Crítica: Get Back (2021, de Peter Jackson)

Em 1970, juntamente de Let It Be – último lançamento de estúdio dos Beatles – foi lançado o homônimo filme, dirigido por Michael Lindsay-Hogg, que documentava o processo de gravação do álbum. Lançado após a separação da banda, o filme contava com um tom pesado que destacava os momentos tensos e conflituosos do processo de gravação do disco.

Em 2020, cinquenta anos depois, foi anunciado o lançamento de Get Back, documentário da Disney+ dirigido por Peter Jackson que utilizaria imagens das 57 horas de filmagem feitas para o filme de 1970 e leva o nome de um dos maiores clássicos do álbum em questão, que também era o nome inicial do projeto que resultou em Let It Be. Após o anúncio do documentário, Paul McCartney declarou em entrevista que o filme mudou até sua própria percepção sobre aquele período da trajetória dos Beatles, e que o filme de Michael Lindsay-Hogg havia passado uma impressão errada sobre o que foram, de fato, as sessões de gravação de Let It Be.

De fato, se compararmos o filme de 1970 com o de 2020, fica até difícil acreditar que se trata do mesmo material fonte. Não que Get Back omita completamente os fortes problemas de relacionamento enfrentados pela banda no período – só na primeira das três partes na qual o filme foi dividido, vemos a clássica discussão entre Paul e George, que já havia sido mostrada em Let It Be, além de uma conversa tensa entre John e Paul, gravada por um microfone escondido, e a saída de George da banda, que acabou durando menos de uma semana – mas é fato que o filme foca muito mais nas brincadeiras e conversas amistosas entre os Beatles do que nas brigas.

Ao assistir ao filme, fica difícil acreditar no caminhão de mágoas, ressentimentos e desentendimentos que viriam a se tornar públicos após o fim da banda, que se deu poucos meses após o final de Get Back. O que fica muito claro é que, nesse ponto da carreira dos Beatles, havia muito talento para uma só banda – o que é explicitado em um momento em que George diz ter material pronto para os próximos dez anos, e que gostaria de lançar aquele material em um álbum solo, sugestão abraçada por John, que declara gostar da ideia de que todos lancem discos solo, além de continuarem lançando discos com os Beatles.

Apesar de justas dúvidas sobre se o diretor omitiu momentos tensos entre os quatro garotos de Liverpool – algo que, provavelmente, nunca saberemos – o fato é que o resultado é absolutamente irresistível para qualquer beatlemaníaco.

Para começar, é incrível ver imagens da gravação de músicas que são ouvidas há tantos anos e nunca tiveram nenhum registro visual – e Peter Jackson, tão beatlemaníaco quanto qualquer um, faz questão de ressaltar isso ao informar na tela qual das centenas de takes que estamos vendo foi o utilizado no álbum.

Outra coisa fantástica para qualquer fã é assistir ao processo de criação das músicas do álbum. Don’t Let Me Down, lançada como single e, posteriormente, inserida em Let It Be… Naked – versão do álbum com takes diferentes e sem a orquestração de Phil Spector, produzida por Paul McCartney e lançada em 2003 – é uma das músicas que passa o tempo todo sendo trabalhada e retrabalhada, e é fascinante ver como, mesmo em uma composição de John, os pitacos de Paul e George são fundamentais para a música ter se tornado o clássico que é – assim como I’ve Got A Feeling, composição de Paul que seria totalmente diferente, não fosse a contribuição de John e George.

Ainda nesse sentido, chegamos ao que talvez seja o ponto mais sensacional para os fãs dos Beatles que assistirem ao documentário. Em uma manhã na qual John estava atrasado para os ensaios, Paul, George e Ringo não tinham muito o que fazer no estúdio. Eis que Paul pega seu baixo Hofner, o liga em um amplificador e começa a tocar os acordes de Mi e Lá. Após um tempo repetindo estes acordes, ele começa a cantarolar uma melodia, que viria a se transformar em Get Back, que, além de dar o nome ao documentário, é um dos grandes clássicos dos Beatles, que estamos tendo a oportunidade de ver em seu estágio mais inicial.

Também vemos sendo trabalhadas versões iniciais de todas as músicas de Abbey Road – álbum que foi gravado meses depois e acabou sendo o último a ser gravado pela banda, e provavelmente o melhor – com a exceção de Come Together, Here Comes The Sun, Because e Sun King.

Além disso, o filme também mostra o quarteto trabalhando músicas que entraram nos discos solo que John, Paul e George lançaram após o fim dos Beatles, como um momento preciosíssimo no qual a banda toca All Things Must Pass, música que deu título ao primeiro disco solo de George, lançado em 1970, além de Teddy Boy, música que entrou no álbum McCartney, de 1970, além de dois clássicos da carreira solo de John que entraram em Imagine, de 1971 – Jealous Guy, ainda como uma letra diferente e o título de On The Road To Marrakesh, e Gimme Some Truth.

Como se não fosse suficiente, há várias cenas nas quais alguém começa a tocar músicas de discos anteriores da banda e todos acabam entrando na brincadeira, como Ob-La-Di, Ob-La-Da, Help, Love Me Do, Please, Please Me, I’m So Tired, entre outras, além de músicas que nunca foram lançadas oficialmente, como Madman.

Mesmo quando os Beatles estão apenas conversando, o documentário continua fascinante para os fãs da banda, pois há conversas altamente relevantes que acontecem em frente às câmeras – como uma na qual Paul descreve o início de um filme que foi feito sobre a viagem dos quatro à Índia, que se transforma em uma conversa sobre as experiências dessa viagem.

Outro dos pontos mais relevantes do filme se dá durante o período em que George esteve fora da banda. Em outro atraso de John, há uma roda de conversa na qual Linda Eastman, esposa de Paul, comenta sobre uma reunião na casa de Ringo, na qual, tudo o que John tinha a falar, foi dito por Yoko Ono. Paul, então, diz que gosta de Yoko, e, se ela estava se intrometendo além do ponto nas decisões da banda, isso era pela característica que John sempre teve de se entregar completamente às suas paixões – a mais nova delas sendo Yoko.

Em uma previsão que se tornou realidade, Paul brinca que será engraçado ver pessoas, cinquenta anos após o fim da banda, falando que os Beatles acabaram por que “Yoko sentou em um amplificador” e os outros não gostaram. Logo após isso, começa uma série de sugestões sobre locais nos quais a banda poderia fazer um show. Quando Linda se manifesta a favor de um dos locais, Paul olha para ela e diz “fica na sua, Yoko”, em um dos momentos mais engraçados do documentário.

O propósito das gravações estarem ocorrendo é que aquilo seja o making of de um show especial para a televisão, mas esses acabam sendo os momentos mais sem graça e burocráticos do filme – com exceção de uma das ideias de Paul para o especial, que seria ter, entre cada música, repórteres ao redor do mundo dando notícias urgentes, e, após a última música, um repórter de Londres entraria ao vivo com a notícia de que os Beatles acabaram.

Apesar disso, o show acaba se tornando o fio condutor do filme, em uma decisão de Peter Jackson que se mostra extremamente acertada por alguns motivos: primeiro, pela necessidade de ter uma história sendo contada para que o longa não seja apenas uma coleção de imagens aleatórias – e essa história é muito bem contada pelo diretor, que, ao levar o público pelo dia a dia do mês de janeiro de 1969, imprime um senso de urgência em relação às gravações, que tem um prazo para serem terminadas.

Outro motivo é o clímax apoteótico representado pelo show no telhado da Apple, que, pela primeira vez, foi apresentado ao público em sua totalidade – são três takes de Get Back, dois de I’ve Got A Feeling e Don’t Let Me Down, e um de Dig A Pony e One After 909. Ao mesmo tempo em que apresenta as músicas, o diretor consegue também focar no depoimento das pessoas na rua – alguns já vistos em Let It Be – e nos policiais que adentram o prédio da Apple buscando encerrar o show por causa de reclamações de moradores da área.

O talento do diretor também é claro na maneira com a qual ele monta algumas sequências nas quais uma música está sendo executada – como em Two Of Us, uma das canções mais nostálgicas já compostas por Paul e feita como uma homenagem á sua amizade com John, na qual o diretor foca no rosto de ambos cantando a música olhando um para o outro e as intercala com imagens de tom nostálgico de pessoas se divertindo no estúdio, ou em Dig It, música mais caótica de Let It Be, na qual esse caos é transmitido na montagem.

Algo que pode ser contestado no filme é o fato de que, provavelmente por respeito à história da banda, o diretor insere algumas coisas que seriam fundamentais para a separação do grupo, que ocorreria meses depois, mas, naquele corte específico, acabam ficando sem conclusão – como todos os diálogos envolvendo o empresário Alan Klein.

Em caráter de descobertas novas sobre a história da banda, o documentário não traz nada muito novo – até porque não há banda que tenha tido tantos livros, documentários e filmes contando sua história quanto os Beatles – mas sim algumas confirmações de boatos famosos entre os fãs da banda, como a sugestão dada por John de chamar Eric Clapton para o lugar de George quando este deixa a banda, ou o fato de que o engenheiro de som Glyn Johns acabou trabalhando muito mais como produtor desse disco do que George Martin – produtor de todos os discos da banda com a exceção de Let It Be – que está bastante presente no documentário, mas com poucas falas.

Após uma sequência de lançamentos de discos cheios de out-takes e remasterizados por Giles Martin – filho de George – as quase oito horas do documentário Get Back vem como a prova final de que, com a exceção dos anos 60 – período no qual a banda ainda estava na ativa – nunca houve uma época tão boa para ser beatlemaníaco.

Título Original: Get Back

Direção: Peter Jackson

Duração: 7h51

Elenco: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr, George Martin, Yoko Ono, Linda Eastman, Pattie Boyd, Maureen Starkey, Billy Preston, Glyn Johns, Mal Evans, Peter Sellers, Michael Lindsay-Hogg, Heather McCartney

Sinopse: Visando um show especial para a televisão, os Beatles se juntam em estúdio para começar a trabalhar em novas músicas.

Trailer:

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