu filme, o cineasta começa a tomar uma série de decisões que dificultariam bastante seu próprio trabalho e que deixariam evidentes a falta de experiência do diretor em lidar com o processo de produção de um grande filme. A exemplo, queria que as cenas que se passassem nos barcos fossem filmadas exclusivamente em locação, o que trouxe problemas para a logística geral da produção. Para mostrar o grande vilão do filme, foram construídos grandes tubarões mecanizados, que se mostraram difíceis de serem controlados e que apresentavam problemas quando colocados no ambiente em que mais deveriam funcionar: a água.
Bruce
Os percalços na produção foram aumentando e o diretor seguia pedindo mais recursos para os produtores e mais tempo para terminar o filme. Ao final, o orçamento já tinha pulado de US$4 milhões para US$9 milhões. Quando as filmagens terminaram e o material foi mandado para a pós-produção, começou outro grande problema: os resultados de continuidade eram caóticos, o terror de qualquer montador. Devido às dificuldades na produção e às constantes mudanças no planejamento, as sequências chegaram com grandes problemas de continuidade temporal e espacial. Um plano começava no início do dia e o plano que deveria dar seguimento acontecia ao pôr-do-sol. A maioria das cenas envolvendo o tubarão tinham um efeito cômico por causa de seu mau funcionamento. Spielberg tinha agora outro problema em sua frente: como terminar seu filme? O próprio diretor afirma em entrevistas que pensou ter sua carreira precocemente acabada por causa do possível desastre econômico do filme.
Depois de se reunir várias vezes com a montadora Verna Fields, posteriormente reconhecida pela qualidade de seus trabalhos e apelidada de “Mother Cutter”, Spielberg chegou à conclusão de que a única maneira de salvar o filme seria recorrendo às lições de suspense e antecipação do mestre Alfred Hithcock. A estratégia adotada seria de esconder ao máximo a aparição do tubarão e dar ênfase nas reações dos personagens, fazendo com que o senso de ameaça e suspense fossem determinantes na construção da narrativa. O resultado foi praticamente impecável. A criatura aparece poucas vezes e a sensação de perigo é constante em todo o filme. Spielberg ainda contou com a trilha sonora genial do lendário John Williams, com um dos acordes iniciais mais reconhecidos da história do cinema.
Verna Fields recebendo o Oscar pela montagem de Tubarão
O filme foi um sucesso sem precedentes em Hollywood, catapultando Steven Spielberg para o gosto do público e dos grandes estúdios, se tornando um dos cineastas mais rentáveis da história do cinema. Sua contribuição para o nascimento dos blockbusters moldou a maneira como o mercado industrial de cinema trabalha até hoje. À parte do trabalho decisivo de Fields na pós-produção, o indiscutível talento do diretor viria a se confirmar em seus enormes e icônicos sucessos de bilheteria que viriam a seguir, como Contatos Imediatos do 3º Grau, Os Caçadores da Arca Perdida, E.T – O Extraterrestre, Jurassic Park, Minority Report; como produtor, Poltergeist, Os Goonies, De Volta Para o Futuro. Sua habilidade em contar histórias, em trabalhar com a movimentação fluida da câmera e em saber lidar com o espetáculo visual, foram indispensáveis para o cinema de entretenimento que temos hoje em dia. Mas longe de ser só espetáculo, também mostrou grande sobriedade em usar sua experiência em filmes como A Lista de Schindler, A Cor Púrpura, O Império Do Sol, Regate do Soldado Ryan e Munique. Hoje é muito apontado, com certa razão, de ter envelhecido um pouco mal ao pesar muito seus filmes no melodrama, mas ainda segue como um dos principais nomes na direção e na produção em Hollywood, sendo respeitado por todas as gerações que vieram posteriormente.
A verdade inegável é que o mundo dos filmes seria consideravelmente mais sem graça se Steven Spielberg jamais tivesse se arriscado no Cinema.
Viva seus 70 anos!
Dica: um belo vídeo tributo com sequências icônicas de seu trabalho.



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