Crítica: Tony Manero usa magia do cinema para fazer retrato de um psicopata




Quem
nunca desejou ser como seu ator favorito, ou como aquele personagem clássico
que conquista a todos? Essa é uma das magias do cinema, nos transportar para
novos mundos e nos fazer sonhar. E é assim também com Raul Peralta, um chileno
que, em 1978, não se cansa de assistir ‘Os Embalos de Sábado à Noite’. O
colorido das luzes da discoteca do filme contrasta com sua a vida real, em meio
a um país assolado por uma das ditaduras mais cruéis da América Latina. O filme
de John Travolta, que poderia ser apenas uma válvula de escape para esquecer as
mazelas daquele cenário, no entanto, resulta em uma obsessão que revela um
psicopata capaz das maiores atrocidades. 




Com
essa premissa, ‘Tony Manero’, de Pablo Larraín (do ótimo ‘No’), faz um retrato verdadeiro e sem rodeios das sombras de
uma nação e nas sombras particulares de um homem absolutamente perturbado. É
bastante claro que tudo na vida de Raul deu errado: ele mora em um quarto
pequeno, está sem televisão, e trabalha em uma boate obscura e com poucos
recursos. Tony Manero, o personagem de Travolta, é tudo o que ele deseja ser:
bonito, bem vestido, dançarino talentoso e cercado de belas mulheres. Por isso,
ele decide transformar seu mundo no mundo de Tony Manero. Mais que isso, ele decide
ser Tony Manero. Mantém seu terno branco alinhado e exatamente com o mesmo
número de botões que o original, enquanto prepara uma apresentação ao som de
Bee Gees no seu local de trabalha e sonha ser o vencedor de um concurso
esdrúxulo na televisão de melhor imitador do protagonista do filme
hollywoodiano. 




O
problema é que Raul já não é mais tão jovem, e dinheiro também não está
sobrando. Por isso, ele começa a dar seu jeitinho: após ajudar uma idosa a
carregar as compras, ele a assassina e rouba sua televisão. Outros crimes se
sucedem. Um dia, ao ir pela milésima vez ao cinema, ele descobre que seu filme
predileto foi substituído por outro filme de John Travolta (‘Grease – Nos Tempos
da Brilhantina’) e mata o sujeito que projeta os filmes para poder roubar o
rolo fotográfico de ‘Os Embalos de Sábado à Noite’. Sua personalidade fica cada
vez mais doentia e assustadora, o que se torna um prato cheio para que seu
intérprete, Alfredo Castro, ofereça uma performance antológica, em cenas que ilustram
com cuidado e perfeição sua degradação moral. 




Tudo
vem embalado em uma estética suja, uma realidade que sempre lembra Raul que seu
universo não é um filme norte americano. A fotografia e direção de arte
destacam as cores escuras e desbotadas das paredes onde o protagonista
trabalha, assim como suas roupas. Apenas o terno para imitar Tony Manero parece
destoar do restante. A direção de Larraín, por outro lado, sofre de alguns
maneirismos, e sua ideia de câmera na mão, na tentativa de dar um tom
documental a seu filme, não soa adequada. Um problema que, felizmente, é
contornado pela força de sua narrativa e por seu protagonista hipnótico. Talvez
não seja ironia que o desejo de ser Tony Manero sempre dê errado: quando muitos
tentam imitar Hollywood, Larraín lembra da importância de encontrar uma
identidade própria ao cinema latino. 

Nota: 8,5

Direção: Pablo Larraín

Elenco: Alfredo Castro, Amparo Noguera, Héctor Morales

Sinopse: Raul Peralta, durante o Chile de 1978, em meio a uma ditadura, sonha vencer um concurso de melhor imitador de Tony Manero, personagem de John Travolta em ‘Os Embalos de Sábado à Noite’. Seu desejo, porém, se revela em uma psicopatia que foge do controle. 




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