Crítica: O Lar das Crianças Peculiares (2016, de Tim Burton)


Baseado no livro O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares de Ransom Riggs, o mais novo filme de Tim Burton prometia ser uma ótima e divertida adaptação, tanto para os fãs da saga literária como para os do diretor. Essa expectativa levava em consideração a compatibilidade da história de Riggs com as principais características de Burton, já conhecido por suas produções bem “peculiares” e estilo único. E quem estava aguardando ansioso por seu lançamento, pensava que nada podia dar errado dessa combinação. No entanto, o longa tropeça em pequenos erros seguidos e escolhas mal pensadas, e acaba sendo bem diferente daquilo que era esperado.


Jacob Portman é um garoto de 16 anos que leva uma vida normal, trabalha em uma farmácia do tio e já tem sua vida toda pela frente planejada pelos seus pais. É muito próximo de seu avô, Abraham, que lhe contava histórias fantásticas sobre crianças “peculiares” quando era pequeno. Tudo está seguindo normalmente até que um incidente acontece e deixa o mundo de Jake virado de cabeça para baixo. Ele acaba descobrindo que ele e seu avô são mais do que aparentam ser, e que um novo mundo, ao lado de crianças nada comuns, está a sua espera.
Antes de mais nada, queria ressaltar que o filme é muito diferente do livro. É claro que mudanças eram inevitáveis, afinal, são formas de arte completamente diferentes e é óbvio que haveria diferenças. Impossível um livro de mais de trezentas páginas ser representado perfeitamente em um único filme de duas horas. Com esse pensamento em mente, até aí tudo bem. Mas Jane Goldman (X-Men: Primeira Classe e Kick-Ass), a principal roteirista de O Lar das Crianças Peculiares, e Tim Burton pegaram errado essa ideia de várias alterações, desde as mais pequenas até as maiores, e com escolhas precipitadas acabaram decepcionando muito os fãs dos livros. E não à toa.


Foram várias mudanças negativas. A mudança na direção do plot foi uma delas. O longa tenta apresentar os personagens e todo aquele universo nunca visto antes, seguindo a linha criada pelo livro, mas a partir da metade para o fim, o enredo muda drasticamente e é como se fosse outro filme completamente diferente, e não de um modo positivo. A inclusão de cenas que não aderem nada significativo à trama e que não estão presentes no livro também entra no crédito negativo de O Lar das Crianças Peculiares. E duas mudanças que até hoje nós não conseguimos entender ou descobrir o porquê: a diferença nas idades de alguns peculiares e a troca de nomes de alguns deles. Comparando o livro com o filme, a diferença de idade de alguns personagens é imensa, por exemplo: Hugh e Fiona não passam de crianças de 7 anos no longa de Burton, enquanto no livro, são adolescentes de 16 ou 17 anos. E não só eles, vários outros peculiares tiveram a idade alterada. Goldman e Burton talvez optaram por essa mudança para ter uma pegada mais leve e infantil do que o livro, mas a maneira em que os vilões são representados no longa, aponta o contrário.


E não podemos esquecer: Emma e Olive tiveram seus nomes trocados. No filme, Emma tem a peculiaridade de ar e flutua enquanto Olive tem a de fogo e precisa usar luvas. Já no livro, Emma tem poderes ligados ao fogo, e Olive (que na saga literária é na verdade, uma criança) apenas flutua. Além de alterar os poderes das meninas, Goldman e Burton ainda trocam seus nomes. Ainda não ficou claro o porquê de tal mudança, mas nem é preciso dizer que isso incomodou até os fãs menos mesquinhos da saga, e incomodou muito.

O longa acabou exagerando um pouco com os poderes dos peculiares, parecendo que queria ressáltá-los de qualquer maneira e a todo momento. Antes de tudo, O Lar das Crianças Peculiares não é X-Men (apesar das semelhanças). Eles não precisam e não usam os poderes o tempo inteiro. Essa história é diferente e a graça dela é justamente essa, ser diferente! Os peculiares falam por si só, não era preciso de uma demonstração de poder cada vez que um aparece.


Outra característica negativa em O Lar das Crianças Peculiares, são as pequenas inconsistências (os chamados “furos”) no roteiro. Goldman e Burton quiseram introduzir um novo mundo, apresentar personagens, desenvolver uma história e ainda finalizá-la. A mistura de tudo isso resultou num ritmo muito corrido, onde a história parece passar tão rápida que deixa as informações atropeladas no decorrer do longa. E não foram poucas as cenas mal explicadas que são “magicamente” resolvidas. Em decorrer de tudo isso, não foi raro encontrar pessoas que não leram os livros e estavam confusas (na verdade, até as que leram ficaram confusas, de tão corrido que se passa o longa). Além disso, o filme desenvolveu pouco os pontos que abordou. Cortou cenas interessantes do livro para colocar cenas completamente desnecessárias.

Asa Butterfield apresenta uma atuação muito fraca e completamente fora de sintonia com seu personagem Jacob Portman. Olhares vagos e falas sem emoção são suas marcas nesse filme. Além de uma péssima atuação com expressões. E isso é um grande problema pois Jake é o protagonista e a espinha dorsal da história. Butterfield já é um conhecido da indústria cinematográfica e apresentou seu potencial em filmes anteriores em sua carreira, principalmente em O Menino do Pijama Listrado e A Invenção de Hugo Cabret, e ao compará-los com seu trabalho em O Lar das Crianças Peculiares, realmente não dá para entender o que aconteceu com o jovem ator britânico.

A desnecessária atenção prioritária no casal Jake e Emma dá ao filme um ar clichê e enjoado, como se já tivemos visto uma história parecida antes. A falta de atenção aos personagens restantes é outro grave problema de O Lar das Crianças Peculiares. Personagens relevantes como Millard, o garoto invisível, e Bronwyn, a menina com super força, apenas servem de paisagem para Jake. Há vários personagens peculiares com poderes interessantes e o filme não tira proveito disso, simplesmente os esquece em um canto e dá uma ou duas falas para cada um (ou nem chega a dar). Os peculiares são muito cativantes, mas não recebem a devida atenção. E ao assistir cenas inúteis e sem importância para a continuação da trama, só nos resta indagar o porquê de utilizarem tais cenas bobas no lugar de outras que abririam mais espaço para o resto do elenco. Eles perdem a chance de enriquecer a fantasia com essa falta de falas e pouco destaque aos outros personagens.


No entanto, em contraste com tantos pontos negativos e até confusos, temos características positivas que funcionaram no longa. Uma delas é a escolha certeira de Eva Green (Os Sonhadores e Sin City 2) para o papel de Srta. Peregrine, que como previsto, entrega uma personagem à altura da original do livro (ignorando aquela obsessão que ela tem pelo tempo, cortesia de Goldman e Burton). Ella Purnell (Wildlike e Malévola) como Emma também está muito boa na personagem, sendo a melhor peculiar (em todos os quesitos) em cena. Samuel L. Jackson como o acólito Mr. Barron está tão bom quanto as duas atrizes. Seu personagem é maléfico com um toque de sarcasmo e ironia, a perfeita sintonia para quebrar o tom do filme com um toque cômico (vamos ignorar as piadas bobas). A fotografia e a paleta de cores merecem ser ressaltadas também. Confesso que ao ver as primeiras imagens e pôsteres antes do filme ser lançado, fiquei na dúvida se o uso de cores coloridas era o ideal para a história. O livro tem muitas fotos dos peculiares e todas são antigas e em preto e branco, com um aspecto misterioso. Dando assim um visual obscuro para a trama do livro. Apesar de preferir esse tom mais sombrio para essa específica história, entendo que Burton visava uma pegada mais infantil e portanto o uso de cores fez sentido no longa. Além disso, o diretor entrega novamente uma boa direção com uma postura sólida e uma cinematografia caricata.


Voltando ao enredo, a partir de certo ponto do filme, a história toma um rumo completamente diferente do livro. Enquanto o livro desenvolve um cliffhanger estruturado, abrindo portas para sua sequência (o livro Cidade dos Etéreos), o filme tenta finalizar o pequeno arco criado no meio e deixa um final ao mesmo tempo finalizado e aberto (talvez por receio de não existir uma sequência). Além de ter pequenas reviravoltas que não foram propriamente explicadas e simplesmente acontecem. Outra questão a ser discutida são os vilões, os chamados acólitos e etéreos. No longa, a diferença entre os dois não é muito bem explicada, como muitas outras coisas. O visual do etéreo não assusta como deveria, tendo um tamanho exagerado e membros um tanto bizarros. Os acólitos são um pouco mais assustadores, provavelmente para crianças será mais, mas também deixa a desejar no visual. Como era um filme de Tim Burton, esperava um pouco mais de criatividade nos efeitos especiais, algo mais voltado para o stop motion (como fizeram na excelente cena com o peculiar Enoch mostrando seus poderes), mas esse não foi o caso e efeitos bem medianos foram utilizados nos vilões.

No fim, você consegue identificar que este é um filme de Tim Burton. Ele segue o mesmo rumo que o diretor tomou em seus últimos filmes, sem perder suas principais características. Como de praxe, entrega um filme visualmente belo e com cenários coloridos. Mas em contrapartida, a roteirista não adapta bem o livro e entrega um roteiro bem confuso, prejudicando demais o filme. Mudou drasticamente os acontecimentos e até mexeu nas características dos personagens, algo que, convenhamos, não havia nenhuma necessidade. Confesso que tenho a leve impressão de que se esse filme fosse feito pelo mesmo diretor, há algumas décadas atrás, teríamos aqui aquele aspecto diferente e obscuro, visto em Beetlejuice e Edward Mãos de Tesoura. O que cairia como uma luva nessa história. Mas não foi o caso. E no fim, olhando de um modo geral, percebemos que foram tantas mudanças que talvez a produção do filme nem precisava pagar os direitos autorais para Ransom Riggs, o autor do livro. O Lar das Crianças Peculiares tinha muito potencial e uma premissa ótima, mas infelizmente, não foi aquilo que esperávamos.



Título Original: Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children


Direção: Tim Burton

Elenco: Asa Butterfield, Eva Grenn, Ella Purnell, Samuel L. Jackson, Judi Dench, Allison Janney, Terence Stamp, Chris O’Dowd, Kim Dickens, Lauren McCrostie, Finlay MacMillian, Hayden Keeler-Stone, Georgia Pemberton, Milo Parker, Pixie Davies, Raffiella Chapman, Cameron King


Sinopse: Quando seu querido avô deixa para Jake pistas sobre um mistério que se estende por diferentes mundos e tempos, ele encontra um lugar mágico conhecido como O Lar das Crianças Peculiares. Mas o mistério e o perigo se aprofundam quando ele começa a conhecer os moradores e aprende sobre seus poderes especiais… e seus poderosos inimigos.

Trailer:



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