Crítica: Bicho de Sete Cabeças (2001, de Laís Bodanzky)

Vinte anos atrás, chegava aos cinemas O Bicho de Sete Cabeças, primeiro longa-metragem da cineasta Laís Bodanzky, que acabou se tornando um dos principais filmes brasileiros da década em que foi lançado, ajudando a estabelecer a carreira de Rodrigo Santoro – hoje, ator de sucesso em Hollywood – e de sua diretora – uma das cineastas mais estabelecidas do cinema brasileiro desde então.

O longa conta a história de Neto (Santoro), um adolescente que é mandado para um manicômio por seu pai (Othon Bastos), após este encontrar um cigarro de maconha no bolso do casaco do primeiro. Baseado no livro autobiográfico Canto dos Malditos – no qual o escritor e integrante do movimento da luta anti manicomial Austregésilo Carrano Bueno dá seu relato sobre a vivência nos hospitais psiquiátricos – o filme discute temas delicados, como o vício, a marginalização da maconha, sua equiparação com outras drogas e a relação entre pais e filhos.

Laís Bodanzky conduz o filme com uma visceralidade que eleva o material. Todas as cenas no manicômio são extremamente desconfortáveis de serem assistidas, e isso se deve ao minucioso trabalho da diretora para que o espectador se sinta dessa forma. Ao optar por uma lente com a profundidade de campo reduzida, a cineasta ressalta o sentimento de desespero e, de certa forma, claustrofobia sentidos por Neto durante sua estadia no hospital – algo que, além de funcionar perfeitamente dentro do contexto do filme, também se torna uma denúncia da diretora contra o sistema manicomial brasileiro e seu tratamento com os pacientes.

A cineasta também utiliza frequentemente da câmera na mão, o que traz um aspecto realista importante para que o filme funcione, e de uma fotografia contrastante – dentro do manicômio, cheia de cores frias, o que contribui muito para o tom pesado que permeia aquelas cenas, e, fora dele, cores vibrantes e sempre um sol forte, que representa a liberdade sentida por Neto ao estar fora daquele ambiente.

A diretora também consegue tirar o melhor que seus atores podem oferecer. Rodrigo Santoro, em de seus primeiros papeis no cinema, já entrega uma grande performance – uma de suas melhores até hoje. No primeiro ato, o ator foge de clichês ao retratar um garoto que, apesar de não ser um exemplo de cidadão, faz parecer a internação completamente exagerada. Mas é mesmo dentro do manicômio que o ator vende sua performance; tanto nos momentos mais “calmos” quanto nos mais exaltados, o ator deixa quase palpáveis o desespero e o sentimento de injustiça de Neto ao ser inserido naquela situação.

Outros atores que merecem destaque são Cassia Kiss e Othon Bastos, que interpretam os pais do garoto. A primeira consegue fazer muito com pouco; apesar de um roteiro que não lhe dá muito tempo de tela, a atriz consegue deixar sua marca ao explicitar ao público a dúvida sentida por sua personagem em relação à conduta de seu marido na situação e a tristeza por ter que ver o filho em uma condição tão triste. É quase impossível ver a personagem sem um cigarro na mão, o que parece ser um comentário da diretora sobre a hipocrisia latente na aceitação de uma droga tão prejudicial quanto a maconha, mas menos marginalizada.

Como pai de Neto, Othon Bastos faz um trabalho impecável ao encarnar um homem cujo amor pelo filho é óbvio, mas sem o menor talento para se conectar com este – o que é notável não apenas pela falta de diálogo após a descoberta do cigarro de maconha no casaco do filho, mas também em uma briga no começo do filme por causa de uma viagem de Neto. Em mais uma cena que parece refletir muitos dos lares brasileiros, o único momento em que pai e filho parecem se conectar minimante é quando estão indo a um jogo de futebol, e o pai – o mesmo que não dialoga com o filho sobre nada – fala com detalhes sobre a tabela do campeonato brasileiro.

Servindo tanto como um poderoso drama sobre vício e problemas familiares quanto como um filme que denuncia abusos cometidos em manicômios, O Bicho de Sete Cabeças se tornou um dos filmes brasileiros mais importantes dos anos 2000. Reflexivo, desesperador e tocante, o longa permanece relevante, e, por sua bela direção e suas grandes atuações, merece continuar sendo revisitado por muito tempo. Aproveite que está disponível na Netflix e não deixe de conferir!

Título Original: Bicho de Sete Cabeças

Direção: Laís Bodanzky

Duração: 1h24

Elenco: Rodrigo Santoro, Cassia Kiss, Othon Bastos, Dani Nefussi, Gero Camilo, Luís Miranda, Caco Ciocler, Gustavo Machado, Jairo Mattos, Marcos Cesana, Altair Lima, Valéria Alencar, Talita Castro, Lineu Dias, Cláudio Carneiro

Sinopse: Após seu pai encontrar um cigarro de maconha em seu bolso, um adolescente é enviado para um hospital psiquiátrico para tratar de seu suposto vício.

Trailer:

E você, já assistiu a esse jovem clássico do cinema nacional? Se sim, o que achou do filme? Deixe seus comentários e obrigado por ter lido!

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